No país do direito achado no arbítrio, professora espancada vira um símbolo do vale-tudo e do ódio

Publicado em 25/08/2017 07:56
por REINALDO AZEVEDO

Flechas de bambu cruzam os céus do país. É Rodrigo Janot recitando seus últimos cantos de morte da reputação alheia. No mês que vem, ele cai fora da Procuradoria-Geral da República e não vai se aposentar, não! Buscará a proteção do foro especial –que ele e seus amigos buliçosos de Curitiba, para incitar a fúria ignara, chamam de "privilegiado". Vai se aboletar como subprocurador em alguma repartição que demanda esse tipo de serviço.

Tem até abril do ano que vem para se filiar a algum partido caso queira concorrer a um cargo eletivo. Conservará, então, memória do que fez em verões passados e buscará se preservar do "direito criativo" que ajudou a consagrar. Está por pouco. Até a despedida, pretende denunciar tudo o que não tem como provar. Afinal, podem-lhe faltar as evidências, mas jamais lhe falecerá a convicção.

Desde terça-feira, quando se anunciou que o "operador" –essa ocupação é um mimo que acabou ganhando lugar na imprensa– Lúcio Funaro havia fechado um acordo de delação premiada, comecei a contar as horas para algum vazamento barulhento.

Janot abriu, como é notório, uma concorrência pública entre o "corretor de valores" (outro eufemismo influente para Funaro) e o ex-deputado Eduardo Cunha. O ainda titular da PGR tem em mãos algo bastante cobiçado por bandidos: a impunidade ou quase. Numa disputa assim, é grande a chance de que fique com as batatas o que tem menos pudor, não o que tem mais a contar.

Para o criminoso ter direito a tal benefício, estava posto, era preciso saber quem atingiria de forma mais contundente o presidente Michel Temer e toda a cúpula do PMDB. O dito combate à impunidade no país está se fazendo da incapacidade de investigar e de produzir provas e da licença para arrancar delações de presos reais e potenciais.

A conta segundo a qual a maioria das "colaborações" se deu com os acusados em liberdade é para convencer energúmenos. O medo da cadeia pode ser ainda mais convincente do que a própria. Num modelo sem regras –e há muito o artigo 312 do Código de Processo Penal é letra morta, como sabem os especialistas em direito–, a ameaça é sempre um forte argumento.

Funaro venceu a parada. Atendeu à expectativa. Na inesquecível entrevista à Folha do dia 7 de agosto, Janot cantou a bola com a desfaçatez de quem dispõe do arbítrio, não da lei.

Os jornalistas quiseram saber "o que uma figura como Cunha teria de entregar para conseguir fazer um acordo". Ele não hesitou e até se socorreu da mímica para que o desenho ficasse mais evidente: "O cara está neste nível aqui [faz um sinal com uma mão parada no ar], ele tem que entregar gente do andar para cima [mostra um nível acima com a outra mão]. Não adianta ele virar para baixo, não me interessa."

Cunha presidia a Câmara quando caiu em desgraça. No andar acima, está o presidente da República.

O país e a política derivados do direito achado no arbítrio estão nas ruas e nas redes sociais. Seu emblema poderia ser a professora esquerdista que diz ser "uma revolução" jogar ovo num adversário ideológico.

Espancada por um aluno em ocorrência que nada tem a ver com a política, tal professora é alvo da fúria dos partidários daquele político. Eles fingem, sim, lamentar a violência, mas deixam claro que a professora sabe muito bem por que está apanhando e é, de fato, a verdadeira responsável pela surra que levou.

É nesse ambiente que a condenação de Lula chega ao TRF-4. E aí, leitor? Você escolhe a absolvição que traz a possibilidade de o petista se eleger presidente ou a confirmação do veredito de um juiz que admitiu não ter levado em conta o conteúdo da denúncia ao condenar?

É um jogo de perde-perde. Melhor pensar com calma, mirando a foto da professora espancada que acha "uma revolução" jogar ovos em adversários.

Governistas contra privatizações, POR VINICIUS TORRES FREIRE

A FESTA para comemorar as privatizações de Michel Temer continua na Bolsa de São Paulo. No entanto, na coalizão do governo começam operações de sabotagem ou crítica técnica às vendas que são o filé do programa, a Eletrobras e os maiores aeroportos do país.

As estatais elétricas são dos últimos fazendões de cargos, pelo que tais empresas constam muitas vezes e outras na literatura dos casos de corrupção.

Furnas, por exemplo, é um caso no ar pelo menos desde o governo FHC, sob suspeita de ser vampirizada de modo ecumênico, por partidos variados, tal como a Petrobras.

Governadores, parlamentares e interessados vários discutem ainda de modo informal como complicar a venda de Furnas e da Chesf, o grosso da Eletrobras.

