Indefeso, Lula menciona do papa a Beira-Mar (por JOSIAS DE SOUZA, UOL)

Publicado em 13/04/2017 11:33

A julgar pela entrevista que concedeu a uma emissora de rádio na manhã desta quinta-feira, nem o próprio Lula se apega mais ao mito Lula. O personagem falou como ex-Lula. “…Nós estamos vivendo uma situação em que todo mundo está com medo. Todo mundo está acovardado. E nós estamos sendo governados por uma operação lá de Curitiba”, disse a certa altura, sem se dar conta de que, no seu caso, a vida é governada pela Odebrecht.

Antes, Lula limitava-se a exaltar a própria honestidade. Agora, com seu nome jorrando dos lábios de delatores como água em chafariz, o ex-Lula se esforça para desmerecer a investigação: “Você pega o Fernandinho Beira-Mar, está preso, incomunicável, matou mais de 600 pessoas, chama ele pra fazer uma delação premiada. Ele vai acusar até a mãe dele. […] A delação premiada é uma coisa espontânea. Não é uma coisa sob tortura.” Para azar do personagem, as 78 delações foram filmadas.

As cenas foram expostas na televisão, no rádio, na internet, nos jornais, em toda parte. Exibem executivos metódicos. Munidos de anotações, falam pausadamente. Tortura-os apenas a vigilância dos seus advogados, regiamente remunerados para funcionar como babás jurídicas. Ouvindo-os, o país confirmou o que já sabia: o limite entre o que pode e o que não pode no Brasil depende apenas da capacidade do transgressor de enxergar o valor do gestor público.

Não podendo mais negar o inegável, o ex-mito se defende como quem joga porções de barro na parede, na expectativa de que cole. “Tem um cidadão que diz que Odebrecht dava R$ 5 mil pro meu irmão Frei Chico. (…) Eu nunca dei um real pro meu irmão porque ele nunca precisou e nunca pediu pra mim. Se a Odebrecht resolveu das R$ 5 mil, problema da Odebrecht. Por que vem colocar o meu nome nisso?” É mesmo infinita a generosidade do empresariado nacional! Paga mesada até a quem nunca pediu.

“Meu filho estava envolvido no futebol americano, tinha patrocínio. Ora, qual é o crime?”, indagou o entrevistado, sem fazer menção ao apelo que dirigiu a Emílio Odebrecht para que ajudasse o seu caçula a empreender. Nada que o patriarca da empreiteira não pudesse entender, sobretudo porque pedia a ajuda de Lula num empreendimento bem mais lucrativo: azeitar as relações do filho Marcelo com a então presidente Dilma Rousseff. Ambos falavam de negócios de pai para filho, do tipo uma mão suja a outra.

“Fui incriminado por um apartamento que não é meu, (…) sou acusado de uma reforma de um sítio em Atibaia. O sítio não é meu. O sítio tem dono, tem cartório, tem tudo. Mas como eles contaram uma mentira, eles não têm agora como sair.” De fato, a mentira aprisiona as pessoas. Mas o ex-Lula terá a oportunidade de esclarecer por que não desautorizou Emílio quando foi comunicado, no Planalto, de que a reforma que sua mulher Marisa Letícia encomendara seria entregue no prazo.

Ex-Lula prosperou muito desde que deixou a Presidência. Mas suspeita que tem gente faturando em seu nome. “Quem tiver contando mentiras, quem tiver inventando historinhas, quem tiver dizendo que criou uma conta pra mim, para um terceiro… Já faz sete anos que eu deixei a Presidência. Essa conta está onde? Esse terceiro está onde? Esse cara deve estar comendo, então, o dinheiro que era pra mim, porra!”

Na planilha do departamento de propinas da Odebrecht, a conta destinada ao “Amigo” Lula tinha um saldo inaugural de R$ 40 milhões, disse o delator Marcelo Odebrecht ao juiz Sergio Moro. Os desembolsos eram ordenados pelo grão-petista Antonio Palocci, que indicou um auxiliar para buscar o dinheiro vivo, sempre que necessário. Palocci está trancafiado em Curitiba. Com a intuição já meio cansada, ex-Lula ainda não se deu conta de que o companheiro pode estar na fila da delação.

