Soluções sustentáveis da cafeicultura brasileira
*Por Marcos Matos e Silvia Pizzol - Diretor Geral e Gestora de Sustentabilidade do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé)
A guerra na Ucrânia reacendeu os debates sobre a dependência do Brasil dos fertilizantes importados. As sanções contra a Rússia impostas por Estados Unidos, Europa, Japão, Austrália e outras economias ocidentais, com o objetivo de isolar o país euroasiático do mercado global, geram grandes preocupações sobre os impactos ao agronegócio brasileiro.
Em linhas gerais, o Brasil importa de 75% a 80% dos fertilizantes que utiliza (sendo 95% de potássio, 80% de nitrogenados e 55% de fosfatados). E a Rússia responde por 23% dessas importações.
No café, há importantes fontes de nutrientes geradas nas próprias fazendas. A casca e a palha de café podem ser provenientes do processamento via úmida e da etapa de beneficiamento, gerada em grande volume nas próprias áreas cafeeiras.
Essa biomassa é aplicada na lavoura cafeeira e promove o condicionamento do solo, visto que há uma melhoria das características físico-químicas e biológicas, devido à fração orgânica, uma disponibilização gradual dos nutrientes para as plantas.
Além de ser uma fonte de adubo orgânico liberando gradualmente os nutrientes, a casca de café atua melhorando a retenção de umidade e a atividade biológica do solo, a capacidade de troca de cátions (CTC), o controle da erosão, a diminuição da temperatura do solo e atua no controle de crescimento de plantas invasoras na projeção da saia do cafeeiro, de maneira física, impedindo a germinação de sementes.
A casca de café fornece nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K), com teores em torno de 1,5% de N, 0,15% de P2O5 e 3,0% de K2O, além de outros macronutrientes como cálcio e magnésio.
Diversos estudos mostraram que a aplicação de palha seca de café, esterco e adubação química em associação gera resultados extremamente benéficos à produção do cafeeiro em relação à adubação exclusivamente química. Além disso, nas doses 1,0, 2,0, e 4,0 Kg/cova de palha seca, houve aumento crescente na produção e na qualidade da bebida.
Em tempos de ESG (governança socioambiental), agricultura regenerativa e orgânica, balanço de emissões de carbono e economia verde, o aproveitamento de resíduos demonstra a sustentabilidade dos cafés do Brasil.
A pesquisa cafeeira nacional, coordenada pela Embrapa Café, tem gerado importantes soluções tecnológicas nacionais para a melhoria da estrutura e da fertilidade do solo, de sua capacidade de armazenamento de água e estoque de carbono. É o caso da utilização da braquiária decumbens como planta de cobertura nas entrelinhas do cafezal, que aumenta de 18% a 20% a água prontamente disponível no solo para o cafeeiro e permite a estocagem de até 10,7 t/ha-1 de carbono orgânico nos primeiros 0,20m do solo, segundo informações divulgadas pela estatal*. Com orientação técnica para a implantação da braquiária, não se observa competição com o cafeeiro e há melhoria na ciclagem de nutrientes e da incorporação de matéria orgânica no solo.
Essa tecnologia já é adotada nos estados da Bahia, Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal e contribui, de forma significativa, para o manejo mais sustentável das plantas invasoras dos cafezais. O plantio da braquiária na entrelinha reduz em cerca de 40% a utilização de herbicidas e o uso de máquinas e equipamentos, favorecendo a dimensão econômica da sustentabilidade ao reduzir custos e promover o aumento da produtividade, de cinco sacas de café por hectare.
A Embrapa também indica vários benefícios ao solo e à nutrição do cafeeiro decorrentes da arborização dos cafezais com espécies leguminosas, a exemplo de gliricídia e eritrina*. Entre eles estão o aumento do teor de matéria orgânica, da ciclagem de nutrientes, da infiltração de água e a redução da compactação do solo e da erosão. A arborização gera melhoria das condições climáticas, reduzindo a demanda nutricional do cafeeiro e viabilizando colheitas em solos com menor nível de fertilidade.
Vários projetos em desenvolvimento, no âmbito da última chamada do Consórcio Pesquisa Café, têm por objetivo expandir o conhecimento e gerar recomendações sobre sistemas arborizados de produção de café arábica e conilon, com foco nos desempenhos agronômico, econômico e quanto à resiliência e às mudanças climáticas. O Cecafé, como membro do Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC), têm orientado essa pauta da pesquisa cafeeira do Brasil alinhada à sustentabilidade, em conjunto com as demais entidades da cadeia produtiva.
O fortalecimento da pesquisa cafeeira, o impulsionamento das biofábricas e o amplo uso de resíduos formulados, com instrumentos legais que promovam o uso e a comercialização desses bioinsumos é fundamental para os contínuos avanços dos cafés do Brasil em sustentabilidade e resiliência frente a choques externos, como os decorrentes das sanções econômicas contra a Rússia.
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