A oposição se organiza principalmente em Minas Gerais, em Pernambuco, na Bahia e no Rio de Janeiro, embora a privatização vá "incomodar o pessoal do Nordeste inteiro", diz um parlamentar.

A birra é multipartidária, vai do PT ao PMDB, passando por PSDB, DEM e PSB. Há quem sugira desde já o lançamento de uma "frente de defesa" dessas estatais. Os mais comedidos acham que é melhor esperar e agir nas internas, pois o tempo estaria a favor de quem se opõe à privatização.

Além do mais, nem se sabe muito bem como o governo pretende vender a Eletrobras, assunto que fica mais esquisito a cada entrevista enrolada das autoridades envolvidas, que de resto ainda vão passar vexame com essa história de que a privatização vai reduzir o preço da luz, no curto ou no médio prazo.

O governo, por ora, diz vagamente que quer apenas aumentar o capital da estatal elétrica, pulverizando a venda de ações de modo a se tornar minoritário, mas ainda detentor do maior bloco de ações.

Quem vai mandar de fato na empresa (governo e políticos até hoje dão palpite na Vale)? Se não o governo, um outro minoritário maior, como o banqueiro Juca Abdalla, próximo de Michel Temer? Ou vai haver vários minoritários relevantes, a se engalfinharem em disputas societárias que levam a empresa para o buraco (caso de pelo menos duas teles privatizadas)?

Como se não bastasse essa dúvida séria e imensos problemas regulatórios, há a oposição política.

Para adversários governistas da privatização, o governo tem pelo menos dois problemas grandes para tocar o negócio.

Primeiro, será necessário modificar leis a fim de permitir que o governo se torne minoritário na Eletrobras —até o início de setembro, o governo baixa uma medida provisória sobre o assunto.

"Então, a negociação começa por aí. Precisa definir modelo [de venda] antes de querer passar uma lei. Para passar a lei, vai ter conversa. Isso demora. Aí, já vamos para a eleição", explica o político pernambucano, que pede anonimato.

Segundo, diz o representante desse grupo de políticos, o governo está "desesperado em várias frentes. Se quiser tudo, não vai levar quase nada. Já vai levar pouco", diz o parlamentar referindo-se a projetos governistas no Congresso. O governo poderia ainda levar um "pedacinho" de reforma da Previdência e, mais urgente, tem o reajuste fiscal de emergência para aprovar, as medidas do pacote de agosto.

"Se não conversar sobre Chesf e Furnas, pode chegar a dezembro no desespero", diz o parlamentar.

Menos partidos, EDITORIAL DA FOLHA

Dadas as muitas dificuldades e discussões que cercam qualquer mudança mais ampla no sistema eleitoral, constitui boa notícia que duas iniciativas meritórias, ao menos, tenham obtido apoio na comissão especial que trata do tema na Câmara dos Deputados.

fim das coligações para a disputa de cargos proporcionais e a paulatina adoção da cláusula de barreira parecem, em meio às polêmicas da reforma política, contar com o respaldo de alguns dos partidos mais representativos da Casa —o que não é de estranhar.

Afinal, as duas inovações visam reduzir o peso das pequenas legendas no cenário político. Se isso é conveniente ao interesse dos partidos maiores, não deixa de atender também a uma necessidade clara no que concerne à saúde e à legibilidade do sistema.

Por meio das coligações, um único candidato vitorioso a deputado ou vereador transfere seus votos excedentes a outros postulantes, dos quais nem sequer se exige que compactuem das mesmas propostas e visões.

Há lógica nesse procedimento, quando se trata de eleição para um cargo executivo, pois raramente um prefeito, governador ou presidente prescinde de apoio multipartidário no Parlamento.

Mas nenhum vereador ou deputado, obviamente, precisa do apoio de colegas de outro partido para exercer sua função –e é como se a coligação, nesses casos, funcionasse com tal objetivo, às expensas da vontade do eleitor.

Alimenta-se, na verdade, a existência de bancadas sem representatividade nos Legislativos. Tal anomalia, por sua vez, perpetua um sistema em que legendas de aluguel emprestam (ou alugam) seu tempo de TV e apoios ocasionais a candidatos majoritários.

Nesse sentido, torna-se importante, ademais, a exigência de uma bancada mínima de deputados federais ou de uma pequena porcentagem dos votos totais para que um partido tenha acesso ao horário televisivo e às verbas orçamentárias destinadas às legendas.

Ainda que alguns partidos ideológicos tenham, por sua própria natureza, pequena dimensão, não se ignora que agremiações sem conteúdo programático se beneficiam das regras atuais para funcionar como linhas auxiliares em manobras escusas de marketing eleitoral, ou mesmo simples fontes de recursos para seus líderes.

A chamada cláusula de barreira corrigiria essa distorção.

Não é o bastante, diante dos problemas estruturais do sistema político brasileiro —mas as duas modificações, a serem votadas pelo plenário da Câmara na semana que vem, já representam um raro passo na direção correta.