“Que a Operação Lava Jato funcione, que ela explore quem fez corrupção, que apure e que prenda as pessoas que roubaram, está tudo correto”, declarou Lula, antes de voltar a perder o nexo: “O que não está correto é você paralisar o país por conta de uma investigação. Não está correto. Daqui a pouco, está entrando o papa Francisco nesse negócio. Daqui a pouco acusa todo mundo, todo mundo, todo mundo… E sem provas, apenas porque alguém falou, que ouviu dizer, que não sei das contas.”

Excetuando-se o ex-Lula, ninguém ousou jogar o nome do Santo Padre na lama. Não há espaço para tão imaculada figura no submundo da política brasileira. Se as revelações da Odebrecht indicam alguma coisa é que Deus está em toda parte, mas o Tinhoso controla a cleptocracia implantada no Brasil. A situação penal do ex-Lula continua precária. Mas ele pelo menos já dispõe de companhia. ''Quando aparecem os outros partidos que acusaram o PT, pelo menos você tem um alívio. A mascara está caindo. Mas não fico feliz. Queria que não tivesse o PT nem ninguém.''.

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Feito para tranquilizar, vídeo de Temer apavora (JOSIAS DE SOUZA)

Sob aconselhamento de especialistas, Michel Temer decidiu quebrar o silêncio para responder ao barulho que invade o seu gabinete desde que as vozes dos delatores da Odebrecht passaram a soar diuturnamente em rede nacional de rádio, tevê e internet. Com um texto cirúrgico, acomodado num vídeo de pouco mais de um minuto, o presidente pretendeu se defender. Mas não se revelou um bom advogado de si mesmo. O pouco que Temer disse foi insuficiente para esclarecer as dúvidas que o cercam. O muito que Temer deixou de dizer foi esclarecedor sobre sua incapacidade de se dissociar da suspeição que rodeia sua presidência.

''Eu não tenho medo dos fatos, nunca tive. O que me causa repulsa é a mentira”, disse o presisente. “É fato que participei de uma reunião em 2010 com o representante de uma das maiores empresas do país. A mentira é que nessa reunião eu teria ouvido referência a valores financeiros ou a negócios escusos da empresa com políticos.”

Pois bem. A reunião da qual Temer admite ter participado ocorreu numa casa onde funcionava o seu escritório de campanha, em São Paulo. O interlocutor era Márcio Faria. Na época, era executivo da Odebrecht. Hoje, ganha a vida suando o dedo a serviço da Lava Jato (assista no vídeo acomodado no rodapé do texto). Entre os participantes da conversa estava Eduardo Cunha, momentaneamente hospedado numa cela do Moro’s Inn, temida hospedaria de Curitiba.

O pedaço do enredo que Temer diz ser mentiroso envolve propina de US$ 40 milhões que o PMDB beliscou num contrato da diretoria Internacional da Petrobras. Temer assegura que ninguém falou em dinheiro durante o encontro. Até aí, sua verdade coincide com a do delator. Na versão do dedo-duro, a cifra fora acertada previamente. A reunião com Temer serviria apenas para que ele abençoasse a transação diante da testemunha mais qualificada do PMDB.

Tampouco foram mencionados no encontro “negócios escusos da empresa com políticos”, sustenta Temer. Beleza. Mas o presidente faria um bem enorme a si mesmo se respondesse a três indagações: 1) Se não tratou de negócios, o que diabos foi fazer no seu escritório o executivo da Odebrecht? 2) Se não havia mutreta no lance, por que o visitante foi levado à sua presença por Eduardo Cunha? 3) Se não pode ser 100% transparente, por que divulgar um video com meias-verdades?

De resto, é incompreensível que Temer não tenha aproveitado a oportunidade para dirigir aos brasileiros meia dúzia de palavras sobre a podridão ao redor. Após discutir com auxiliares os efeitos do estrondo da colaboração da Odebrecht, o presidente decidiu que o melhor a fazer é silenciar sobre os oito ministros que conservam um pé na Esplanada e outro nos inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal contra eles.

Impossível deixar de dar ouvidos a esse silêncio de Temer. As palavras não-ditas gritam para a plateia que o presidente da República talvez não tenha condições de se dissociar do lixão. Quanto mais duradouro for o silêncio de Temer, mais eloquentes serão os ecos da delação. Gravado com o propósito de levar tranquilidade aos brasileiros, o vídeo de Temer revelou-se apavorante.

