Na FOLHA: Entre Dilma e a lógica; Fim de caso; As três fases de Lula

Publicado em 16/04/2016 09:52
NA EDIÇÃO DESTE SÁBADO DA FOLHA DE S. PAULO

Fim de caso, por Igor Gielow (de Brasília)

É improvável, mas Dilma Rousseff pode até sobreviver ao voto deste domingo (17) na Câmara. Ninguém, contudo, crê na subsistência de seu ex-governo.

Lula anunciou que assumiria na prática em caso de vitória, enquanto a presidente fugia de um estapafúrdio pronunciamento de TV e bolava a próxima judicialização do inevitável. Na prática, já vivemos o pós-Dilma.

Há muita gente com boas intenções que denega as pedaladas como motivo de impedimento. Fosse o processo de degola um juízo penal, a dosimetria da pena talvez não entregasse a cabeça da soberana; as mãos bastariam, digamos.

Mas impeachment é julgamento político embasado por uma lei segundo a qual quase qualquer coisa é motivo de deposição; essas são as regras hoje. Dilma só chegou onde está por encabeçar um governo nulo e uma recessão. Fim de caso.

Outro ponto dos adversários do impeachment é o ético. Argumenta-se que Eduardo Cunha é o anticristo, que as hienas famintas do PMDB e dos PPs da vida irão refestelar-se e que a Lava Jato morrerá.

O mérito sobre os atores está correto, isso é óbvio. Mas era diferente com o PT e esses mesmíssimos aliados? Mensalão e petrolão, sofisticações agigantadas de esquemas atávicos de corrupção, são invenções exógenas? A lógica do "todos são iguais" legitima Dilma na cadeira?

Mais: a Lava Jato já está sob ameaça, e pelo governo, mas sobrevive e trabalha numa rodada fatal de delações. É um trem sem freios que Temer não teria como parar, se quisesse, isso se não acabar atropelado por ele.

Se assumir, o vice terá de usar a janela que ele mesmo citou, de três ou quatro meses, para viabilizar-se. Como isso implica melhoria de expectativas econômicas, ajuste, manutenção de apoio entre carniceiros, acenos ao social, liberdade para a Lava Jato e suportar Lula e o PT, falamos de um cenário quase intangível.

Ruim, sim. A alternativa é melhor?

 

As três fases de Lula, por Demétrio Magnoli

Lula informa que, consumado o impeachment, "não sairá das ruas", comandando uma campanha por "Diretas Já!". Desde a inauguração do segundo mandato de Dilma, essa será a terceira fase de Lula. Tanto quanto nas duas anteriores, suas finalidades reais ocultam-se sob as motivações proclamadas.

A primeira fase, que se estendeu ao longo do ano passado, foi a da ruptura informal com o governo. Dilma 1 –de fato, o terceiro mandato de Lula– consagrou a "matriz econômica" do PT, destruindo o equilíbrio fiscal e as finanças da Petrobras e da Eletrobras. Dilma 2 tinha que consertar o estrago –ou rumar em linha reta para um "abismo argentino". O giro ortodoxo, expresso pela nomeação de Joaquim Levy, contou com o respaldo de Lula, que não divergia sobre política, mas apenas sobre nomes, preferindo Henrique Meirelles. Contudo, a ruptura nasceu ali: o capo di tutti capi seguia o impulso de se preservar das consequências do estelionato eleitoral e da política de ajuste das contas públicas.

Na saída "pela esquerda", Lula restaurou seu controle sobre a área de influência de sindicatos e "movimentos sociais", extinguindo a chama de uma oposição de esquerda ao lulopetismo. À luz do dia, o capo fustigou a casamata da Fazenda, até a queda de Levy. Na calada da noite, orientou a rebelião da bancada petista contra as medidas do ajuste fiscal. A hipótese do impedimento de Dilma foi inscrita na equação lulista como uma solução positiva da crise –desde que pudesse ser narrada como um "golpe das elites" contra o "governo popular". No fim das contas, um impeachment amparado na justificativa arcana das pedaladas fiscais transferiria para o novo governo o fardo da limpeza das estrebarias econômicas legadas por Dilma 1.

