Reuters: Maioria bolsonarista no Congresso é relativa, mas exigirá habilidade de Lula

Publicado em 31/10/2022 08:03

Logotipo Reuters

Por Maria Carolina Marcello e Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) - Turbinado pelo orçamento secreto, o centrão exigirá do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) jogo de cintura, se quiser tocar suas pautas prioritárias e eventualmente retomar o controle de parte do orçamento federal.

Isso não quer dizer, necessariamente, que o poderoso grupo político esteja fidelizado ao atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), que não conseguiu se reeleger. Aliados de ocasião, esses parlamentares podem mudar de lado a depender das conversas com o petista, avaliam congressistas procurados pela Reuters.

"O centrão vai dar trabalho, porque o centrão está muito bem, diga-se de passagem, com esse escândalo do orçamento secreto", avaliou a deputada Tabata Amaral (PSB-SP).

"E o centrão, neste momento, se vestiu, se apresentou como sendo de centro-direita, porque era conveniente", acrescentou.

A parlamentar não considera impossível a construção de uma coalizão em torno de Lula, dada a abertura ao diálogo de partidos como MDB, do União Brasil, PSDB e PSD.

A formação de uma base aliada o ajudaria a enfrentar agendas complexas que se impõem, caso da reforma tributária, e de mudanças no Imposto de Renda, além de eventuais mudanças fiscais, que abririam espaço para a ampliação de programas de distribuição de renda.

O petista poderá ainda ter problemas para travar possíveis medidas conservadoras, que podem surgir das bancadas mais setorizadas "BBB" --boi, bala e Bíblia, ou formalmente denominadas de Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Frente Parlamentar Evangélica, e Bancada de Segurança Pública, que pode ser ramificada e gerar um novo grupo voltado especificamente à facilitação do acesso a armas.

A favor do presidente eleito, conta o fato de que nem todos no centrão encaixam-se no perfil dos bolsonaristas "raiz", identificados ideologicamente e aguerridos defensores de bandeiras conservadoras. Boa parte do grupo político que assume em 2023 tem posições menos radicais e foi eleita a partir do impulsionamento do orçamento secreto. São os bolsonaristas de conveniência.

"Não dá para dizer que tem uma maioria bolsonarista. Não é bem assim", avaliou o deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), até alguns meses atrás vice-presidente da Câmara, avaliando que principalmente no Senado a correlação de forças não teve mudança drástica e que tanto o centrão quanto um de seus principais líderes, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), são aliados de momento do atual presidente.

"O Arthur é Bolsonaro tanto quanto vira Lula quando o Lula ganha a eleição", avaliou Ramos.

Utilizado como moeda de troca por apoio político por meio do direcionamento de emendas ao Orçamento, o chamado orçamento secreto ficou conhecido dessa forma diante da falta de transparência sobre os parlamentares agraciados com os recursos.

Relatório da Transparência Internacional sobre o nível de comprometimento do Brasil com convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) de combate à corrupção aponta o instrumento de distribuição de recursos do orçamento entre os principais retrocessos no país.

Partidos do centrão elegeram pouco mais da metade dos 513 deputados, sendo que apenas o PL, sigla de Bolsonaro, conquistou a maior bancada de com 99 cadeiras. No Senado, mais de 15 parlamentares --dentre os raiz e os de ocasião-- foram eleitos para a legislatura que começa em 2023.

Parlamentares relatam que sim, alguns integrantes da esquerda também foram beneficiados por recursos do orçamento secreto, mas a grande maioria agracidada faz parte, justamente, do centrão.

DONO DO PEDAÇO

O presidente eleito já anunciou, na campanha, que não concorda com o orçamento secreto e chegou a mencionar intenção de extingui-lo, o que renderia considerável desgaste político, dada a maioria do Legislativo favorável ao tema.

Para a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), que debateu o tema com o petista, a solução deve partir do Supremo Tribunal Federal (STF).

"A questão do orçamento secreto a gente só resolve via STF", disse a parlamentar à Reuters, acrescentando que o presidente eleito entende que com o instrumento de destinação de emendas de relator "não se governa, não se faz política pública".

"O entendimento aqui é que, com o respaldo do Executivo, o STF vai ter muito mais espaço para julgar essa inconstitucionalidade", afirmou.

A presidente da corte, Rosa Weber, deve levar ao plenário a decisão sobre a constitucionalidade do orçamento secreto ainda em novembro deste ano, de acordo com uma fonte ouvida pela Reuters. Relatora da ação sobre o tema, a ministra manteve a ação consigo, mesmo depois de assumir a presidência da Corte.

Segundo essa mesma fonte, a tendência hoje entre os ministros é que o orçamento secreto seja declarado inconstitucional.

Caso o resultado se confirme, o novo governo poderá começar a retomar o controle do orçamento, boa parte dele hoje nas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), uma das principais lideranças do centrão.

"Hoje, o Arthur é o dono da Câmara dos Deputados. E ele não é só o dono dos partidos da base do Bolsonaro. Ele é o dono do PSD, ele é o dono do PSDB, ele é o dono do MDB, ele é o dono de todos os partidos, salvo a esquerda. E ainda é dono de um pedacinho do PT, de um pedaço do PSB e de um pedaço do PDT", relatou Ramos.

Há, dentro do centrão, quem considere inegociável a extinção do instrumento e aposte que o STF não irá interfirir no assunto, uma vez que é o Congresso quem aprova o Orçamento do Judiciário.

"Você acha que o STF vai ter essa coragem? Quem faz o Orçamento do Supremo? O Congresso pode aprovar, pode modificar, pode não aprovar", alertou o vice-líder do governo na Câmara José Rocha (União-BA).

TRETAS

No período eleitoral, Lula já sinalizou a intenção de abordar os dois assuntos e precisará do Legislativo para tocar suas promessas de campanha e terá pela frente temas que o Congresso discute há anos, justamente pela dificuldade na construção de um consenso entre os parlamentares. Um deles diz respeito à reforma tributária, abordada por uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) estacionada no Senado. Outro projeto que não avança, ainda que já tenha sido aprovado pelos deputados, é o que altera regras do Imposto de Renda.

Se contar com a boa vontade dos parlamentares, poderá tentar aprovar mecanismo de valorização do salário mínimo acima da inflação, atualização da legislação trabalhista e renegociação de dívidas de famílias inadimplentes ou mesmo a reorganização da estrutura administrativa do Executivo e criar novos ministérios, como o dos Povos Originários.

Também caberá ao Legislativo aprovar as indicações que o próximo governo fizer para agências reguladoras, tribunais superiores e embaixadas, além da diretoria e presidência do Banco Central, entre outros postos. Medidas que garantam o pagamento de auxílios e benefícios em curso também precisam passar pela avaliação dos congressistas.

"Com certeza vamos ter que mexer na questão fiscal não tenha dúvida", avaliou o vice-líder do governo, alertando, ainda, para as pautas de nichos específicos do Congresso, caso da chamada bancada da bala.

"Vai depender muito dessa articulação dentro do próprio Congresso", avaliou.

Já segue nosso Canal oficial no WhatsApp? Clique Aqui para receber em primeira mão as principais notícias do agronegócio
Fonte:
Reuters

RECEBA NOSSAS NOTÍCIAS DE DESTAQUE NO SEU E-MAIL CADASTRE-SE NA NOSSA NEWSLETTER

Ao continuar com o cadastro, você concorda com nosso Termo de Privacidade e Consentimento e a Política de Privacidade.

0 comentário