A chance contra a Hidra de Lerna, POR DIMAS RAMALHO

A queda de um governo alimentou esperanças de alguns, mas logo ficou evidente que os males do Brasil não haviam sido extirpados.

Pouco depois, o grande vilão do Congresso acabou preso, e outros suspeitos avançaram sobre seu espólio. Já o executivo escalado em 2015 para moralizar a Petrobras após rapinagem faraônica revelada pela Lava Jato está detido sob acusação de ter exigido sua parte em conluio com corruptores.

A sequência interminável de escândalos transformou o desarranjo em nossa nova condição normal de temperatura e pressão. Um ceticismo coletivo plenamente justificado espalhou-se pela sociedade, que vê as serpentes se multiplicarem a cada cabeça cortada, emulando o mitológico monstro da Hidra de Lerna.

É saudável mantermos uma postura crítica permanente, para evoluirmos como nação. Mas também nos cabe fugir da descrença e da resignação, algo difícil ante a sensação de vácuo de liderança nas esferas de poder.

Denúncias, grampos e prisões parecem, no primeiro impacto, uma trama de horror a que somos obrigados a acompanhar pela imprensa. Tudo isso, porém, alerta para algo bem mais estrutural do que o futuro individual dos envolvidos.

Apesar da decomposição pública de personagens políticos relevantes, eleições gerais ocorrerão em 2018, para o bem de nosso mais longevo período democrático.

Desse fato inevitável e inadiável surgem angústias: que cenário teremos montado daqui a um ano? Quais são os caminhos possíveis? A que regras o processo estará submetido? São questões cada vez mais urgentes e de respostas menos óbvias.

O pleito que se vislumbra é uma oportunidade perfeita para iniciarmos uma reestruturação fundamentada no voto, sem sobressaltos à ordem constitucional. Cada cidadão terá a chance de alinhar valores com seus representantes ou tornar-se ele próprio um representante. O que não pode persistir é a inércia no universo político-partidário e o silêncio ensurdecedor das ruas.

Obviamente, existem saídas. Elas, no entanto, precisam ser desenhadas e construídas. Na política, por definição, não há espaço para aventuras individuais. Trata-se de uma atividade coletiva e colaborativa por essência.
E o momento talvez seja uma janela inédita para que movimentos sociais, associações e os mais diversos grupos de interesses legítimos consigam participar ativamente.

A energia desses blocos de base será necessária para legitimar a inadiável reestruturação dos partidos.

O diálogo dos novos atores com o establishment sobrevivente, no entanto, tem de ser despido de preconceitos ou melindres. Mesmo contando com a confiança firme de apenas 2% dos brasileiros -como apontou o Datafolha em junho-, os partidos são os únicos canais de representatividade que permitirão acesso à sala de controle do país.

A maior demanda atual é por propostas e, principalmente, líderes. Serão eles (e não alienígenas) os articuladores das forças necessárias para colocarmos de pé um Brasil renovado.

Para isso, precisamos de quadros que saibam fazer a boa política e que tenham disposição de representar novos valores sem demonizar instituições básicas da República.

Suas bandeiras, porém, têm de ir além do combate à corrupção, pressuposto básico que não pode ser considerado um fim em si mesmo. O Brasil já possui maturidade suficiente para desenhar, sem puritanismo ingênuo ou cínico, o projeto de nação que buscamos.

PARTICIPAÇÃO

DIMAS RAMALHO é é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, do qual também foi presidente em 2016. Foi deputado federal (PPS) e estadual (PMDB)

 

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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1 comentário

  • Rodrigo Polo Pires Balneário Camboriú - SC

    Reinaldo Azevedo está a procura de bolcheviques tupiniquins, ele convenientemente omite que a tal professora é de extrema esquerda e uma apologista do ódio, principalmente contra o candidato dos produtores rurais Jair Bolsonaro. Contra a direita vale tudo, discurso do ódio, incitação à violência,... com o beneplácito dos jornalistas caçadores de bolcheviques na terra Brasil, ele derrama lágrimas ao ouvir que a professora de Santa Catarina colheu o que plantou, plantou ódio e colheu uma porrada bem dada no meio da cara. Ainda esse vagabundo mentiroso, sem a menor evidência do que diz, afirma que o juiz Sérgio Moro disse que não julgou conforme o processo, e essa seria o argumento definitivo de que o juiz é um fascista disfarçado. O grande defensor das instituições diz também que o ambiente é capaz de influenciar o TR4 na confirmação da sentença do juiz. Sujeito mequetrefe, antecipadamente se previne pois sabe que a sentença do Moro é demolidora e não será facilmente derrubada. Para depois dizer, viram eu disse... foi por pressão dos fascistas. Vá lamber sabão Reinaldo Azevedo.

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