A segunda fase, que chega ao epílogo, é a da ruptura da ruptura. Do ponto de vista de Lula, o impeachment converteu-se de solução positiva em perspectiva assustadora desde que a Lava Jato avançou sobre o cipoal de suas nebulosas relações com as empreiteiras e o BNDES. A brusca correção de rota obedeceu ao impulso de buscar no Planalto um escudo de proteção contra as investigações judiciais. Sem abdicar do ataque aos andrajos da política de ajuste fiscal, o capo reatou com Dilma, tramando sua elevação ao posto de ministro plenipotenciário do governo agonizante.

Nessa fase, a fábula do "golpe" tornou-se a ferramenta vital para a subordinação das correntes de esquerda recalcitrantes à liderança lulista. A operação ilusionista alcançou o sucesso possível, disciplinando o PSOL e o MTST, que aceitaram perfilar-se ao lado do declinante "exército de Stédile". Lula dificilmente triunfará na batalha do impeachment, mas recuperou uma hegemonia ameaçada: a melancólica esquerda brasileira reunificou-se em torno do lobista das empreiteiras.

A terceira fase inicia-se amanhã e ganha tração na hora da posse de Temer. De volta à oposição, liberto da necessidade de encenar um engajamento com a governabilidade, Lula extrairá as implicações da narrativa do "golpe", clamando pela derrubada do "governo ilegítimo". À frente do cortejo das esquerdas, empunhará a bandeira das "Diretas Já!", tomando cuidado para que sua exigência não seja vitoriosa. O capo não deseja, realmente, submeter-se ao tribunal das urnas antes de colher os frutos do desgaste de um governo de "salvação nacional" enredado na dupla teia do desastre econômico e das investigações da Lava Jato.

A razão política de Lula é ditada pelo imperativo categórico do interesse pessoal. Na primeira fase, cortejou veladamente a hipótese de um impeachment carente de fundamento político sólido. Na segunda, combate um impeachment indispensável para preservar a autonomia do sistema de justiça. Na terceira, simulará reivindicar eleições imediatas. A democracia triunfará se o TSE entregar o que, de fato, ele não quer.

 

Entre Dilma e a lógica, por Hélio Schwartsman

Como pensamos? Um modelo popular entre neurocientistas é o das redes neurais. Neurônios que disparam juntos formam uma conexão que se liga a outros neurônios e conexões, formando redes que podem ser ativadas por contiguidade. Se eu gosto de uma pessoa ou de uma ideia, elas integrarão um circuito em meu cérebro que, quando disparado, produzirá sentimentos positivos e inibirá o acionamento de redes concorrentes.

Isso explica por que o militante tem dificuldade em dissociar fatos de sentimentos. Numa ilustração do fenômeno, muitos comunistas se recusaram a acreditar nos crimes de Stálin, mesmo quando denunciados "de dentro" por Khrushchov. Entre uma verdade dolorosa e o investimento emocional e social que haviam feito na ideia de uma sociedade mais justa, ficaram com o segundo.

Algo parecido acontece com o impeachment. Simpatizantes do PT não conseguem ver as acusações contra Dilma como graves o bastante ou suficientemente provadas para justificar o afastamento. É uma posição compreensível do ponto de vista psicológico. Eu diria até legítima. O problema é que é difícil conciliá-la com a atitude que esses mesmos militantes adotaram em situações análogas.

Tomemos o caso Collor. Seu impeachment teve o apoio maciço da esquerda, que não parecia muito preocupada com os aspectos jurídicos do processo. Quando o caso foi avaliado de forma mais técnica pelo STF, o ex-mandatário foi absolvido por insuficiência de provas. Ora, se a lógica formalista que o PT defende hoje é a correta, então o partido participou em 1992 de um golpe contra um governo legitimamente eleito.

Se, como sustento, o impeachment é essencialmente um processo político, então o PT não precisa desculpar-se pelo que fez em 92 e, de novo, em 93 e 99, quando integrantes do partido pediram o impeachment de Itamar Franco e FHC. Entre Dilma e a lógica, fico com a lógica.