Inquéritos de Fachin revelam um sistema político podre e disfuncional (MATIAS SPEKTOR)

Fachin ofereceu evidência nova sobre aquilo que já aprendemos nesses 12 anos de mensalão, petrolão e Lava Jato.

O sistema político brasileiro é podre e disfuncional. As regras do jogo condenam ao atraso tanto ricos quanto pobres, do Oiapoque ao Chuí. Não fosse o misto de clientelismo, patronagem e compra de influência, as políticas públicas quiçá oferecessem serviços decentes ao cidadão. Não o fazem.

O desafio, agora, é refundar a República em novas bases, alinhadas aos anseios do eleitorado, como deve ser numa democracia funcional. Antes de dar esse passo, contudo, será necessário fazer um diagnóstico preciso do problema.

Os inquéritos autorizados por Fachin sugerem que qualquer exercício dessa natureza precisará levar em conta três elementos.

1. A corrupção endêmica é uma característica fixa da democracia brasileira, não uma função dos partidos ou dos indivíduos que ocupam o poder. A podridão é a regra do jogo, não a sua exceção. Diante de tal tese, só há uma esperança: mudar as regras do jogo. Essa mudança é uma precondição para avançar. E pequenos ajustes não resolverão o problema. Desconfie, portanto, daquele comentarista que vai para a televisão dizer que basta reduzir o número de partidos ou adotar a "lista fechada". A Argentina tem poucos partidos e "lista fechada" e não por isso é um exemplo de boa governança. Desconfie também do intelectual para quem as instituições de controle "funcionam satisfatoriamente". Se funcionassem, não teríamos tantos senadores, ex-presidentes e multinacionais na lama.

2. É mito a ideia segundo a qual as empreiteiras teriam inventado um esquema de compra de influência à brasileira que, com o tempo, foi sendo exportado para o resto do mundo. Na realidade, a roubalheira já nasceu global. Da construção de um submarino nuclear com tecnologia francesa à oferta de crédito barato do BNDES para obras em Cuba, Angola ou Peru, nossa podridão é internacional desde a origem. A implicação natural disso é que não haverá solução que prescinda de intensa cooperação externa.

3. A podridão acumulada nesses 30 anos de Nova República tem forte impacto redistributivo. Via de regra, há transferência de renda da maioria desorganizada do eleitorado para grupos de interesse bem organizados na busca e captura de privilégios. Isso explica por que uma das principais economias do planeta mantém metade de sua gente sem acesso a esgoto tratado. Clientelismo, patronagem e corrupção criam o império da má governança.

O próximo comentarista que tentar dissuadir você da necessidade de mudança profunda nas regras do jogo da política está vendendo uma lorota. 

Como os zumbis vão votar reformas (VINICIUS TORRES FREIRE)

NA PRAÇA DO mercado, apenas se quer saber do efeito da "lista de Fachin" na já prejudicada reforma da Previdência. Não vai se saber tão cedo.

Uma tese popular entre o povo do dinheiro grosso é que a desgraça política das lideranças do governo e de sua coalizão no Congresso deve rejuntar o governismo com a argamassa da promessa de recuperação econômica. Isto é, aprovada a reforma, diz a tese, aumenta a probabilidade de crescimento melhor em 2018.

Assim, seria atenuado o desgosto popular e diminuiria a taxa de renovação do Congresso. Cresce, pois, a chance de reeleição.

A tese é verossímil. Daí a dizer que o comando da coalizão parlamentar de Michel Temer seja capaz de adotá-la como estratégia são outros quinhentos. As lideranças estão ainda perdidas. De resto, muito deputado já não vê futuro político no governismo, mesmo com o PIB voltando a andar em 2018.

Não se trata de menosprezar o efeito que a visão real do precipício, os inquéritos, possa ter sobre o Congresso —talvez uma união dos desesperados. Mas é difícil dar chutes bem informados quando nem os envolvidos no rolo sabem o que fazer da vida. Além do mais, há complicadores.

Cerca de quatro quintos dos parlamentares não estão no bico do corvo da Lava Jato, da "lista de Fachin", embora quase todas as lideranças governistas estejam. O parlamentar que escapou do rolo pode ter ideias diferentes a respeito do seu futuro político.

Por outro lado, o governo Temer trabalha para colocar ordem nas tropas. Libera nomeações, dinheiros, ameaça confiscar cargos. Insinua que vai fuzilar desertores.

