Temer na porteira da Fazenda (por VINICIUS TORRES FREIRE)
Temer na porteira da Fazenda
Por VINICIUS TORRES FREIRE
Nomear um ministro da Fazenda capaz de fazer um remendão básico nas contas públicas é tão inevitável que o assunto se torna quase conversa secundária na formação do governo virtual de Michel Temer.
Sim, é essencial, mas óbvio. Sem isso, Temer não dura um trio de meses. Sem isso, rebrota o caos financeiro, a recessão revida e reforçam-se as conversas sobre eleições antecipadas, outro impeachment ou processo no TSE, o que convier à gente da rapina do poder.
Na economia, mais interessante é saber quais serão planos e equipes que vão recolocar já em funcionamento o governo e regiões de um país arrasado por furacões de inépcia.
Na política, interessa saber: 1) A coalizão temerista vai dar votos para o arrocho? Essa gente que até o mês passado estourava as contas públicas? 2) Quanto vai custar comprar o Congresso, em termos de qualidade da administração? Nacos do governo serão entregues ao "centrinhão", bloco de mais de 200 deputados de partidos expertos em mensalagem e petrolagem.
As centrais sindicais foram a Temer se opor à reforma da Previdência e pedir mais rombo fiscal (redução do IR), para não mencionar disparates maiores.
Além de criar tensão social e econômica extras, Estados falidos podem tumultuar o Congresso. Aliviar essa ruína sem a contrapartida dura de colocar as contas estaduais nos trilhos, nos moldes dos acordos dos anos 1990, é apenas mudar o endereço do desastre (para a União).
Na economia, há incêndios sem controle em áreas essenciais:
1) A trapaça jurídica da redução da dívida estadual com a União;
2) A necessidade de relançar já concessões;
3) A ruína no setor de energia, da Petrobras ao setor elétrico;
4) A falta de crédito imobiliário e a limpeza do balanço da Caixa (Cunha e o PP disputam o banco!);
5) A inadimplência que está para explodir nas empresas;
6) A reconstrução das agências reguladoras e similares: de mineração a teles, quase nada anda devido ao desmonte regulatório e outras tolices.
Essas são apenas algumas emergências.
Quem vai dar jeito nas concessões, meio de relançar o investimento? Dadas a taxa de juros e as inseguranças jurídica, regulatória e política, as empresas vão cobrar os olhos da cara e as calças a fim de investir. Essa encrenca exige especialistas de peso (em leilões, finanças, planejamento). Isso é quase um ministério extraordinário.
A Petrobras, como está, prejudica o crédito e o investimento. Há risco até de a produção vir a cair. Quem será o papa da Petrobras? Para a Infraestrutura, aliás, não pode ser nomeado um desses tipos que se ocupa de "fechar a porteira" do ministério e ali espalhar suas vacas, mas alguém que faça uma limpa grande e rápida.
Quase nada vai andar no crédito se não for possível baixar juros em breve. Mas, isto posto, quem vai, por exemplo, lidar com a míngua do crédito imobiliário, por exemplo?
Quede essas equipes e planos?
Enfim, com essa conversa de não aumentar imposto, Temer vai se arrepender muito quando vir o caixa vazio e hordas atacando o arrocho fiscal no Congresso. Se não aproveitar o embalo agora, em 2017 será tarde.
Faces do golpe
por HELIO SCHWARSTMAN -
Michel Temer é a melhor prova de que o impeachment de Dilma Rousseff não é golpe. Nenhum conspirador racional escolheria o peemedebista para comandar o país. Ele tem pouco ou nenhum apelo popular, pertence a um partido tão enrolado quanto o PT nos casos de corrupção, já teve seu nome mencionado por delatores da Lava Jato e, na política, é mais afeito ao jogo pequeno de negociação de cargos do que à formulação de projetos e execução de programas.
Temer só está prestes a assumir o Planalto porque as regras constitucionais estão sendo observadas e ele, embora poucos se tenham dado conta na hora de votar, recebeu os mesmos 54 milhões de sufrágios dados a Dilma Rousseff. Mais, foi ela quem o escolheu para vice –no que pode ser interpretado como mais um dos muitos erros que Dilma impôs ao país.
A tese das eleições gerais antecipadas, à qual setores do próprio PT já aderem, é simpática, mas tem dois defeitos. É pouco realista e acende uma polêmica constitucional. Até consigo vislumbrar o Congresso destituindo Temer, dependendo de como a Lava Jato e a situação político-econômica evoluírem, mas não vejo muita chance de os parlamentares abreviarem seus próprios mandatos.
Quanto à constitucionalidade de uma PEC antecipando eleições, alguns entendem que tal medida é vedada pelo artigo 60, que estabelece as cláusulas pétreas. Eu não iria tão longe. Fico com uma leitura mais literal do 60, que bane emendas "tendentes a abolir" a periodicidade do voto, não as que apenas a alteram.