 

É romântico crer que momento de crise é propício para transformações (Oscar Vilhena Vieira)

Qualquer que venha a ser o resultado do imbróglio político em que estamos metidos, a ressaca será dolorosa. O esgarçamento do diálogo político, a degradação da economia e, sobretudo, a pressão decorrente da crise fiscal, com o colapso dos serviços públicos, imporão a quem quer que sobreviva enormes desafios.

Nos últimos meses surgiram ambiciosos projetos de reforma, que visam modificar o sistema político e reduzir os gastos públicos. Do ponto de vista político, há consenso de que o nosso flexível presidencialismo de coalizão foi lentamente se convertendo num presidencialismo de cooptação. Dada a alta fragmentação partidária e os elevados custos das campanhas, o sistema foi se tornando intrinsecamente ineficiente, dispendioso e corrupto (o que não reduz as responsabilidades dos envolvidos em mensalões, petrolões e outros lamaçais).

No que se refere aos gastos públicos, as chamadas despesas vinculadas passaram a ser o grande foco de preocupação. Por serem determinadas pela Constituição, reduzem a capacidade do governo de plantão de fazer os devidos ajustes em momentos de escassez.

A solução seria uma grande reforma constitucional? Fala-se na necessidade de convocação de uma constituinte exclusiva para reforma política. Outros reivindicam a redução de direitos sociais ou ainda flexibilização de direitos adquiridos.

Amplas reformas constitucionais, embora sedutoras, podem ser arriscadas. Há uma visão romântica de que momentos de crise são propícios para grandes transformações. Por mais que tenhamos aprendido sobre o funcionamento das instituições nas últimas décadas, ainda há pouca capacidade de prever a consequência da interação de determinadas opções institucionais com as variáveis econômicas e culturais de uma sociedade. Nesse sentido, o caminho mais seguro para o desenvolvimento sustentável da democracia, assim como da economia, continua sendo o das reformas incrementais.

Vejamos o sistema político. Nos últimos anos foram feitas mudanças importantes para reduzir o grau de delinquência na política: como a Lei da Ficha Limpa, da delação premiada, da transparência de dados, e mais recentemente as decisões do Supremo determinando a execução da pena após julgamento em segunda instância e a proibição de doações políticas por empresas.

Os resultados estão começando a surtir efeito. Assim, ao invés de abrir uma grande reforma, o melhor seria a adoção de uma sensata cláusula de barreira que, diminuindo o número de partidos, reduziria os custos de governabilidade.

No campo dos gastos públicos, a questão central é como compatibilizar as exigências de responsabilidade fiscal com a necessidade de assegurar acesso à educação, saúde ou saneamento; o que cortar? Ao invés de embarcar numa cruzada contra o frágil modelo de Estado de bem-estar, numa sociedade marcada por profundas desigualdades, as baterias deveriam se voltar à desconstrução das múltiplas formas de patrimonialismo. Deveríamos nos esforçar para distinguir entre direitos fundamentais, indispensáveis à construção de uma sociedade moralmente aceitável, de privilégios injustificadamente adquiridos, que só servem para ampliar a desigualdade e engordar setores parasitários da sociedade brasileira.

Que a ressaca nos induza à sobriedade e não a outro pileque.

 

PT discute lançar campanha pedindo novas eleições se Dilma for afastada (por MONICA BÉRGAMO)

O PT discute lançar uma campanha pedindo "diretas já" caso o impeachment seja aprovado no domingo e Dilma Rousseff seja posteriormente afastada pelo Senado.

SLOGAN
A ideia é sustentar que o mandato de Michel Temer, que assumirá interinamente até Dilma ser julgada, é ilegítimo e que "eleições já" seriam a melhor solução para a crise política.

TEMPERATURA
Lula tem demonstrado preocupação com o tom da reação do partido. Embora disposto a reagir, com mobilizações e discursos, ao que o PT chama de "golpe", ele já disse a interlocutores que "o Brasil está cansado".

BÍBLIA
A palavra de Lula, embora ainda tenha grande peso na legenda, não é tida mais como definidora do caminho a tomar, segundo integrante do partido.

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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