Governo e coalizão atenuam a reforma em aspectos que mais afetam eleitores pobres do interior, o povo que passa na calçada do escritório do deputado do rincão, a maioria. É um peso no prato da balança pró-reforma, mas não é garantia de nada.

Não há dados bons e novos para saber o que o povo miúdo acha de reforma tão complicada e ameaçadora.

A primeira impressão foi péssima, ao menos pelo que se ouve de conversas aleatórias com o cidadão das ruas. Igrejas fazem campanha contra. Para o 28 de abril, estão marcadas greve geral e manifestações pela derrubada das reformas.

Entre os otimistas com o futuro da reforma circula também o argumento de que as consequências mais turbulentas da abertura de inquéritos em massa não seriam imediatas. Em parte, a tese se baseia na lentidão dos processos. Vide o mensalão.

Em parte, pode ser assim. O inquérito do mensalão chegou ao Supremo em julho de 2005. Virou denúncia em março de 2006. O processo mesmo foi do final de 2007 a agosto de 2010. Etc.

Mas durante o inquérito voa lixo. Quebras de sigilo, batidas da polícia, novas revelações, confissões, delações. Cabeças podem rolar pelo caminho.

Por fim, temos uma eleição presidencial daqui a um ano e meio, nesta desordem ou numa pior. Perderam-se medidas, padrões, capitais e referências políticos. Os líderes nacionais são quase todos zumbis, que causam entre medo e nojo.

Não se sabe como e em torno de quem vão se aglutinar os políticos. Sim, isso é assunto para a metade final do ano. Mas os parlamentares começam a pensar nisso, o que vai influenciar seus votos de agora.

Delação é oportunidade histórica para o STF, que precisa tomar a dianteira (por ROBERTO DIAS, na FOLHA)

Durante três quartos da história do Brasil independente, os congressistas não contaram com foro especial. Passaram a tê-lo em 1969, no regime militar, direito preservado pela Constituição de 1988.

Não por isso, como afirmou à Folha o decano do STF, Celso de Mello, os parlamentares sem essa salvaguarda ficaram "menos independentes ou perderam a sua liberdade para legislar até mesmo contra o sistema em vigor". Classificando o modelo brasileiro como "quase insuperável" no mundo, ele argumentou em favor da supressão total do foro privilegiado para matérias criminais.

Só que essa entrevista ocorreu há distantes cinco anos, e nada mudou.

A atual presidente do STF, Cármen Lúcia, afirmou no mês passado que "já passou da hora" de discutir o foro, que "não pode ficar como está". Disse isso mas dias depois postergou a votação de um processo que poderia restringir o uso do foro no seu tribunal, proposta feita pelo ministro Luís Roberto Barroso.

As delações da Odebrecht abrem uma janela de oportunidade histórica para a corte. O Supremo precisa tomar a dianteira como nunca antes. Do Congresso e do Executivo, por motivos óbvios, é que não aparecerá a saída do beco político.

Já que o foro está aí, o STF deveria encontrar um caminho para alcançar o desfecho dos inquéritos em velocidade recorde. Não é aceitável o ritmo de cruzeiro de sempre, nítido na primeira lista de Janot, que dois anos depois continua inconclusa, sem nenhuma condenação.

Se isso demandar alguma inovação administrativa, eis a hora de implementá-la. Em 2007, na gestão de Ellen Gracie à frente do Supremo, criou-se a figura do juiz auxiliar, útil no julgamento do mensalão.

Sem virar a página da Odebrecht o quanto antes, a bola de neve do foro especial não vai parar de crescer. E sem derreter essa neve o país não vai parar de patinar. Para sair do atoleiro é preciso fazer força extra.

Um Amigo desses não tem preço, por AUGUSTO NUNES, em VEJA

Trecho do depoimento prestado por Marcelo Odebrecht ao juiz Sérgio Moro: “Aí a gente botou R$ 40 milhões no saldo Amigo que viriam para atender as demandas que viessem de Lula. Eu sei disso. O Lula nunca me pediu diretamente. Essa informação eu combinei via Palocci”. Até ontem, o mais ativo camelô de empreiteira do planeta engolira 13 milhões de reais. A quantia já chegou a 40 milhões ─ e logo estará roçando a estratosfera. Um Amigo desses não tem preço.

