Na FOLHA: Abaixo do radar (por ELIO SCHARSTZMANN)

Publicado em 13/11/2016 17:40
Repercussão da vitória de Trump na mídia

SÃO PAULO - Tivemos, neste ano, três grandes surpresas eleitorais. Elas são, por ordem cronológica, o Brexit, a rejeição do acordo de paz na ColômbiaDonald Trump. Não deixa de ser irônico que, na era do "big data", os movimentos eleitorais que levaram a esses resultados tenham passado abaixo dos radares de especialistas e da mídia.

O mais fácil é responsabilizar as pesquisas. Elas até têm sua parte de culpa, especialmente no caso da Colômbia e de alguns Estados dos EUA, mas não é justo cobrar delas o que não podem dar. Tanto no Reino Unido como nos EUA, a maioria das sondagens nacionais apontou, corretamente, um empate técnico. A teoria dizia que era arriscado saltar para conclusões, mas o fizemos. Por quê?

Parte da explicação é psicológica. Quando julgamos muito óbvia a resposta a uma questão, não achamos que possa haver dissenso. E, quando ele se insinua, tendemos a classificá-lo como desimportante ou até como coisa de ignorantes. Apesar de as pesquisas dizerem que mais ou menos a metade da população defendia o Brexit e Trump, nós da "intelligentsia" considerávamos essas possibilidades tão absurdas que nos recusamos a contemplá-las seriamente. Faltou combinar com os eleitores.

A outra parte da explicação é tecnológica. Se, no passado, quase todas as informações que circulavam na sociedade eram mediadas por órgãos de imprensa, hoje o indivíduo escolhe diretamente as opiniões e até os dados que quer consumir, sem expor-se ao contraditório. Mais do que isso, sempre encontra nas redes sociais quem tenha ideias semelhantes às suas, por mais extravagantes que sejam. A pressão social para o conformismo, que impedia propostas muito exóticas de ganhar adeptos e popularizar-se, já não funciona da mesma forma. As pessoas se tornaram mais autônomas. Isso pode ser bom, à medida que enfraquece a chamada tirania da maioria, mas também pode produzir Brexits e Trumps.

Fim do comunismo gerou vazio ideológico que precisa ser preenchido (por FERREIRA GULLAR)

O "Manifesto Comunista", escrito por Karl Marx e Friedrich Engels em 1848, deu início a uma visão crítica do regime capitalista. Assim, mudaria a história humana, para o bem e para o mal, durante o último século e meio.

Para o bem porque pôs à mostra a exploração do trabalho humano, posta em prática pelo capitalismo; para o mal, porque, em nome de uma suposta igualdade, criou um regime autoritário e às vezes cruel.

É verdade, porém, que o regime soviético, por excluir de si a exploração capitalista, acendeu no espírito dos que a repeliam uma utopia que, ali, conforme acreditavam, começava a realizar-se.

A morte de Lênin e a ascensão de Stálin tornaram o regime soviético mais sectário e repressivo, levando à divisão da intelectualidade ocidental de esquerda, quando uma parte dela se tornou trotskista.

  Ruben Grillo/Ruben Grillo/Editoria de Arte/Folhapress  
ilustração de Rubem Grillo para coluna de Gullar do dia 13 de novembro de 2016
 

De qualquer modo, a imagem da URSS foi favorecida pelo surgimento do nazismo e a deflagração da Segunda Guerra Mundial. Esse fato obrigou uma aliança dos países capitalistas com o regime stalinista contra a Alemanha de Adolf Hitler. Terminada a guerra, derrotado o nazismo, o conflito ideológico ressurgiu designado como Guerra Fria.

Após o desgaste provocado pelo stalinismo, o marxismo, no campo ideológico, ganhou novo fôlego com a Revolução Cubana, em 1959.

Em vários países latino-americanos, o sonho comunista renasceu com o surgimento de grupos guerrilheiros. A presença de um país comunista a poucos quilômetros do território norte-americano acirrou o conflito ideológico entre as duas potências rivais. Os arsenais nucleares, porém, de um e do outro lado, impediram o conflito armado.

Não obstante, os norte-americanos, temendo o surgimento de outras Cubas na América Latina, acionaram seus recursos políticos e militares para instaurar ditaduras anticomunistas nos países onde o perigo era maior.

