Exclusivo: Representantes do Mapa falam sobre etanol na Índia e busca por internacionalização para o biocombustível
O ano de 2021 tem sido marcado por inúmeras divulgações da Índia que sinalizam uma mudança em sua política de mobilidade urbana. Com uma população de mais de 1 bilhão de pessoas, o país é um dos maiores importadores de petróleo do mundo, mas, com as altas da commodity nos últimos meses, se viu obrigado a arcar com maiores valores pelo produto. Nesse contexto, a ideia de uma matriz mais verde, mais do que nunca, passou a ser considerada.
O Brasil, que domina a tecnologia dos veículos flex-fuel desde o início dos anos 2000, poderia se favorecer de possíveis oportunidades industriais, tecnológicas e até mesmo comerciais com a Índia. As duas nações, inclusive, já têm relações de trabalho bastante ativas relacionadas ao biocombustível, além de estreitarem as conversas e as negociações relacionadas com diversos outros produtos do agronegócio brasileiro.
Para entender as oportunidades presentes e o futuro da relação entre os dois países, o Notícias Agrícolas falou com exclusividade com Cid Caldas, coordenador-geral de cana-de-açúcar e agroenergia da Secretaria de Política Agrícola (SPA), ligada diretamente ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) do Brasil, e Dalci de Jesus Bagolin, adido agrícola em Nova Deli, capital indiana.
“O Brasil tem trabalhado ativamente com a Índia, compartilhando a experiência de mais de 40 anos de uso de etanol no país. Isto auxiliou a Índia a formar um amplo consenso tanto no setor público quanto no privado quanto aos benefícios do etanol sobre o meio ambiente e a balança de pagamentos - a Índia é um grande importador de petróleo - e como meio de reduzir o custo de manutenção dos altos estoques de açúcar”, destaca Bagolin. A entrevista completa está no final do texto.
Brasil domina a tecnologia dos veículos flex-fuel desde o início dos anos 2000 - Foto: Reuters
Com relação às possíveis questões comerciais, como por exemplo, a exportação de etanol para o país asiático, Bagolin pontua que a internacionalização é, em um primeiro momento, o foco entre os países. “No curto prazo, para o Brasil, mais importante que exportar etanol é ter desenvolvido, na Índia, um grande mercado consumidor e produtor de etanol, que pode ajudar a estruturar um mercado internacional para o produto”, complementa.
Para Caldas, o posicionamento indiano tem, inclusive, potencial de reajuste do mercado global dos derivados da cana. “A decisão da Índia em iniciar um programa de adição de etanol (10%) no combustível fóssil deve ser comemorada, principalmente, pela redução das emissões de CO² com esta oxigenação. Além disso, essa medida desvia um volume expressivo na produção de açúcar para a de etanol como biocombustível, contribuindo para reduzir a oferta mundial do produto com reflexo na melhoria dos preços”, disse.
No início de junho, o governo indiano anunciou uma antecipação, de 2025 para 2023, da mistura do etanol E20 na gasolina para até 20% (no Brasil, a mistura está em 27%). A antecipação já havia ocorrido anteriormente, já que a meta inicial era apenas para 2030. Para dar suporte a esse novo volume de etanol, calculado em cerca de 10 bilhões de litros anuais até 2025, segundo a agência de notícias Bloomberg, o país planeja investimentos de quase US$ 7 bilhões, incluindo suporte para a instalação de unidades de destilação.
A Índia, atualmente, precisa suprir 85% da sua demanda por petróleo com compras de países estrangeiros, ficando refém das flutuações de preços do óleo no cenário internacional. Além das movimentações para antecipação das metas de redução da mistura do etanol na gasolina, mais recentemente, o governo também anunciou a autorização para que os automóveis produzidos possam utilizar a tecnologia flex-fuel, a mesma do Brasil, com opção de etanol puro ou gasolina.
O país já havia autorizado os postos de combustíveis no país a venderem etanol mesmo sem uma frota disponível, mais uma vez sinalizando as perspectivas para o futuro e o desejo de redução da dependência das importações de petróleo.
