Brasil já vê custo maior com trigo após pretensão da Rússia de subir taxa de exportação
Por Nayara Figueiredo
SÃO PAULO (Reuters) - Os moinhos brasileiros já lidam com preços mais elevados do trigo, tanto nas importações quanto no mercado interno, em meio à pretensão do governo russo de ampliar a taxa de embarques do cereal, medida que afetou as cotações globais e impulsionou os valores dos principais players no mundo, segundo analistas e representantes do setor ouvidos pela Reuters.
Nesta segunda-feira, o preço médio do trigo Cepea/Esalq no Paraná fechou em 1.418,22 reais por tonelada, conforme dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). Uma semana antes, quando surgiu o primeiro relato sobre a alta de tarifas na Rússia, o cereal estava cotado a 1.318,22 reais.
Os dados do Cepea ainda mostram que, neste intervalo, houve uma elevação de 16 dólares por tonelada no trigo do Paraná, quando as cotações são convertidas de reais para a moeda norte-americana.
Em paralelo, em uma semana, o preço para importação de trigo da Argentina, principal fornecedor da commodity ao Brasil, subiu ao menos 10 dólares por tonelada e tem chance de avançar mais, disse o consultor em gerenciamento e risco da StoneX Roberto Sandoli.
O valor do cereal argentino funciona como um balizador das cotações brasileiras e sua elevação, aliada ao câmbio firme, abre espaço para que os produtores nacionais também busquem remunerações melhores.
"Como a Rússia é a principal exportadora de trigo no mundo, ela está mexendo sim com o mercado global", disse Sandoli.
"Os outros países, para atender à demanda internacional que será deixada pelos russos, vão entrar no mercado exportando e isso eleva os preços dos fornecedores do Brasil como os americanos e a Argentina também", acrescentou.
O governo da Rússia tenta limitar a inflação dos alimentos no país, desencadeada pela crise da Covid-19, por meio da introdução de uma série de taxas sobre as exportações de grãos, incluindo a tarifa de 25 euros por tonelada imposta para o trigo para o período de 15 de fevereiro a 1º de março, que deve dobrar a partir do início de março.
Sandoli acredita que, se o aumento no imposto russo for mantido, não haverá espaço para queda de preços pelo menos durante todo o primeiro semestre de 2021.
O analista da consultoria Safras & Mercado Jonathan Staudt destacou que o trigo já vem apresentando um movimento de alta no Brasil desde o fim do ano passado, mesmo após a entrada da produção nacional, devido a uma quebra de safra no país que ampliou a dependência do produto importado.
Agora, a taxação russa tende a agravar o cenário de preços no Brasil. "Os custos de aquisição do trigo, com destaque para a Argentina, podem subir... e (as tarifas na Rússia) obrigam a indústria brasileira a buscar alternativas, como nos Estados Unidos e Canadá", afirmou.
Segundo Staudt, o cereal argentino que custava 245 dólares por toneladas em novembro, subiu para 247 dólares em dezembro e agora é encontrado entre 283 e 291 dólares por tonelada FOB porto.
O trigo duro (hard) dos Estados Unidos, disse o especialista, passou de 282 dólares em novembro para os atuais 317 dólares por tonelada FOB porto.
RUSSOS NO BRASIL
O presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), embaixador Rubens Barbosa, disse que se a Rússia colocar um imposto adicional na exportação de trigo, isso inviabilizará as vendas do país ao Brasil "porque os preços não serão competitivos", afirmou.
Ele também afirmou que esta reação do mercado ao movimento é parte de um ajuste normal, mas acrescentou não há possibilidade de falta de trigo aos moinhos brasileiros.
"Na verdade, é exatamente o oposto. Há excesso de oferta no mundo", disse Barbosa.
Dados do governo federal mostram que as compras brasileiras de trigo russo saltaram 159% em volume no ano passado, para 237.590 toneladas. No entanto, o país ainda fica atrás da Argentina, Estados Unidos, Uruguai e Paraguai.
ESTRATÉGIA
A M. Dias Branco, líder nos mercados de massas e biscoitos do Brasil, que poderia ser uma das principais companhias afetadas pela inviabilidade de importações do trigo russo, disse que procura manter estoques do cereal equivalentes a 4 meses de produção para conseguir aproveitar os melhores períodos de aquisição.
"O volume de importações da companhia em cada país depende não apenas de questões tarifárias, mas também do mix de produtos planejado em nossas plantas", disse à Reuters o diretor de Relações com Investidores e Novos Negócios da M. Dias, Fábio Cefaly.
A companhia tradicionalmente faz um mix de fornecedores para a importação de trigo entre as principais regiões produtoras, além do Brasil: Estados Unidos, Canadá, Rússia e Mercosul.
Cefaly também afirmou que devido à decisão do governo brasileiro no ano passado de isentar de tarifa o trigo importado fora do Mercosul, até determinado volume, os moinhos brasileiros estão conseguindo buscar preços mais competitivos em outros países, inclusive na Rússia.
"Temos, historicamente, conseguido importar esta e outras commodities por um custo inferior à média do mercado. A companhia mantém também contratos de operações de swap para proteção dos financiamentos de importação de trigo", completou.
(Reportagem adicional de Ana Mano)
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