Sustentabilidade hídrica e mudança climática estimulam desenvolvimento de cana de açúcar tolerante à seca
Preocupações relativas à redução do consumo de água na agricultura e a ocorrência de períodos de estiagem longos e frequentes, que podem sinalizar eventual tendência a alterações climáticas, têm estimulado a realização de pesquisas para o desenvolvimento de variedades de cana de açúcar tolerantes à seca no Brasil.
As mudanças climáticas e seus impactos na geração de bioenergia e biocombustíveis serão um dos temas debatidos no Biofuture Summit II e Brazilian Bioenergy Science and Technology Conference 2021 (BBEST2021), eventos simultâneos que acontecem entre os dias 24 e 26 de maio. A conferência conjunta — organizada pelo governo brasileiro, através do Itamaraty, que conduz a presidência da coalizão Plataforma para o Biofuturo, e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), com apoio da APEX-Brasil — reúne virtualmente representantes de governos, órgãos internacionais, setor empresarial e pesquisadores de mais de 30 países entre 24 e 26 de maio. Estão previstas mais de 150 sessões digitais em seus três dias de trabalho.
Segurança energética
A Agência das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – FAO – informa que a agricultura é responsável por utilizar 70% de toda a água potável consumida no mundo. No Brasil, esse índice chega a 72%. Ainda que a maioria da cana plantada no país não receba irrigação direta, isso pode mudar se os períodos de estiagem se tornarem mais frequentes e longos, estimulando a adoção da chamada irrigação de salvamento, que contribui para aumentar o estresse hídrico e ambiental em várias regiões de lavoura.
“Não temos certeza ainda se haverá mudanças climáticas expressivas no Brasil nos próximos anos e quais serão essas mudanças. A lavoura da cana é muito importante economicamente para o país e estratégica do ponto de vista energético. Portanto, temos de estar preparados com variedades que sejam tolerantes à seca, preservando a produtividade, porque a intensificação dos períodos de estiagem é uma possibilidade real, ainda mais se o desmatamento na Amazônia seguir em níveis elevados”, alerta Marcelo Menossi, especialista em genética agrícola e coordenador do Laboratório de Genoma Funcional do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp.
O desenvolvimento de novas variedades geneticamente modificadas tolerantes à seca vem ganhando importância para garantir a produtividade de um setor estratégico para o Brasil, mas ainda não tem caminhado, segundo o pesquisador, na velocidade desejada. Isso porque a tolerância à seca envolve mecanismos complexos na planta, com o qual as pesquisas demandam tempo e competem por recursos com pesquisas que podem apresentar retornos mais rápido.
O pesquisador explica que, no caso específico da cana tolerante ao estresse hídrico, são necessários testes de plantio em condições de campo, que enfrentem diversos níveis de estiagem e que permitam a adequada comparação com outras variedades, o que torna as pesquisas mais lentas e complexas. Ainda assim, as perspectivas são promissoras. Os cientistas utilizam novas técnicas, como sistemas de inteligência artificial para acelerar a seleção de combinações genéticas mais adequadas, que buscam aliar resistência e produtividade. “Temos mais de uma dezena de genes testados em plantas geneticamente modificadas em condições de laboratório, alguns dos quais inclusive já licenciados para empresas para serem avaliados em campo”.
O pesquisador destaca que a Fapesp, Finep e a Embrapa são entidades que têm feito esforços relevantes na aproximação das empresas com os centros de pesquisas, mas, dada a relevância do setor de bioenergia, é altamente desejável que existam mais órgãos e ações capazes de promover e incentivar essa aproximação, que poderiam gerar mais recursos e investimentos em pesquisa e desenvolvimento no país. Para ele, o BBEST, promovido pela Fapesp, é um exemplo disso: “BBEST e Biofuture são eventos importantes porque incentivam essa aproximação. São lugares de troca de experiências e aproximação entre empresas, startups, governos e pesquisadores”, avalia.
Para Menossi, o incentivo à pesquisa de variedades de cana tolerantes à seca é um investimento estratégico, porque o aprendizado que se obtém a partir desse desenvolvimento poderá ser aplicado a outras culturas, que são importantes para a segurança alimentar no país. “Sustentabilidade hídrica da agricultura já é tema relevante hoje e as pesquisas na área são estratégicas. É uma tecnologia importante, que pode contribuir para melhorar a agricultura em regiões pouco produtivas e recuperar outras já degradadas devido à escassez hídrica”.
Quase lá
“Teremos novidades importantes ainda este ano sobre variedades de cana tolerantes à seca”, diz Paulo de Lucca, agrônomo e cientista líder da PangeiaBiotech, startup de engenharia genética criada a partir do programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas – PIPE, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp, e com apoio da incubadora de empresas da Unicamp. Segundo De Lucca, a Pangeia, com a parceria e apoio da Embrapa Agroenergia de Brasília, pretende plantar em campo, já no segundo semestre deste ano, a primeira variedade de cana mundial resistente à herbicidas, insetos e tolerante à seca. “É a primeira cana com essas três características integradas”, garante.
Pesquisas com bons resultados em laboratório nem sempre significam sucesso em campo, mas o cientista está otimista e diz ter razões para isso. “Utilizamos, nessas variedades, genes que são utilizados para aumentar a tolerância ao estresse hídrico em outras culturas com sucesso nos EUA. Transferimos para a cana aquilo que já deu certo em outras culturas. Então estamos muito otimistas com os resultados, principalmente por termos como parceira nessa empreitada a Embrapa e toda sua expertise”, explica De Lucca.
Produtividade
A tolerância ao estresse hídrico é importante, desde que a espécie também mantenha índices compatíveis de produtividade com as variedades tradicionais. “A produtividade é ponto decisivo. Já temos prontas e desenvolvidas, em laboratório, seis variedades para atender diversos tipos de solo e de clima. Essas variedades, em períodos hídricos normais, mantêm os mesmos índices de produtividade das variedades comercializadas no país, mas em situação de estresse hídrico, a produtividade é, em média, 30% superior a das variedades tradicionais”, aponta De Lucca.
De acordo com o cientista, o gene utilizado pertence a uma multinacional do setor agrícola dos EUA, que está financiando parte do desenvolvimento. “Para o primeiro semestre de 2025, teremos essa variedade de cana disponível para o agricultor brasileiro por valores de royalties que trarão enorme economia de insumos, sustentabilidade ambiental e aumento de renda ao setor”, prevê.
O desenvolvimento e certificação de novas variedades implica numa série de controles e prazos que devem ser obedecidos e, no caso específico de tolerância à seca, são necessárias as condições climáticas adequadas para a avaliação efetiva dos resultados. A comercialização, portanto, ainda deve levar, no mínimo, mais três anos para ter início. A PangeiaBiotech está em busca investidores do setor sucroalcooleiro para dar impulso a essas pesquisas.
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