Norte-Sul chega ao seu primeiro destino

Publicado em 14/03/2010 19:54


Numa longa trilha de terra batida, que rasga o coração do Cerrado rumo à capital de Tocantins (Palmas), um exército de 2 mil trabalhadores corre contra o tempo para recuperar 24 anos de atraso na construção da Ferrovia Norte-Sul.

Nos próximos 4 meses, eles terão de superar chuvas fortes e um calor sufocante para instalar 139 quilômetros de trilhos, entre Fortaleza do Tabocão e Palmas. Até lá, muitas frentes de trabalho terão de dobrar o turno para evitar que, mais uma vez, o cronograma não vire peça de ficção.

Quando os trilhos chegarem a Palmas, o governo federal fechará a primeira fase da ferrovia, que um dia já foi chamada de "Transamazônica sobre trilhos", uma alusão à rodovia que corta a Amazônia e até hoje não foi pavimentada.

O trecho de 720 km, entre Açailândia (MA) e Palmas, foi concedido à mineradora Vale, em leilão realizado em 2007. A empresa pagou R$ 1,48 bilhão para usar e administrar a malha por 30 anos. De acordo com o contrato, a estatal Valec, responsável pela construção, teria de concluir o trecho em dezembro de 2009.

A data poderia ser, legalmente, prorrogada até abril deste ano. Entretanto, mais uma vez o prazo não será cumprido. A nova data foi marcada para 30 de julho, como mostra o último balanço do PAC.

Uma das explicações está nas denúncias de irregularidades e retenção dos recursos pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 2008. Por isso, algumas construtoras decidiram paralisar a obra ou reduzir o ritmo de construção.

Resultado: a Valec rescindiu o contrato com algumas delas e declarou vencedor o segundo colocado. Foi o que ocorreu no último lote em construção até Palmas. Nesse trecho, alguns quilômetros já estão com trilhos instalados. Mas a grande maioria está em fase de terraplenagem e construção de pontes e viadutos. O presidente da Valec, José Francisco das Neves (o Juquinha), acredita que, se as chuvas contribuírem, o prazo será cumprido sem problemas.

Vistoria. Enquanto a reportagem do Estado percorria alguns trechos da ferrovia, no Tocantins, o executivo fez uma vistoria nas obras. De Guaraí a Miracema do Tocantins, viu de tudo. Trilhos prontos para receber o trem, áreas apenas abertas no meio do cerrado, pilhas de dormentes à espera de instalação e um intenso vaivém de trabalhadores em pátios de carga. Até Palmas são sete pátios, com a presença de várias multinacionais, como Bunge e Cargill.

A cada parada, Juquinha, um apaixonado por ferrovia, suspirava e dizia: "Esse Brasil é bonito demais. Olha só como está isso", referindo-se ao pátio de Porto Nacional, que terá 8 passagens para trens e abrigará quase 20 empresas. Ele comemora o esforço que vem sendo feito para concluir a Norte-Sul, que em 24 anos construiu 24 km por ano.

A ferrovia foi lançada em 1986, pelo presidente da República José Sarney. No governo, não faltava explicação para justificar a importância da obra bilionária (de US$ 2,4 bilhões, sem as desapropriações) num momento em que o Brasil tinha dificuldades para honrar sua dívida externa. A promessa era não só integrar os povos do Norte, Nordeste ao Sul do País, como levar progresso ao cerrado brasileiro, considerado uma terra sem atrativos econômicos.

Crime nacional. Também não faltavam adjetivos para criticar o projeto entre os oposicionistas. Na época, a Norte-Sul foi classificada como um crime nacional, uma obra faraônica, a ferrovia dos marajás. Para dar mais munição aos adversários, o projeto entrou num lamaçal profundo, com acusação de fraudes na licitação das obras.

O resultado da concorrência foi publicado em uma reportagem na Folha de S. Paulo no dia da divulgação oficial. O processo foi anulado, mas o presidente Sarney não abriu mão do que era chamado de um capricho pessoal, e uma nova licitação foi feita.

Desde então, porém, muita coisa mudou, a começar pelo desenho da ferrovia. Além dessa primeira fase, que vai até Palmas, a Norte-Sul se estenderá até Estrela do Oeste (SP), passando por Anápolis e Rio Verde, em Goiás. Há planos também de levar a ferrovia até Belém (PA), no que somaria quase 3 mil km. O traçado original previa ligação entre Açailândia (MA) e Brasília (DF), num total de 1.600 km.

A alteração no traçado também significou elevação dos custos, para algo em torno de R$ 6,5 bilhões, sendo R$ 4,89 bilhões na segunda fase do projeto, que vai de Palmas a Estrela do Oeste.

De acordo com dados do Ministério dos Transportes, entre 1987 e 2009 o governo já colocou R$ 3,5 bilhões (em valores atuais) na Norte-Sul.

Agronegócio. Outra mudança ocorrida nos últimos 24 anos foi a importância que a ferrovia ganhou com o boom do agronegócio. De obra que transportaria nada para o nada, ela se transformou num estratégico corredor de exportação para os produtores de soja, milho, açúcar e etanol, entre outros.

Até 2013, a Vale projeta carregar 8,8 milhões de toneladas por ano. Hoje, transporta apenas 1,7 milhão de toneladas nos 215 km em operação.

A segunda fase da Norte-Sul terá um modelo de concessão diferente daquele adotado entre Açailândia e Palmas.

Baseado no modelo espanhol, a Valec será a concessionária que vai administrar a malha. Ela fará leilões para licitar o direito de passagem para várias empresas. Na verdade, concederá uma capacidade de transporte naquele trecho. "Com o dinheiro arrecadado continuaremos a expandir a ferrovia pelo Brasil", diz Juquinha.

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Fonte:
O Estado de S. Paulo

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