TJMT reconhece CPR representativa de “Barter” como crédito extraconcursal
1. Operação Barter e Cédula de Produto Rural
Em recente e inédita decisão, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso (“TJMT”) classificou crédito oriundo de “Operação Barter” como extraconcursal. A decisão autorizou que a BASF, multinacional química alemã, executasse a dívida de um produtor rural em recuperação judicial que deixou de entregar parte de sua produção de algodão à multinacional como forma de pagamento por insumos fornecidos pela empresa.
“Operação Barter” ou “Contrato de Barter” é uma negociação financeira entre o produtor rural e a produtora/distribuidora de insumos agrícolas. Na prática, o pagamento pelo insumo é efetuado com parte da produção final. Assim, esses insumos, que são utilizados na condução da lavoura, por exemplo, podem ser adquiridos sem a necessidade do pagamento antecipado em dinheiro. Trata-se, portanto, de uma “troca de produtos e insumos”, em que a empresa fornece insumos ao produtor e este, como forma de pagamento, entrega à empresa parte da sua produção final.
No caso em análise, a operação comercial foi realizada com a emissão de notas fiscais da venda dos insumos, por parte da multinacional, e a emissão de Cédula de Produto Rural (“CPR”) por parte do produtor rural, como uma promessa de entrega futura do produto agropecuário que, neste caso, foi o algodão.
2. Aspectos da Lei de Falência e Recuperação Judicial
Com a recente reforma da Lei de Falência, em 2020, destacou-se a alteração do artigo 11, da Lei 8.929/04, a qual instituiu a CPR. Referido artigo passou a prever que os créditos que têm origem em operação de Barter são extraconcursais, estando, portanto, expressamente excluídos dos efeitos da recuperação judicial.
A Lei de Falência e Recuperação Judicial (“Lei 11.101/05”) prevê dois tipos de créditos quando da decretação da recuperação judicial de uma empresa: (i) extraconcursais e (ii) concursais. Os primeiros estão excluídos dos efeitos da recuperação judicial, ou seja, os detentores de créditos extraconcursais não participam do concurso de credores e podem seguir com suas execuções e atos expropriatórios em face do devedor. Em outras palavras, o crédito oriundo de CPR passou a gozar de privilégios, assim como créditos oriundos de alienação fiduciária, facilitando a recuperação deste crédito por quem o detém.
A Lei 11.101/05, também prevê o chamado “stay period”, quando há a suspensão das ações e execuções movidas contra a empresa que tem seu pedido de recuperação judicial aceito, o que permite a proteção do patrimônio empresarial e a reorganização das finanças e dos negócios. É como um “respiro” à recuperanda, para que esta tenha condições de negociar um plano de recuperação judicial com seus credores visando reperfilar seus débitos e garantir a manutenção da empresa em crise.
Outra peculiaridade prevista na Lei 11.101/05 é a definição dos bens considerados essenciais ao processo de recuperação judicial. De acordo com a Lei 11.101/05, os bens não essenciais, são aqueles não imprescindíveis à manutenção da produtividade da atividade empresarial. Por sua vez, os bens essenciais são aqueles indispensáveis à manutenção da continuidade da atividade da empresa. No intuito de preservar a atividade empresarial e propiciando maior condição ao restabelecimento da recuperanda, a Lei 11.101/05 impede a excussão dos bens essenciais pelos credores (art. 49, §3º, parte final) após a determinação do “stay period”.
3. Classificação dos bens de capital essenciais e não essenciais
No âmbito da recuperação judicial do produtor rural, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no mais recente julgado sobre o tema (Resp. nº. 1.991.989-MA), considerou que bem de capital essencial é aquele utilizado no processo de produção e que esteja na posse direta da recuperanda (exemplo: imóveis veículos, silos, geradores, prensas, colheitadeiras, tratores etc.), não se enquadrando neste conceito o produto comercializado pelo empresário. É, portanto, o aparato necessário ao produtor para que este desenvolva sua atividade produtiva.
O STJ entendeu, ademais, que os produtos agrícolas (no caso, soja e milho) não são classificados como bens de capital essenciais à atividade empresarial. Não são, portanto, indispensáveis ao soerguimento da empresa pois não são bens utilizados no processo produtivo, tratando-se de produto final da atividade empresarial desempenhada. Assim, o produtor não estaria impedido de alienar/vender a sua produção durante o “stay period”.
O risco desse precedente é que, ao se desconsiderar a essencialidade da produção final, o produtor rural poderá sofrer constrições na sua safra futura. Nesse contexto, o ciclo produtivo restaria prejudicado, uma vez que os recursos financeiros provenientes da venda da produção não chegariam até o produtor rural, impedindo-o de dar continuidade à sua safra.
Pois bem.
No caso em análise, quando o produtor rural teve concedida a sua recuperação judicial, o juízo de primeira instância reconheceu o “stay period”, ou seja, o período de blindagem contra a expropriação de bens e valores pelos credores e adiantou o entendimento de que grãos seriam bens essenciais. Assim, o produtor rural não precisou entregar parte de sua produção de algodão à multinacional como pagamento pelo Barter realizado.
4. A decisão do TJMT e os benefícios ao agronegócio
A importância da decisão proferida pelo TJMT está no reconhecimento expresso de que a CPR originada da operação Barter deve ser considerada crédito extraconcursal, excluído dos efeitos da recuperação judicial do produtor rural, e que o produto atrelado ao título (no caso, algodão) não é essencial à atividade produtiva do produtor rural.
O ponto mais relevante é que, embora a jurisprudência do STJ seja pacífica quanto à não-essencialidade dos grãos, alguns Tribunais Estaduais ainda possuem posição contrária em relação ao tema. Alguns Tribunais tem se manifestado no sentido de impedir a retirada, por credores fiduciários, de produtos agrícolas em posse de devedores em recuperação judicial, por considerarem determinados ativos como essenciais às atividades do devedor em recuperação judicial, contrariando previsão do § 3º do artigo 49 da Lei 11.101/05.
O entendimento do TJMT, portanto, consolida a recente alteração legislativa, refletindo a intenção do legislador, que buscou conferir maior segurança jurídica aos agentes que, optando pela CPR como instrumento financeiro, estimulam as atividades agropecuárias, garantindo-lhes a prerrogativa da extraconcursalidade nos processos de recuperação judicial. Em consequência, contribui para o fortalecimento e fomento do setor agro, pois permite maior previsibilidade aos agentes econômicos, além de impedir a relativização dos mecanismos de garantia disponíveis no mercado.
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