O posicionamento do Brasil no mercado externo com uma nova configuração geopolítica mundial
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O posicionamento do Brasil no mercado externo com uma nova configuração geopolítica mundial
O agronegócio e os setores urbanos estão intrinsecamente conectados, já que as cadeias produtivas de alimentos influenciam diretamente no cotidiano das cidades. Porém, muitos ruídos de comunicação entre as duas pontas geram discussões e desentendimentos que merecem atenção. Nesse contexto, o site Notícias Agrícolas e a consultoria MPrado desenvolveram o projeto Conexão Campo e Cidade, que visa debater diversas questões relacionadas aos negócios que envolvem os ambientes urbanos e rurais.
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A guerra entre Rússia e Ucrânia provoca uma nova configuração da geopolítica mundial, sobretudo no que se refere às negociações agrícolas e energéticas. Além de provocar uma redução de oferta de milho, trigo, petróleo, gás, fertilizantes, entre outros, as relações entre as nações são afetadas, criando restrições e novos acordos. Para falar sobre esse tempo, o Conexão Campo Cidade recebeu Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e atualmente presidente-executivo da Abitrigo. Confira a seguir os principais assuntos em discussão no programa.
Desorganização das cadeias produtivas
O primeiro ponto levantado por Barbosa foi a interferência da guerra causando a desorganização das cadeias produtivas – principalmente os mercados agrícolas e energéticos – que já vinham abaladas por conta da pandemia, aumentando a inflação no mundo inteiro. Isso vai provocar uma diminuição na Economia mundial de pelo menos 1%.
Do ponto de vista agrícola, como destacou Barbosa, a desorganização é grande em alguns produtos específicos, principalmente soja, trigo, óleo de girassol e milho, pois Rússia e Ucrânia são grandes exportadores desses alimentos.
Outra questão afetada pela redução de oferta de ambos países são os fertilizantes. O presidente-executivo destaca que esse é um impacto muito importante, porque pode gerar desabastecimento para alguns países. Por fim, do ponto de vista energético, o que ocorre é um aumento exponencial de preços do gás e do petróleo.
Uma nova globalização
Para Barbosa, essa crise nas cadeias produtivas vai desencadear ajustes na configuração das relações entre países. A globalização não deixará de existir, porque as nações estão muito dependentes entre si, porém, algumas restrições ganharão força.
Segundo ele, hoje as cadeias globais dependem demasiadamente da China, e a partir de agora o movimento de diversas nações será reduzir essa dependência das cadeias globais ligados à China.
Para que isso aconteça, haverão o que Barbosa considera como grandes problemas para o Brasil: políticas protecionistas e restrições, com papéis cada vez maiores. Isso afeta de forma negativa a economia brasileira, por contar com o mercado agrícolas para mais de 50% de todas suas exportações.
Nessa projeção o ex-baixador espera que haverá fortes restrições para comercializações de produtos tecnológicos de uso civil, que talvez sejam restritos por medidas políticas unilaterais, mesmo muitas dessas políticas sendo ilegais levando em consideração as políticas internacionais. Isso ocorrerá devido enfraquecimento da influência da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Distanciamento entre Ocidente e Eurásia
O que estamos vendo hoje, como destacou o ex-embaixador, é o começo de um movimento que vai colocar Ocidente e Eurásia em lados opostos. Essa nova configuração mundial é diferente da divisão da Guerra Fria. Naquela época, como explicou Barbosa, existia uma competição ideológica e militar entre duas superpotências.
Hoje, o que existe é uma competição entre Estados Unidos e China, mas o conflito é comercial. Quando terminar a guerra, os americanos estarão se posicionando do ponto de vista comercial. Como ele revelou, jornais dos EUA já dizem que o país pode desfazer relações comerciais com países que não são amigos. A questão que fica a partir de então é qual será o posicionamento do Brasil nesse cenário.
Lugar do Brasil na nova estrutura geopolítica mundial
Barbosa afirma que é muito difícil imaginar qual será a postura brasileira, caso realmente ocorra restrições de negociações entre países que são considerados “amigos” ou não. De acordo com ele, a cultura do Brasil é ocidental, mas, no futuro, vai depender comercialmente da Ásia.
“E se houver um rompimento?”, ele questiona. Esse é um cenário do futuro, conforme afirmou, mas é importante começar a pensar nessas coisas.
O ex-embaixador destacou que, pelo que está vendo do governo americano, vai começar a haver restrições que vão afetar o governo brasileiro. O Brasil pode sofrer principalmente com restrições ambientais.
Umas das consequências do Brasil para ele é voltar a ter política regional e a América do Sul estará alinhada com os Estados Unidos. Porém, o Brasil está sem política regional, pois criou caso com Argentina e Venezuela. “O Brasil tem que rever a política externa e pensar independente de ideologia. O Brasil tem que ter posições e aqui na região, tem que ter política de aproximação”, avaliou Barbosa. Segundo ele, é necessário liderar um movimento de cadeias produtivas regionais e abrir o mercado brasileiro para empresas para comprar produtos feitos no Brasil. Esse é um começo de política industrial.