Os guerrilheiros foram praticamente todos eliminados pela repressão militar, o que, se por um lado deteve a luta armada, por outro atraiu a solidariedade de grande parte dos latino-americanos, ressentidos com a truculência dos regimes militares. Em função disso, surgiram partidos que, embora atuando na legalidade, continuavam a alimentar o sonho da revolução anti-imperialista.

Sucedeu que, naquele período, o regime soviético –principal potência militar e ideológica do sistema–, começou a dar sinais de mudanças que culminariam em seu colapso.

Esse fato, que teve importância decisiva no processo político-ideológico de quase todos os países, ganha, na América Latina, uma conotação particular: o projeto revolucionário anti-imperialista, que ali surgira, não tinha mais condições de exibir, como objetivo, um regime que fracassara.

É então que nasce o socialismo bolivariano, inventado por Hugo Chávez e que, na verdade, é um tipo novo de populismo e de que seriam outros exemplos os governos dos Kirchner na Argentina, de Evo Morales, na Bolívia, de Rafael Correa, no Equador, e de Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil.

Esse populismo chegou a despertar o entusiasmo de setores intelectuais e estudantis, que não aceitam admitir que o sonho da sociedade justa tenha se extinguido. É certo que, em cada um desses países, o populismo adquiriu caráter específico, ainda que, em todos eles, estivessem presentes argumentos ideológicos da exploração dos pobres pelos ricos e da identificação do imperialismo norte-americano como o inimigo principal a ser combatido.

Mas essa pregação político-ideológica não se sustentou por muito tempo –a não ser em setores restritos da população. Do mesmo modo que os próprios governos populistas, que entraram e crise e se acabaram ou estão a caminho de finarem.

É verdade que esse populismo não tinha a riqueza ideológica do marxismo que, sem dúvida, foi a utopia dominante do século 20. Por isso mesmo, o fim do regime comunista provocou um vazio ideológico, que necessita ser preenchido, uma vez que a sociedade humana, sem utopia, torna-se inviável.

Entendo o povão, mas é difícil explicar a atitude dos intelectuais de esquerda (FERREIRA GULLAR)

Cada dia que passa me convenço mais de que, sobretudo quando se trata de política, as pessoas, em geral, têm dificuldade de aceitar a realidade se ela contraria suas convicções.

Recentemente, durante um almoço, ouvi, perplexo, afirmações destituídas de qualquer vínculo efetivo com a realidade dos fatos. Minha perplexidade foi crescendo tanto que, após tentar mostrar o despropósito do que afirmavam, fingi que necessitava ir ao banheiro e não voltei mais ao tal papo furado.

Não resta dúvida de que, até certo ponto, essa dificuldade de aceitar a realidade decorre do momento que estamos vivendo, tanto no Brasil como no mundo em geral.

  Rubem Grillo  
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Tem-se a impressão de que atravessamos um período de mudanças radicais quando os valores, sejam ideológicos, econômicos ou éticos, entram em crise.

Isso parece ter a ver tanto com as utopias quanto com a implantação de novos meios de comunicação. Estes tornaram o mundo menor ou, dizendo de outro modo, é como se todos os povos, nos diversos pontos do planeta, vivessem uma mesma atualidade. Sabemos, a todo instante, de tudo o que ocorre em qualquer região, em qualquer país, em qualquer cidade do planeta.

No caso de nós, brasileiros, acresce o fato de que chegamos ao fim de uma fase que culminou no afastamento da presidente da República e na implantação de um governo interino, agora permanente. Acresce o fato de que o governo que findou era a expressão de um regime populista, caracterizado por um ideologismo demagógico, apoiado no setor pobre e carente da população. Na verdade, versão primária de um regime dito de esquerda em aliança com o capitalismo corrupto, que ele fingia combater.

Pois bem: que o povão desinformado se deixe levar pelas benesses recebidas é compreensível. Difícil de explicar, porém, é a atitude de intelectuais de esquerda que aceitam a burla como verdade.

E era isso que transparecia na tal conversa do encontro a que me referi no começo desta crônica. Uma das pessoas presentes, dizendo-se contra Dilma Rousseff, tampouco admitia o governo Michel Temer. Quando a lembrei que o governo de Temer tinha apenas um mês de existência e que herdara do anterior uma situação crítica com mais de 11 milhões de desempregados, ela respondeu: "Na cidadezinha onde moro não há desemprego. Duvido muito desses números".