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Índia deve investir quase US$ 7 bi para viabilizar metas de aumento da mistura do etanol na gasolina - Foto: Reuters
Veja abaixo a entrevista completa com os representantes do Mapa:
O etanol aparece como um produto de oportunidade ao Brasil nos próximos anos na relação Brasil-Índia? Como isso poderia ser concretizado?
Dalci de Jesus Bagolin – O Brasil tem trabalhado ativamente com a Índia, compartilhando a experiência de mais de 40 anos de uso de etanol no país. Isto auxiliou a Índia a formar um amplo consenso tanto no setor público quanto no privado quanto aos benefícios do etanol sobre o meio ambiente e a balança de pagamentos - a Índia é um grande importador de petróleo - e como meio de reduzir o custo de manutenção dos altos estoques de açúcar.
A Índia vem apresentando grandes excedentes na produção de açúcar, o que tem afetado negativamente os preços internacionais do produto e, consequentemente, as exportações brasileiras. É pouco provável que a Índia venha a reduzir a produção de cana-de-açúcar, no curto prazo, por conta da importância econômica que tem para os pequenos produtores envolvidos na produção. Os impactos sociais, políticos e econômicos seriam enormes.
Cid Caldas – O Brasil e a Índia têm, na cultura da cana-de-açúcar, uma sinergia que será mais bem aproveitada a partir de estreitamento das nossas relações neste tema. E foi exatamente desse país asiático que Martim Affonso de Souza, em 1532, trouxe a cana para o Brasil, iniciando, primeiramente, seu plantio na Capitania de São Vicente, onde foi construído o primeiro engenho de açúcar.
Pelo uso intensivo de mão-de-obra, a produção canavieira, principalmente nos países em desenvolvimento, é vista pelos governos como um setor essencial na economia. No caso da Índia, a cultura movimenta mais de 500 mil pequenos agricultores.
Decorrido mais de 500 anos, a cultura da cana no Brasil modernizou-se e tornou-se uma das principais fontes de produção de energia, alimentar (com o açúcar), biocombustíveis (etanol) e energia elétrica (com uso do bagaço).
O Brasil e a Índia juntos produziram na última safra (2020/2021) mais de 1 bilhão de toneladas da matéria-prima, com uma fabricação de açúcar em mais de 70 milhões de toneladas. Esse volume corresponde a mais de 40 % de toda a produção mundial.
Em termos de exportação, o Brasil ocupa a primeira posição com mais de 35% de todo o comércio do produto. Dos mais de 650 milhões de toneladas de cana, o país destina apenas cerca de 45% para a produção do alimento (açúcar). O restante é destinado para a produção de etanol (combustível renovável e sustentável).
A decisão da Índia em iniciar um programa de adição de etanol (10%) no combustível fóssil deve ser comemorada, principalmente, pela redução das emissões de CO² com esta oxigenação. Além disso, essa medida desvia um volume expressivo na produção de açúcar para a de etanol como biocombustível, contribuindo para reduzir a oferta mundial do produto com reflexo na melhoria dos preços.
O tema da diversificação do uso da cana-de-açúcar sempre foi defendido pelo Brasil nos mais diversos fóruns de discussões dos produtores de açúcar e de cana, especialmente, quando o tema foi incluído na pauta da Organização Internacional do Açúcar, sediada em Londres. Vale destacar que a Índia sempre apoiou esta pauta na organização.
A antecipação da elevação da mistura do etanol na gasolina pelo país nos próximos anos abre espaço para transferência de tecnologia e até exportação ao país do Sul da Ásia?
Dalci de Jesus Bagolin – Sim. O Arranjo Produtivo Local do Álcool (Apla), projeto ligado a Apex-Brasil do setor de máquinas e equipamentos do setor do açúcar, tem atuado o sentido de exportar tecnologia, equipamentos e serviços, aproveitando o boom de construção de novas destilarias no país.
No curto prazo, para o Brasil, mais importante que exportar etanol é ter desenvolvido, na Índia, um grande mercado consumidor e produtor de etanol, que pode ajudar a estruturar um mercado internacional para o produto. A redução da concentração da produção e consumo em poucos países, como se observa hoje, poderá favorecer a adoção do produto por mais países.