As eleições, como ele frisou, é uma incógnita, e mesmo após o resultado, será difícil saber o que acontecerá. Após a guerra, “abaixará a poeira” e será uma nova era. “Será que vamos ter liderança para enfrentar esses desafios?”, questionou o convidado.
Mercado do trigo
Uma das cadeias mais afetadas pela guerra é a do trigo. O cereal já vinha de um aumento de preços nos últimos dois anos por conta do clima. Agora, no último mês, a alta foi ainda mais acentuada, com preços mais de 20% maiores internacionalmente. Barbosa afirma que não deve haver nenhum problema de abastecimento para o Brasil, mas a alta de preço deve ser sentida.
Atualmente, existem algumas dificuldades para autorizar a liberação de trigo desembarcado no país, o que está afetando outros produtos também. Porém, esse é o problema que será solucionado, sem causa problemas sérios de abastecimento.
Mas, problemas haverão sim, principalmente no período de entressafra, quando as indústrias quando as indústrias forem comprar o trigo. A demanda brasileira é atendida 60% por trigo que vem do exterior. A produção brasileira atende 40%. Desses 60%, 80% vem da Argentina. Por causa da desorganização das cadeias por conta da guerra, mais países têm o mercado argentino para adquirir o trigo.
Estudos indicam que a Argentina já tem quantidade vendida e novas autorizações de venda, mas o trigo não está mais na mão dos produtores. O cereal já está com as traddings que estão segurando o produto para vender com os melhores preços. O Brasil está tentando comprar trigo argentino, mas se não houver disponibilidade, será preciso procurar outros mercados.
Produção interna do cereal
Conforme destacou Barbosa, o aspecto positivo nessa situação é o trabalho desempenhado no Brasil com a objetivo de aumentar a produção interna de trigo. O cereal, junto do arroz, é o alimento mais presente na mesa dos brasileiros. Depender do trigo, segundo ele, é uma questão de dependência é uma questão d segurança alimentar e nacional. O trigo é fundamental para produção de massas, pães e biscoitos, que são alimentos consumidor em grande quantidade pelos brasileiros.
Mas o Brasil não deixará de depender das exportações, pois também exporta trigo, por produzir um cereal de ótima qualidade. Segundo o presidente-executivo, no passado o país exportou trigo em grande quantidade. Neste ano, projeta a exportação de mais de 3 milhões de toneladas.
O Rio Grande do Sul está exportando boa quantidade para países que dependiam da Rússia. O abastecimento, como ele voltou a falar, não terá problemas, mas será difícil. O trabalho está sendo para produzir uma para quantidade adicional.
Neste ano, o plantio está ampliando e a produção deve ser ainda maior que a do ano passado, superando os 7 milhões, podendo chegar até mesmo a 10 milhões de toneladas até 2023. Porém, esse número seguirá sendo insuficiente para abastecer o mercado nacional, porque o país continua exportando. “Quanto mais demorar a guerra, mais elevado ficará o preço. Quando acabar a guerra, não cairá bruscamente o preço, mas vai parar de subir”, avaliou.
Remuneração pela alta qualidade
Uma questão levantada por Marcelo Prado foi o que é necessário de fazer para remunerar trigos de alta qualidade produzidos no Brasil. De acordo com o que respondeu Barbosa, a qualidade do trigo brasileiro já tem aumentado. Porém, o consumo de farinha no Brasil está estagnado em 12 milhões de toneladas. Esse ano não vai crescer de novo, por causa da baixa capacidade de compra.
Para que aconteça a remuneração por alta qualidade, é preciso diversificar as sementes e produção. “Se houver demanda, vai ter melhores qualidades. Vamos ver como vai ser isso e como vai ser diversidade e a oferta com novas sementes. Havendo demanda do mercado, os moinhos se ajustam”, avaliou Barbosa.
Para ele, essa questão depende muito do interesse dos consumidores. Havendo interesse, pode ser estimulada a melhoria da qualidade. Ele destacou ainda que segunda a Embrapa, o trigo do cerrado já tem as melhores produtividade e qualidade do Brasil. Isso pode melhorar ainda mais, desde que haja incentivos e demanda externa.
Imagem do Brasil no mercado internacional
Barbosa afirmou também que acredita haver uma deterioração da imagem internacional do Brasil, por uma perda da credibilidade derivada de um fator primordial, que é a Amazônia. Do momento em que o Brasil ter política em relação à Amazônia, a percepção vai mudar. Para ele, isso não se faz com retórica, mas sim com resultados.
Ele adiantou que vai publicar um artigo sobre a exploração do ouro, porque o Estado está perdendo o controle de áreas importantes para facções criminosas. O presidente-executivo frisou que garimpagem ilegal é constituída por empresas gigantescas, várias máquinas de grande valor, e os outros países pedem apenas que o Brasil cumpra a lei.
O ex-baixador não acredita que exista outros interesses dos Estados Unidos e da União Europeia, senão proteger o meio ambiente. A pressão é apenas para que o Brasil cumpra a lei, pois é tudo ilícito o que está acontecendo na Amazônia - citando desmatamento e garimpo.
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