Lembrei-a que aqueles eram dados do IBGE, divulgados havia três meses, quando ainda era Dilma quem presidia o país, ela respondeu: "E o IBGE não podia estar infiltrado por adversários do governo?"

É que essa senhora se diz de esquerda e, embora não possa negar o estado crítico a que o PT conduziu o país, usa de argumentos infundados para colocar em dúvida o fracasso petista. Já observaram que os que defendem esse populismo nunca tocam nos escândalos revelados pela Lava Jato, no assalto à Petrobras, nas propinas dadas a funcionários e políticos inclusive do PT? É que têm dificuldade de aceitar a realidade dos fatos e admitir que estão errados. E se alguém faz referência a tais escândalos, gritam: "Mas isso é mentira!" Ou seja, para quem não suporta a realidade, só é verdade o que lhe convém.

Saí dessa roda e fui me sentar com outro grupo, que falava de futebol, particularmente do Vasco, meu time do coração, que anda mal das pernas, pois acabara de ser desclassificado, ainda na primeira rodada da Copa do Brasil. Mas eis que chega um velho companheiro, simpatizante do PC do B, do finado PCB e muda o assunto da conversa, de futebol para a polícia. Foi então que um dos presentes afirmou que o comunismo já acabara, uma vez que a própria China era hoje a segunda maior potência capitalista do mundo.

– Isso não, contestou o velho comuna. O comunismo está mais vivo do que nunca. A China encarna a nova forma que o regime socialista ganhou.

– Sim –brinquei eu–, é o comunismo capitalista! Todos riram, menos o autor daquela tese surrealista.

Ao considerar Temer ilegítimo, meu estimado Suplicy pisou na bola (FERREIRA GULLAR)

Sempre tive simpatia por Eduardo Suplicy, muito embora ele pertença ao Partido dos Trabalhadores. Mas também tive simpatia por esse partido. Muitos anos atrás, melhor dizendo, quando ele foi fundado, em 1980.

Naquela época, eu militava no Partido Comunista Brasileiro (PCB), que não viu com bons olhos a criação do PT. Menos pelo partido do que por ter, como figura principal, Luiz Inácio Lula da Silva. Os dirigentes do PCB não confiavam nele por saber de sua atuação à frente do sindicato dos metalúrgicos do ABC.

Mas eu argumentava: se não conseguimos mobilizar a classe operária para a luta política, deixemos pelo menos que alguém o faça. Mais ou menos assim pensavam também Mário Pedrosa, Antonio Cândido, Sérgio Buarque de Holanda, entre outros intelectuais de esquerda.

Alguns deles, anos depois, retirariam seu apoio ao PT, como foi o caso de Hélio Bicudo, que seria um dos autores do pedido de impeachment contra Dilma Rousseff.

Essas deserções tiveram as mais diversas causas e aumentaram depois que Lula assumiu a Presidência da República, deixando claro seu propósito de fazer toda e qualquer concessão para permanecer indefinidamente no poder.

Já no que me diz respeito, bem antes disso já havia mudado de opinião quanto ao papel que Lula e seu partido desempenhariam na vida política brasileira. O PCB tinha razão quanto à figura de Lula e seu futuro desempenho à frente do PT e de seus propósitos chegando à chefia do governo.

Isso tornou-se evidente quando, em seu primeiro mandato, rejeitou a aliança com o PMDB –ao qual teria que fazer concessões– para, em vez disso, comprar, com o mensalão, os deputados de partidos menores.

Tudo ficou claro com o escândalo do mensalão, que resultou na condenação, pelo Supremo Tribunal Federal, dos principais auxiliares de Lula: José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. Lula fez que não sabia de nada e contou com a lealdade dos companheiros para escapar ileso da falcatrua.

Mas os escândalos maiores estavam por vir, conforme revelou a Operação Lava Jato.

Negociatas envolvendo bilhões de reais, grandes empreiteiras e políticos do PT e de outros partidos atingiriam profundamente o prestígio de Lula e de seu partido, como ficou patente, agora, com o resultado das eleições municipais.