E agora, como agirá o velho farsante? Confrontado com evidências e provas contundentes, o que Lula dirá no encontro com Sérgio Moro marcado para 3 de maio? Que nunca soube de nada? Que foi tapeado de novo pelo irrecuperável Antonio Palocci? Ou que a culpada por todas as bandalheiras foi Marisa Letícia? Viúvo recentíssimo, ele transformou em palanque o túmulo da mulher. Se optar pela violação do cadáver, apenas confirmará que é capaz de rigorosamente tudo para escapar da verdade e da cadeia.

Criaturas assim deveriam ser condenadas a 100 chibatadas diárias, em praça pública, pelo crime hediondo que acrescentaram ao prontuário de matar de inveja até chefão do PCC: assassinato do sentimento da vergonha.

Carta do impensável entrou no baralho de 2018, por JOSIAS DE SOUZA (UOL)

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Os principais presidenciáveis brasileiros se fingem de vivos. Mas tornaram-se vivos tão pouco confiáveis que a conjuntura começa a lhes enviar coroas de flores. A colaboração da Odebrecht joga a última pá de cal sobre as pretensões políticas de cada um. Ao entrar em sua fase radioativa, a Lava Jato corroeu o que restava da oligarquia política. E incluiu o impensável no baralho de 2018.

No cenário atual, para virar um presidenciável favorito basta adotar um discurso raivoso contra a classe política, declarar guerra à corrupção e prometer virar do avesso tudo isso que está aí. O Brasil já elegeu dois presidentes que engarrafavam oportunismo: Jânio Quadros e Fernando Collor. O primeiro renunciou e morreu sem deixar saudades. O outro foi renunciado e continua subtraindo a prataria.

A Odebrecht gravou a sua logomarca nas testas de Lula, Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra. Estão mais para réus do que para candidatos. Desfilam de cara limpa na praça Ciro Gomes e Marina Silva. Um fala demais. Outra fala de menos. Roçam o alambrado Jair Bolsonaro e João Dória. Um, por absurdo, é ponto de exclamação. Outro, por imprevisível, é interrogação.

A política flerta com o desastre. E é plenamente correspondida. Conforme já noticiado aqui, PSDB, PMDB e PT rodam uma reencenação sui generis de ‘Os Três Mosqueteiros’. Sob o lema de ‘um por todos, todos por um’, os maiores partidos do país comportam-se como se fossem capazes de matar ou morrer por uma saída que não enxergam.

Submetido à chapa quente de Curitiba, Lula estende a mão no subsolo para Fernando Henrique Cardoso. Que hesita em corresponder ao gesto com receio de ganhar as manchetes como participante de um conciliábulo anti-Lava Jato. Michel Temer acompanha os movimentos sonhando com um acordo que livre o seu mandato-tampão de um processo de sarneyzação.

Todos gostariam de preparar o salão para a sucessão de 2018. O problema é que já não parece possível reiniciar um novo baile sem terminar a faxina da fuzarca anterior. A esse ponto chegou a República. A colaboração da Odebrecht resultou na mudança do regime. Inaugurou-se uma espécie de monarquia do lodo. Reina a estupefação!

Hecatombe da Odebrecht intima o eleitor a agir (JOSIAS DE SOUZA)

Imagine que você é um brasileiro atento ao cenário político e tem uma namorada chamada Janete com quem gosta de trocar ideias sobre a conjuntura. Imagine que você foi às ruas pedir a saída da Dilma e torce pelo Temer. Imagine que você já tem em quem votar na eleição de 2018 e conta com a recuperação da economia para pedir um aumento de salário ao chefe. Depois da hecatombe provocada pela colaboração da Odebrecht, recomenda-se que você telefone imediatamente para sua namorada Janete. Ela pode ser a única coisa que lhe restou.

Os plenários da Câmara e do Senado foram desligados da tomada já na tarde de terça-feira. O Planalto vive a neurose do que está por vir. Cercado de ministros e aliados suspeitos e temendo o pior, Temer levou os lábios ao trombone: “Não podemos paralisar o governo”, ele disse. Há cadáveres demais no noticiário. Mas o caráter pluripartidário da autópsia fez desaparecer do necrotério o contraditório. Ninguém se anima a jogar pedras no outro. Sujos e mal lavados estão todos sob o mesmo telhado de vidro.