De todo modo, é forçoso reconhecer que a convocação de eleições gerais já em outubro embananaria um poucos as regras do jogo. Alguns dos prazos de desincompatibilização, por exemplo, já se esgotaram. Talvez seja demais qualificá-la como golpe, mas ela está mais perto de impor uma descontinuidade constitucional do que o impeachment de Dilma, eventualmente seguido pelo de Temer.
Debate sobre nova eleição é rendição de Dilma, (JOSIAS DE SOUZA, UOL)
O Plano A era acionar a lábia de Lula e comprar os votos que derrubariam o pedido de impeachment na Câmara. O Plano B era, era, era… Dilma não tinha um Plano B. Seus estrategistas não imaginavam que Lula, a bala de prata do petismo, viraria festim. Não fizeram um plano de contingência porque foram incapazes de perceber que o aroma de poder que exala do Jaburu tornou-se mais sedutor que o tilintar de verbas e cargos de um Alvorada em pleno ocaso.
Derrotados pela própria falta de rumo, Lula e o PT improvisaram em cima do joelho um Plano B. Consiste na realização de nova eleição presidencial em 2016. Nova eleição, no caso, é uma figura de linguagem que substitui a palavra desagradável que Dilma evita pronunciar: R-E-N-D-I-Ç-Ã-O! Ainda reduzido à condição de ministro-chefe do quarto de hotel, Lula agora articula não a salvação de Dilma, mas a interdição de Temer. Falta-lhe apenas uma criança de cinco anos para avisar que não dará certo.
A ideia empinada por Lula em conversa com Renan Calheiros —e aparentemente já digerida por Dilma— é inútil e suicida. É inútil porque não passa no Congresso. Na batalha do impeachment, o Planalto reuniu no plenário da Câmara uma infantaria de 137 votos. Foi humilhado por 367 votos, a maioria de silvérios. De onde um governo tão fraco retiraria forças para juntar os 308 votos necessários à aprovação de uma emenda constitucional?
A tese é suicida porque estimula os senadores a apressarem a deposição de Dilma. Ora, se até o criador pega em lanças por uma nova eleição, é porque já não considera defensável o mandato da criatura. Por que diabos, então, os senadores esperariam 180 dias (pode me chamar de seis meses) para desligar Dilma da tomada? Mais: depois de entronizado, por que Michel Temer renunciaria a dois anos e meio de mandato? Hoje, uma saída que leve à candiatura presidencial de Lula é o Plano Z do PMDB.
Lula agora chama seus ex-aliados de ‘quadrilha’
Mal comparando, Lula vive situação análoga à do sujeito que, desabituado de olhar-se no espelho, leva uma eternidade para perceber que a mulher casara-se com ele por dinheiro. Em sua primeira manifestação depois do Waterloo da Câmara, o sábio da tribo do PT declarou que “uma verdadeira quadrilha legislativa”, unida à imprensa e à oposição, “implantou a agenda do caos” no país. O pajé acrescentou que a quadrilha “foi comandada pelo presidente da Câmara dos Deputados, réu em dois processos por corrupção, investigado em quatro inquéritos e apanhado em flagrante ao mentir sobre suas contas escondidas no exterior.”
Lula demorou quase 14 anos para notar que os companheiros do PP, PR, PTB, PMDB e assemelhados coligaram-se com os governos do PT não por amor, mas pelos mensalões e petrolões. Só agora, depois de arrombadas todas as arcas, Lula se deu conta de que seus aliados eram traidores que ainda não tinham reparado na sensualidade do Michel Temer. Mais um pouco e o morubixaba do petismo vai acabar percebendo que o dinheiro da Petrobras só saiu pelo ladrão porque o governo permitiu que o ladrão entrasse no cofre. Sem isso, não haveria Lava Jato nem dinheiro do Eduardo Cunha na Suíça.
Pobre Lula! Sem perceber, tornou-se um típico político brasileiro. Grosso modo falando. Demorou quase 14 anos para reconhecer que “base aliada” era apenas um eufemismo para “quadrilha”. Antes, Lula dizia: “Falem-me de infidelidade que eu puxo logo o talão de cheques.” Agora, com a Lava Jato a aquecer-lhes a nuca, os quadrilheiros exclamam: “Falem-nos de lealdade que puxamos logo o coro do impeachment: 'por minha família…', 'pelos meus filhos…', 'pelo papagaio…'.'' Noutros tempos, Lula exclamava: “falem-me em rebelião que eu puxo logo um bom discurso''. Agora, os aliados exclamam: “Falem-nos em lero-lero que nós puxamos logo um ronco.”
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