Apesar de tudo isso, mantive minha simpatia por Eduardo Suplicy, talvez por ver nele um político idealista que, embora integrante do PT, nunca se envolveu em negociatas nem usufruiu das propinas que enriqueceram funcionários das estatais, políticos e partidos.

Ao contrário, Suplicy, durante toda a sua atuação, insistiu em defender os interesses da população menos favorecida. Até hoje ele batalha pela implantação da renda básica que beneficiaria milhões de trabalhadores. Não por acaso, enquanto seu partido, nas últimas eleições, caía para décimo lugar na quantidade de votos obtidos, ele, Suplicy, era o mais votado dos vereadores do país.

Ao saber disso, fiquei contente por ver que muitas vezes o eleitor vota com justiça e consciência. Mais uma razão para que me dispusesse a assistir a entrevista que Suplicy concedera a Roberto d'Avila. Foi quando o ouvi, mais uma vez, manifestar sua opinião sobre os problemas da sociedade e as medidas que propunha para resolvê-los ou atenuá-los. Mas eis que o entrevistador pede sua opinião sobre o governo de Michel Temer.

A resposta de Suplicy me desapontou, pois, embora sabendo-o petista, não esperava ouvir dele o que ouvia de todos os petistas: isso de que Temer é um presidente ilegítimo, pois não foi eleito!

Mal acreditei no que ouvi. Como Temer não foi eleito se quem votou em Dilma votou nele? Se ela obteve 54 milhões de votos, ele os teve também, pois a chapa era uma só. Fora isso, o vice existe para substituir o presidente, em caso de ausência ou impedimento. Logo a presença de Temer à frente do governo é indiscutivelmente constitucional.

Lamento dizer que, desta vez, meu estimado Suplicy pisou na bola.

Mais manobras (EDITORIAL DA FOLHA)

Seria de espantar se inexistissem, na atual conjuntura, movimentações no sentido de diminuir os potenciais efeitos destrutivos da Lava Jato sobre as principais forças políticas do país.

Entretanto, dada a sensibilidade da população diante de qualquer medida que possa sugerir um arrefecimento da operação, os políticos sempre que possível evitarão ataques frontais às autoridades investigativas e seus procedimentos.

Tão discretos quanto suspeitos, alguns movimentos contra as ações do Ministério Público Federal têm-se verificado nos últimos meses.

O caso da chamada anistia para os crimes de caixa dois, barrado à última hora graças aos alarmes de alguns poucos deputados da Rede e do PSOL, ocupou as atenções há não muito tempo.

Nenhum líder político assumiu a responsabilidade pela proposta, que ia sendo aprovada, em clima de virtual sigilo, em uma sessão noturna da Câmara dos Deputados, realizada excepcionalmente numa segunda-feira.

A ideia de criar instrumentos contra abusos de autoridade, por certo merecedora de discussão diante dos ocasionais excessos cometidos pela Lava Jato ou por qualquer autoridade, foi por sua vez retomada no Senado, por seu presidente Renan Calheiros (PMDB-AL).

Embora se possa considerar saudável algum aprimoramento das leis nesse sentido, a circunstância de que o próprio Renan enfrenta mais de uma dezena de inquéritos será o bastante para tingir a proposta de uma densa suspeição.

Ainda que o tema admita detalhadas discussões técnicas —e talvez exatamente por isso—, só pode despertar desconfiança uma terceira tentativa de modificar os parâmetros legislativos nos quais se desenvolve a Lava Jato.

Na semana passada, tentou-se colocar em regime de urgência na Câmara o projeto nº 3.636, de 2015, que propõe mudanças na Lei Anticorrupção. Segundo os procuradores da Lava Jato, a medida traria alterações indesejáveis nos acordos de leniência —equivalente, para empresas, à delação premiada.

Estaria aberta a possibilidade para uma anistia a executivos envolvidos em corrupção, além de impedir-se o uso em outros processos das informações obtidas no acordo celebrado. Seria o enterro da Lava Jato, reagiram os participantes da força-tarefa.

Qualquer que fosse o conteúdo das iniciativas, sua tramitação em regime de urgência consistia por si só em elemento suspeito e inaceitável na manobra.

Foi interrompida; a própria base aliada divergiu sobre a questão. O que não significa que tenha desaparecido a vontade dos parlamentares de, diante do mais leve cochilo da sociedade, aprovar medidas capazes de livrá-los do cerco.

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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