Em Moçambique, 770 mil pessoas cercadas pela água e à beira de morrer de fome
Brasil vai repassar 100 mil euros para ajudar Beira, em Moçambique, destruida por ciclone
O governo do Brasil, via Ministério das Relações Exteriores, confirmou hoje (25) o repasse de 100 mil euros (cerca de R$ 436 mil) para apoiar o governo de Moçambique nos trabalhos de resgate e reconstrução emergenciais. A doação será feita por meio de fundo solidário a ser criado no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e será somada ao apoio anterior oferecido pelo governo brasileiro.
Dez dias após a passagem do ciclone Idai por Moçambique, Malauí e Zimbábue, os números de vítimas aumentam. Pelos últimos dados, morreram 446 pessoas em Moçambique, 259 no Zimbábue e 56 no Malauí. Para as agências humanitárias, o desastre em Moçambique tem semelhanças com as tragédias humanitárias do Iêmen e da Síria.
Em Beira, os sobreviventes buscam alimentos e roupas, enquanto a Cruz Vermelha tenta reunir os membros de famílias separadas.
O ciclone Idai atingiu a cidade portuária de Beira, em Moçambique, com ventos de até 170 km/h na madrugada de 14 de março. Depois, seguiu para o Zimbábue e o Maláui. Após a passagem do ciclone, houve vários dias de tempestade. Ao menos 657 pessoas morreram nos três países, segundo a agência de notícias Reuters.
O número de pessoas em abrigos improvisados aumentou de 18 mil no domingo para 128 mil na segunda-feira, a maioria delas na região de Beira.
Autoridades e agências de ajuda temem mais mortes em decorrência do risco de cólera e outras doenças transmitidas pela água contaminada que está em várias áreas do país. A inundação criou um lago de 125 quilômetros de largura, devastando uma área antes ocupada por centenas de milhares de pessoas.
Nos últimos dias, foram feitos esforços para reabrir a principal estrada de acesso à Beira, área mais afetada pelo desastre. A pista foi reaberta ontem (24).
A ONU pediu nesta segunda-feira (25) US$ 282 milhões (cerca de R$ 1 bilhão) em doações para financiar durante os próximos três meses a ajuda a Moçambique após a passagem do ciclone Idai.
Segundo o chefe humanitário das Nações Unidas, Mark Lowcock, as prioridades atualmente são garantir água potável, saneamento e higiene e melhorar a segurança alimentar em médio prazo.
Durante uma entrevista coletiva, Lowcock assegurou que vários governos já estão respondendo com dinheiro, mas reconheceu que, por enquanto, os fundos necessários são muitos maiores que os obtidos.
O governo do Canadá informou que fornecerá, inicialmente, US$ 3,5 milhões em assistência de emergência e doar suprimentos de emergência, incluindo lonas, kits de abrigo, mosquiteiros e cobertores. Outras contribuições vieram do Japão, Bélgica e Marrocos.
Os cálculos indicam que o ciclone afetou de forma direta quase 770.000 pessoas, muitas das quais esperam alimentos, remédios, água potável, sistemas de saneamento e materiais para poder construir refúgios.
Segundo dados do governo de Moçambique, mais de 3.100 escolas, frequentadas por cerca de 90.000 estudantes, ficaram destroçadas, mais de 33.500 casas estão completa ou parcialmente destruídas, e foram perdidos 500.000 hectares de cultivos que estavam prestes a serem colhidos.
No vizinho Zimbábue, aonde o ciclone chegou em 15 de março, helicópteros privados e das forças áreas distribuem sem pausa comida às comunidades de Chimanimani e Chipinge, os dois distritos do leste do país mais afetados.
As missões de avaliação estimam que 37% da população de Chipinge e 77% da de Chimanimani necessitam de comida com urgência.
