Butantan estuda desenvolvimento de vacina contra gripe aviária H5N1; doença tem alta taxa de mortalidade
Os recentes casos de gripe aviária (H5N1) em humanos no Camboja, no continente asiático, com a morte de uma menina de 11 anos, deixaram cientistas ao redor do mundo em alerta. O Instituto Butantan, que vem monitorando cepas com potencial pandêmico desde a criação da Fábrica da Influenza, em 2011, está trabalhando no desenvolvimento de uma vacina contra H5N1. A expectativa é finalizar os testes pré-clínicos ainda neste ano e avançar para o estudo clínico em 2024. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o vírus pode causar doença grave e tem alta taxa de mortalidade: nos últimos 20 anos, 873 casos e 458 óbitos foram reportados em 21 países. Até o momento, não há registros de H5N1no Brasil.
O processo de fabricação é o mesmo da vacina sazonal contra a gripe, produzida anualmente pelo Butantan, que entregou 80 milhões de doses ao Ministério da Saúde na última campanha. “Nós já temos a cepa vacinal e estamos na fase inicial de produção dos bancos virais, que futuramente serão utilizados para inoculação em ovos e produção dos monovalentes”, afirma o gerente de desenvolvimento e inovação de produtos do Butantan, Paulo Lee Ho.
Segundo o pesquisador, existem vacinas desenvolvidas nos Estados Unidos e na Europa contra o H5N1, aprovadas para uso apenas em caso de pandemia. No entanto, elas são produzidas com cepas diferentes das que circulam atualmente, provenientes da Indonésia, Vietnã e Turquia. “Estamos utilizando a cepa isolada da Rússia, que geneticamente é muito mais próxima das cepas circulantes hoje. Com isso, ela deve se mostrar mais eficaz do que os outros imunizantes disponíveis.”
Após a produção dos monovalentes, serão feitos testes em modelos animais para avaliar a toxicidade, segurança e imunogenicidade – capacidade de gerar resposta imune. Os primeiros resultados devem ser obtidos até o segundo semestre de 2023.
Recentemente, o Butantan publicou dados de fase 1 do estudo clínico de uma vacina contra a influenza H7N9 – outra cepa com potencial pandêmico que tem sido monitorada pelo instituto – e o imunizante se mostrou altamente seguro e imunogênico. Esse vírus já causou seis surtos na China e matou 40% dos infectados.
Riscos de uma pandemia
Originalmente, o H5N1 é um vírus que infecta aves migratórias, que ajudaram a disseminá-lo pelo mundo e a atingir aves de criação, impactando a economia. Ele também pode ser transmitido para mamíferos e, menos frequentemente, para humanos, causando surtos esporádicos. Em dezembro de 2022, a Europa precisou sacrificar 50 milhões de aves em granjas contaminadas.
Nos últimos anos, o H5N1 se tornou uma preocupação maior devido aos crescentes casos em mamíferos. “A quantidade de casos e mortes observados nesses animais sugere que a transmissão já pode estar ocorrendo de mamífero para mamífero. Isso torna esse evento muito mais perigoso e aumenta a chance do vírus se adaptar em humanos”, explica Paulo Lee Ho.
O “salto” entre espécies, chamado de spillover pelos cientistas, ocorre por causa das mutações que acontecem no vírus. De acordo com o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como o influenza é um vírus de RNA simples, ele tem maior chance de sofrer mutações que permitam que ele se adeque a um novo ambiente. “Em humanos, o H5N1 causa uma doença relativamente grave, porque nós não temos imunidade contra esse vírus, já que não convivemos com ele”, explica.
O controle da doença nas aves é essencial para reduzir a disseminação do vírus e, consequentemente, as chances de mutação. “Já temos registros de granjas contaminadas em países vizinhos, como Uruguai e Argentina, e a chance do vírus chegar às aves do Brasil é muito grande”, alerta Vecina.
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