Desastre anunciado, editorial da FOLHA

Publicado em 17/12/2015 02:29
Em cinco anos, Dilma Rousseff desfez duas décadas de avanços na política econômica e deixou a sociedade exposta a uma tempestade perfeita que a arrasta para uma recessão cada vez mais profunda.

Não foi por falta de aviso. Há muito tempo o governo Dilma Rousseff (PT) sabe –ou deveria saber– que o descaso com as contas públicas levaria o país a deixar de ser considerado um destino seguro para investimentos internacionais.

Em setembro, a agência de classificação de risco Standard & Poor's retirou do Brasil o selo de bom pagador. Nesta quarta-feira (16), outra empresa, a Fitch, tomou a mesma decisão.

Por infeliz coincidência, o segundo rebaixamento da nota de crédito se deu no mesmo dia em que o Fed (o banco central dos EUA) resolveu subir o teto dos juros americanos (de 0,25% para 0,5%) pela primeira vez em quase uma década.

As consequências desse quadro são nefastas. Verdade que boa parte dos efeitos deletérios vêm sendo registrados há meses. Um deles se traduz no chamado risco Brasil (medida do preço de um seguro contra calote do país), que quase dobrou de junho para cá e é um dos maiores do mundo.

Ainda assim, alguns resultados da perda do selo de bom pagador podem ser reforçados. Fundos de pensão estrangeiros, por exemplo, muitas vezes têm estatutos que proíbem aportes em locais considerados arriscados por pelo menos duas das principais agências.

Mesmo os investidores internacionais que não se veem formalmente obrigados a se desfazer de mais papéis brasileiros se sentirão na prática compelidos a fazê-lo.

Isso porque as agências de classificação de risco, ainda que por vezes de forma tardia, resumem uma percepção geral: como a administração Dilma não se mostra capaz de interromper a explosiva trajetória de crescimento da dívida pública, cada vez menos gente confia na solvência do governo.

A fuga de recursos para o exterior reforça o processo de desvalorização do real, que por sua vez estimula o aumento da já elevada inflação (pelo repasse dos preços de produtos importados).

A alta de juros norte-americanos agrava a situação. Embora o mercado financeiro já se preparasse desde 2013 para a resolução do Fed, a nova taxa pode ampliar o fluxo de recursos para os EUA e intensificar a valorização do dólar diante da maior parte das moedas.

Diga-se que a elevação de 0,25 ponto percentual é em si mesma pequena; o Fed, ademais, reafirmou que os próximos passos serão lentos, argumentando que a inflação nos EUA permanece baixa e convém observar o impacto que terá a decisão atual.

Por causa disso, talvez alguns países até percebam certo alívio nas próximas semanas. Dificilmente, contudo, este será o caso do Brasil. Em cinco anos, Dilma Rousseff desfez duas décadas de avanços na política econômica e deixou a sociedade exposta a uma tempestade perfeita que a arrasta para uma recessão cada vez mais profunda.

 

Política e crédito no lixo

Por VINICIUS TORRES FREIRE

O desmoronamento de governo e Congresso é tamanho que a piora da economia devida ao descrédito extra do país tende a não ser muito notável. Além do presente desgoverno, há perspectiva de desgoverno adiante, de imobilismo no caso da permanência de Dilma Rousseff, de incerteza sobre o que restará da cúpula política e, portanto, de quem de fato assumirá o poder.

O rebaixamento da nota de crédito do Brasil, o aumento da taxa básica de juros nos Estados Unidos e a demissão provisória do ministro da Fazenda devem fazer com que o crédito para governo e, em particular, empresas se torne um tanto mais caro e escasso. No entanto, os donos do dinheiro grosso do mundo já haviam degradado o crédito do país, como de costume, por sua própria conta e aversão a risco.

Sempre se pode descer mais um degrau para o inferno financeiro, tal como aconteceu em setembro, por exemplo. Mas não foi o que acabou de acontecer. O próximo passo do fracasso dependerá da duração da paralisia ou de besteira pior que possa acontecer. Qual?

Não é possível nem especular, pois o sistema político está descontrolado, se esboroando a cada revelação de policiais ou procuradores, para nem falar de prisões. O governo, por sua vez, se debate em desespero e não tem nem ao menos plano do que fazer do mais elementar e urgente, a crise econômica. Do Planalto, começam a surgir boatos de uma "virada responsável à esquerda". O ambiente está propício a disparates e aventuras variados, do Congresso ao Planalto, passando pelas "ruas".

Isto posto, a piora adicional das condições de financiamento de governo e empresas é grave. O governo e suas empresas são agora, para muitos efeitos práticos e legais, um investimento de risco grande demais para ser tolerado por certos tipos de investidor estrangeiro. O efeito real e imediato, no dinheiro, é difícil dimensionar, pois não há um mapa de quem investe o que no Brasil. No entanto, a degradação extra do crédito parece diminuída pela ruína progressiva dos planos já diminutos do governo e das alternativas de poder.

Como se notou nesta semana, o PMDB começa a implodir ou partes deles estão minadas. Houve as batidas policiais nas casas de ministros peemedebistas. Houve a ameaça de batida na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros, cada vez mais cercado porque seus conhecidos cada vez mais caem no arrastão da Justiça. O PMDB do Rio vai sendo mais e mais arrastado no maelstrom de lama de Eduardo Cunha, que começa a respingar nas cercanias de Eduardo Paes, prefeito do Rio.