Ciclone era desastre que faltava para quebrar Moçambique pela metade
Apatia de comunidades internacionais é especialmente grave, diz a Folha de S. Paulo
A tragédia do ciclone Idai, que pode ter deixado mais de mil mortos e um milhão de crianças desabrigadas, dá a impressão que Moçambiqueatravessa algum tipo de inferno astral.
No começo da década, o país era apresentado como um dos futuros grandes do continente africano. Entusiasmado pela descoberta de imensas reservas de gás nas regiões do extremo norte, o mercado trabalhava com projeções de crescimento econômico milagrosas a partir de 2022.
Pouco tempo depois, ele passou a ser descrito como um paradigma da maldição dos recursos naturais.
Aliciado pela perspectiva de enriquecimento a curto prazo, o governo de Armando Guebuza (2005-2015) contraiu mais de US$ 2 bilhões de dívidas com três empresas fraudulentas entre 2013 e 2014, numa tentativa de desviar fundos públicos para os seus aliados políticos.
Depois do escândalo, o governo da Frelimo, no poder desde 1974, passou de “aluno modelo” da comunidade internacional a Estado-pária abandonado por doadores e assediado por credores.
O caos político-financeira comprometeu o avanço das negociações do governo com a Renamo, que rompeu o acordo geral de paz assinado em 1990 para voltar às armas em 2014.
Talvez mais importante ainda, o extremo norte do país, onde estão concentradas as reservas de gás natural, viu-se confrontado a um movimento de insurreição de grande escala a partir de 2017.
Envolta em mistério, a insurreição é frequentemente associada ao terrorismo islâmico. Radicais vindos dos países do Chifre da África parecem estar tentando abrir uma frente numa das regiões mais promissoras da geopolítica dos recursos naturais.
O marco simbólico de 300 vítimas de ataques foi atingido no começo deste ano, e o governo, enrolado em várias crises ao mesmo tempo, parece totalmente incapaz de lidar com a situação.
Esse cenário de desorganização completa do Estado aumenta significativamente o potencial de danos do Idai.
O ciclone destruiu a já precária infraestrutura da região central, rompendo definitivamente a ligação entre o sul, onde se situa o polo político e comercial da capital Maputo, e o norte essencialmente rural, rico em recursos naturais e assolado pela violência.
O Idai era o desastre que faltava para quebrar o país pela metade.
Nesse contexto, a apatia da comunidade internacionais é especialmente grave. Cabe lembrar que as potências ocidentais suspenderam as doações para o orçamento do Estado moçambicano em protesto contra o escândalo das dívidas ocultas em 2016.
A decorrente queda no investimento público em infraestrutura e prevenção ambiental contribuiu para o efeito devastador do ciclone.
As contribuições oferecidas pela União Europeia e os Estados Unidos nos últimos dias em nada compensam os danos causados pela punição infligida à população moçambicana por um buraco fiscal causado por uma aliança entre uma pequena elite predatória e bancos internacionais.
Quanto ao Brasil, a reação protocolar do Itamaraty —uma doação de 100 mil euros no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e outros apoios não especificados— é compreensível e até salutar.
Nos dias que correm, não passar vergonha já é uma vitória diplomática. (por Mathias Alencastro).
Leia também: Ciclone Idai foi "alarme" sobre mudança climática, diz secretário-geral da ONU
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Ronaldo Rego Petrópolis - RJ
Dominada por diferentes facções guerrilheiras, comunistas ou islamistas, Moçambique se debate na insolvência e na miséria. Os portugueses foram expulsos (era uma elite que sabia administrar o país), os comunistas que tomaram a direção nada entendiam. A fuga em massa dos portugueses deixou um vácuo que até hoje não pode ser preenchido. Nas últimas décadas, os governos comunistas do Brasil prestaram muita ajuda, fornecendo técnicos e grandes empréstimos que em nada resultaram, e que nos deixou com um prejuízo enorme... Para piorar, agora esse ciclone que arrasou o pouco que o país possuía. Um pesadelo.