Cid Caldas – A intenção de todos é que o etanol, além de reduzir os níveis de emissão de CO², possa se tornar uma commodity a ser negociada nos mercados internacionais.
Cabe ressaltar que o etanol não deve ser visto como um concorrente aos combustíveis fosseis, mas sim como mais uma opção para redução das emissões. Com o reconhecimento das externalidades positivas deste biocombustível (agregação de valor a cultura da cana-de-açúcar), redução das emissões, geração de emprego e renda e respeito aos processos produtivos mais eficientes, os países (produtores de cana-de-açúcar) poderão pleitear, nos fóruns internacionais, que possam ser emitidos certificados de descarbonização (a semelhança dos CBIOS) e, com isso, elevar a renda do produtor, além de contribuir com a agenda ambiental mundial.
Quanto à venda do produto final (etanol), o Brasil não pode olhar a iniciativa da Índia por este prisma, mas sim como um país que detém tecnologia e expertise no uso do etanol, não apenas para mistura com o combustível poluente, mas também como um combustível a ser utilizado diretamente nos veículos. Isso certamente será observado pela Índia.
Além do etanol, o Ministério da Agricultura vê oportunidades com a Índia em outros setores do agronegócio brasileiro? Quais?
Dalci de Jesus Bagolin – Atualmente, as importações de óleos comestíveis concentram mais da metade das compras indianas de alimentos. Mas o rápido crescimento, urbanização, aumento de renda e mudança de hábitos alimentares, aliado aos limites de expansão da agricultura indiana, que atualmente já ocupa 60% do território, permitem projetar o país como um importante importador de alimentos no futuro.
Além do óleo de soja e do açúcar, que são atualmente as duas commodities mais importantes da nossa pauta de exportação de produtos agrícolas, destacam-se as oportunidades em produtos com pulses e feijões, gergelim, frutas, castanhas, especiarias, café, carnes de frango e de porco, além de uma série de outros mercados de nicho, que podem se beneficiar do crescimento da classe média indiana.
Nesse sentido, vale a pena ressaltar que aproximadamente 65% da população da Índia tem até 35 anos e que, nos últimos cinco anos, os consumidores da classe média, especialmente os jovens, desenvolveram a consciência sobre os benefícios de uma alimentação saudável, levando ao aumento do consumo e da demanda por alimentos considerados saudáveis, gerando oportunidade de exportação para esse nicho de mercado.
Além de alimentos e outros produtos, que são matéria-prima para a indústria, o Brasil tem condições de ampliar a sua participação, como, por exemplo, em madeiras, algodão, couro, essências vegetais, entre outros. Cabe destacar que, neste ano, a Índia se tornou o maior destino para a maçã brasileira, e o gergelim, que teve o mercado aberto no ano passado, já tem a Índia como principal importador.
Como estreitar as diferenças culturais entre os dois países e fomentar uma relação de parceria ativa nos próximos anos?
Dalci de Jesus Bagolin – Além da distância geográfica entre Brasil e Índia, existe também uma grande distância cultural e comercial entre os países. O desenvolvimento de uma inteligência comercial por parte das empresas brasileiras de como atuar na Índia é algo que demanda tempo e presença frequente.
Em tempo de pandemia, é importante aproveitar as oportunidades de interação virtual como as rodadas de negócios. E, assim que possível, realizar missões à Índia, pois a participação de empresas brasileiras em feiras também será fundamental para aumentar a interação, estabelecer uma relação duradoura com as empresas indianas bem como conhecer e entender as particularidades daquele mercado. Neste ano, a Apex-Brasil estará participando da feira Anufood em Mumbai (setembro) e o Mapa da feira SIAL em Delhi (dezembro).
Temos, ainda, um Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI), assinado em janeiro de 2020, entre Brasil e Índia, que tem como objetivo fomentar a cooperação institucional e a facilitação dos fluxos mútuos de investimentos entre os dois países.
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