Aplicativo facilita gestão de casas de sementes e intercâmbio entre elas
A partir de novembro, agricultores que gerenciam casas de sementes ganharão uma ferramenta que facilitará rotina e administração desses espaços. O BioSemeie, aplicativo gratuito para celulares com sistema operacional Android, será lançado pela Embrapa no dia 19 de novembro, durante o Semiárido Show, em Petrolina (PE), e terá como principais funções o controle de estoque e o intercâmbio de sementes e conhecimentos, integrando seus futuros usuários, que poderão fazer o download a partir do Google Play.
O BioSemeie foi desenvolvido pelo médico veterinário Raimundo Lôbo, pesquisador da Embrapa Caprinos e Ovinos (CE), que possui experiência em desenvolvimento de sistemas de tecnologia da informação para pesquisa agropecuária. Segundo ele, o desafio de criar uma ferramenta em uma área de atuação diferente (ele é pesquisador de Melhoramento Genético Animal) foi motivado pela preocupação com a gestão de casas de sementes, e com os riscos de perda da biodiversidade e do conhecimento tradicional de agricultores a respeito das sementes crioulas.
“A partir dessa preocupação, pensei: por que não desenvolver um aplicativo que tanto fizesse controle do estoque de sementes, como também registrasse as características do conhecimento que o agricultor tem sobre elas?”, recorda Lôbo. A ferramenta permitirá que os administradores cadastrem informações sobre suas sementes, facilitando, inclusive, que outros agricultores possam buscar sementes de acordo com características que desejarem, permitindo um intercâmbio.
Durante o período de desenvolvimento, o aplicativo foi testado por alguns parceiros, que destacaram o potencial para organização das casas de sementes, cujo controle de estoque se faz, na maior parte das vezes, de forma manual (com uso de formulários impressos no caso de algumas).
Os registros de entrada e saída de sementes muitas vezes são processos muito informais, conforme ressalta Lourdes Camilo, gestora pública da Cáritas Diocesana de Tianguá (CE). “A maioria não conta com um processo informatizado. O aplicativo tem potencial enorme, porque traz dados como a localização das casas, a quantidade de sócios e pode fortalecer a organização, com acesso rápido à informação sobre quantidade e variedade de sementes”, avalia ela.
Aplicativo fácil de operar
A partir do download, o usuário pode se cadastrar escolhendo um dos perfis: o de administrador de casas de sementes ou de usuário geral. Este último terá acesso ao catálogo das sementes cadastradas, poderá conhecer as características descritas e fazer suas buscas. Já os administradores das casas, além dessas funcionalidades, também terão, com o registro de suas credenciais, acesso completo ao sistema do aplicativo, para inserir as informações sobre as sementes que tem à disposição e suas características, como espécies e cores. O próprio aplicativo disponibilizará um passo a passo para que cada usuário saiba como proceder com seu cadastro.
Segundo Lôbo, uma das vantagens da ferramenta é permitir que os administradores das casas de sementes possam alimentar informações sobre seu material de estoque mesmo sem conexão com a internet – uma demanda sugerida pelos próprios agricultores consultados, uma vez que no campo nem sempre há redes. Ele recomenda, porém, que esses usuários se conectem, sempre que possível, para fazer as sincronizações de suas informações com o banco de dados do aplicativo. “Se ele não faz a sincronização, toda a informação fica só no aparelho dele. Se não compartilha, ele não colabora com os demais administradores de casas de sementes, nem com o objetivo maior, que é a manutenção da biodiversidade”, alerta o pesquisador.
Outra vantagem do BioSemeie será a flexibilidade das informações no banco de dados, retroalimentável a partir das descrições dos usuários, para favorecer a disseminação do conhecimento tradicional dos agricultores. Assim, o usuário poderá caracterizar sementes segundo suas características agronômicas (cores, ciclos, resistência à seca, entre outras), mas também inserir outras características que julgue importantes.
“Você pode cadastrar a cor de uma semente que é marrom, mas o agricultor pode chamar essa cor de outra forma. Então, ficarão o cadastro da cor agronômica em si e também da forma como o agricultor se expressa, ele terá permissão para isso”, explica Lôbo. Com isso, espera-se também facilitar as buscas por sementes com características desejáveis no BioSemeie, que informará ainda onde esse material estará disponível.
Biodiversidade de sementes
Além de facilitar gestão e intercâmbio, o BioSemeie pretende ser uma ferramenta para favorecer o uso de sementes, em especial as chamadas variedades crioulas, de tradicional utilização por comunidades de agricultores e que podem ser alternativas quando não há disponibilidade de sementes comerciais. No Semiárido brasileiro, é hábito de famílias rurais produzirem e guardarem suas próprias sementes, que mostram, inclusive, bons resultados em termos de tolerância a adversidades ambientais ou à baixa fertilidade dos solos. A troca de conhecimentos, por meio do aplicativo, pode ser útil também para pesquisadores da área de Melhoramento Genético Vegetal, que poderão identificar e testar esses materiais.
De acordo com o engenheiro-agrônomo Marcelo Renato Araújo, analista da Embrapa Caprinos e Ovinos, algumas sementes crioulas vêm sendo selecionadas há muitas décadas por agricultores no Semiárido e sobrevivido a transformações, sem alterar qualidade. “É um processo de seleção contínua: feita de forma consciente pelo uso do agricultor e pela própria seleção natural, pela qual só sobrevive quem é adaptado”, explica.
Para Araújo, é fundamental observar que as sementes encontradas nas casas costumam ser renovadas pelos próprios usuários, permitindo que o material esteja em constante evolução. “São sementes que estão interagindo com o ambiente e os sistemas de cultivo, o que é mais importante”, frisa ele, ressaltando que, por isso, o BioSemeie poderá ser uma rica fonte de conhecimento para os melhoristas vegetais. “Essas sementes podem servir para futuros programas, com cruzamentos entre elas ou com outras variedades comerciais”, acredita o analista da Embrapa.
Maior facilidade na busca pelas sementes crioulas poderá também resultar em ganhos para a autonomia dos produtores rurais, na avaliação de Lourdes Camilo, da Cáritas de Tianguá. “Eles podem ter as sementes no tempo certo para o plantio, reduzindo a dependência de programas governamentais. Assim que chegar o período, a semente já estará no ponto para preparar o roçado”, prevê.
Conhecimento tradicional auxiliando o científico
Tradicionalmente difundidas e usadas pelos próprios agricultores, que acumulam décadas de conhecimentos sobre elas, as sementes crioulas têm sido objeto de pesquisas para validar, de forma científica, o que o saber tradicional recomenda. Uma dessas pesquisas envolveu a equipe da Embrapa Caprinos e Ovinos e alguns dos parceiros que testaram o BioSemeie: a avaliação de sementes crioulas de milho e feijão-caupi usadas por agricultores em Sobral (CE).
De acordo com Araújo, foram verificadas em análise preliminar características como a resistência à seca e foi identificado um gene que, além de conferir essa resistência, promove produção de grãos e palha em uma das variedades crioulas. Para o analista da Embrapa, resultados como esse demonstram que o conhecimento tradicional não deve ser somente preservado, mas também catalogado e o aplicativo poderá ser ferramenta útil nesse processo.
“Ficamos encantados com os conhecimentos que os agricultores têm. Eles podem não ter um conhecimento científico, mas sabem qual a melhor semente para comer, para comercializar, para resistir à estiagem. É uma tradição que temos que contribuir para que continue, de forma organizada”, defende Lourdes Camilo.
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