Digam o que disserem da Odebrecht, não se pode deixar de admirar o seu caráter democrático. O departamento de propinas da empreiteira comprou políticos de todas as ideologias. À medida que forem avançando as investigações você vai conhecer a cotação de cada um. Um Renan vale quantos Padilhas? Os reis da política estão todos nus. A nudez é tão generalizada que corre-se o risco de eles tentarem te convencer de que foi inventado um novo tipo de tecido. Dirão que é belo e resistente, mas completamente invisível para os pessimistas. Não caia nessa. Se encontrar sua namorada Janete discuta com ela o que fazer. O futuro da democracia nunca esteve tão nas mais do eleitor como agora.

"É o dinheiro, estúpido!", por JOSÉ ROBERTO TOLEDO, no ESTADÃO

A lista de Fachin não poderia deixar mais explícito: o poder emana do caixa, não da urna. A cúpula política brasileira, toda ela agora sob investigação, só está no cume porque controla o fluxo financeiro dentro dos partidos. Pelo mesmo motivo, tornou-se o alvo principal dos investigadores que seguiram o dinheiro. Daí haver muito mais caciques que índios na lista. Menos de 10% da Câmara, mas quase metade dos governadores e 30% do Senado.

Está óbvio nos pedidos de abertura de inquérito autorizados pelo Supremo: quem distribui a grana exerce influência vital sobre os comandados e acaba por controlar os cargos-chave no Executivo e Legislativo. O controle dessas posições reforça e realimenta seu poder financeiro, mas deter a chave do cofre partidário é um passo anterior e indispensável para ostentarem o cocar.

O caciquismo é o motivo principal de o Brasil ter 35 partidos registrados e outra meia centena na fila. Quem quer poder de verdade contrata índios populares e monta sua própria tribo. É fácil identificar uns e outros nos pedidos de abertura de inquérito: caciques são investigados por corrupção e lavagem de dinheiro; índios, apenas por falsidade ideológica – ou caixa 2. Os primeiros pagam e mandam, os outros recebem e obedecem.

Ministros chefes da articulação política (atuais e passados) e presidentes da Câmara e do Senado (atuais e passados) estão sendo investigados não necessariamente pelo que fizeram depois que ocuparam essas funções, mas pelo que ocorreu durante o processo que os levou a virarem ministros e presidentes. Como intermediários e interlocutores de quem pagava, eles decidiam quais correligionários receberiam quanto e quando.

No caso em evidência, o pagador é a Odebrecht, cujos executivos detalharam o caminho do dinheiro, desde os pedidos feitos pelos morubixabas até a entrega na maloca. Mas o percurso é o mesmo para todas as empreiteiras desse e de outros escândalos, e para financiadores de campanha em geral. A escolha dos destinatários é dos caciques partidários, não de quem deu o dinheiro. Sempre há exceções, mas elas não abalam o cacicado.

Alguns cacicam em escala paroquial, quase familiar (daí tantos filhos e pais alvo do mesmo inquérito), mas só são realmente poderosos os que gerenciam o caixa nacional. No PMDB, quem faz isso é um consórcio. Desde a morte de Ulysses Guimarães, a Turma do Pudim controla o fluxo de dinheiro e, por consequência, a ocupação de cargos em estatais, na Esplanada e no próprio Congresso, onde se refugiam a maior parte do tempo.

Todos os comensais de pudim estão agora processados ou investigados, salvo um cujo cargo lhe confere imunidade provisória. Às vezes um candidato a cacique força a entrada na taba com esquema próprio de financiamento e distribuição. Eduardo Cunha forçou. Está preso. Os veteranos, por ora, não.

Do ponto de vista policial, focalizar o fluxo do dinheiro partidário permitiu aos investigadores usarem as delações dos pagadores para mirar em quem arrecada e, por isso, manda – em vez de prender os meros contadores de dinheiro, como na época do mensalão. Tão importante, porém, é perceber que pouco importa a fonte dos recursos. Trocá-la muda pouco ou quase nada.

Nas eleições de 2016, empresas não puderam doar oficialmente. O poder do cacicado não diminuiu, mas aumentou. O grosso do dinheiro declarado veio do Fundo Partidário, totalmente controlado pelos caciques. Agora, tentam empurrar a lista fechada na eleição parlamentar. Se aprovarem-na, vão dispensar os intermediários, escolherão sozinhos quem vai se eleger.

Nunca foi tão perigoso e nunca foi tão poderoso ser cacique.

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Fonte:
FOLHA/VEJA/UOL/ESTADÃO

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