Como se percebeu ontem, o processo de impeachment caminhará no Congresso. Como se sabe faz semanas, o PMDB de Michel Temer arrebanha deputados para afastar a presidente. Como se tem notado pelo clima "das ruas" e das organizações da sociedade civil, o país está muito mais dividido quanto ao impeachment do que o grande desprestígio da presidente parecia indicar. O conflito a respeito da deposição de Dilma Rousseff causará estragos.

Esse tumulto prejudica o que resta de condições de governo e do rearranjo de forças políticas que, em qualquer caso, deem rumo ao país. Essa é a grande degradação, aí está o grande risco de mais ruína econômica.

 

Manifestações do Brasil

Por FERNANDO CANZIAN

As manifestações desta semana em São Paulo pró e contra o impeachment revelam muito sobre o Brasil.

O país atravessa um de seus momentos mais delicados. A quase depressão econômica deste ano mostra o quanto ainda podemos perder.

Na quarta (16) foi embora outro selo de "bom pagador", da agência Fitch. Em breve pode sair Joaquim Levy (Fazenda). Mais uma autodesmoralização de Dilma: Levy foi chamado para fazer o que a presidente resiste que seja feito.

A manifestação desta quarta foi organizada por movimentos sociais e sindicatos ligados ao PT. Levou 55 mil pessoas à Paulista, segundo o Datafolha. Havia duas outras pautas: a saída de Eduardo Cunha do comando da Câmara e o fim do ajuste fiscal.

Os manifestantes exigem uma guinada do governo à esquerda, com mais gastos sociais. Não ponderam que as contas arrumadas até 2013 ajudaram a produzir a histórica distribuição de renda patrocinada pelo PT na última década, com mais emprego formal.

Em 13 anos de PT, os gastos sociais saltaram do equivalente a 6,5% do PIB para 9,3%. Foi o gasto não financeiro que mais aumentou. Hoje, sem o crescimento da economia, ficaram insustentáveis. A volta do equilíbrio é urgente.

Os manifestantes defenderam ainda o socialismo e um "pacto do governo com o povo" para "inverter" o ajuste fiscal. A recessão atual seria produto desse ajuste que, na realidade, nem foi feito. A incoerência é grande.

Um detalhe: no entorno da Paulista havia vários ônibus que transportaram os manifestantes com suas camisetas e bandeiras.

Neste ano, sindicatos e centrais receberam mais de R$ 3 bilhões do imposto sindical, quantia obrigatória que sai de um dia de trabalho por ano dos assalariados (sindicalizados ou não). Em 2008, Lula autorizou esse repasse também às centrais. A CUT já embolsou mais de R$ 55 milhões em 2015, segundo a ONG Contas Abertas.

Já a manifestação de domingo (13), pró impeachment, foi a menor (40,3 mil, segundo o Datafolha ) e a mais desesperada das quatro na avenida Paulista em 2015. Em março, os anti Dilma levaram cinco vezes mais gente.

Sem tanta mobilização, o Movimento Brasil Livre comandou, do alto de seu caminhão de som em frente ao Masp, um evento grosseiro em vários momentos. Com xingamentos feios ao prefeito Fernando Haddad e a jornalistas citados nominalmente.

Um dos principais motes do evento foi "Papai Noel, salva o meu Natal". Os discursos e a reação do público foram muitas vezes rasos e, mais uma vez, grosseiros. Em tese, era a classe média alta informada que estava ali.

Um animador do movimento chegou a reclamar do fato de Haddad ter "colocado a PM" (comandada por Geraldo Alckmin, pró impeachment) em frente ao vão do Masp para impedir os manifestantes de se protegerem numa eventual chuva.

Em outro carro de som, de representantes da maçonaria, se alegava que a eleição de 2014 foi fraudada. A não existência do voto impresso seria prova disso.

É possível que 21 anos de regime militar tenham impedido muita gente de se envolver mais com a política no Brasil. A impunidade que se seguiu em relação a políticos corruptos e seus corruptores talvez tenha acentuado esse desinteresse, a falta de informação e os discursos mal-ajambrados.

As fortes críticas dos dois lados à mídia "golpista" e "petralha" talvez seja um grande sintoma disso.

*

A Folha publicou no último domingo (13) um especial sobre os 13 anos do PT na Presidência. Para quem não viu, vale a pena dar uma olhada:https://temas.folha.uol.com.br/pt-13/especial-pt-13/ 

 

Veloz e furiosa

Por SERGIO MALBERGIER

A hipercrise ganha velocidade alucinante. A velocidade terrível da queda, como diz Lobão. O antigo regime nunca esteve tão vulnerável. A Lava Jato, enquanto avança, se credencia como o Big Bang do novo Brasil.

A presidente Dilma é tão propensa ao erro que isso, nessa esfera, se transforma em virtude. Sob sua batuta, o Estado Velho implode, incapaz de reagir. Ela rege a desordem, a discórdia, o caos destrutivo e criativo.

Petistas reclamam que o governo não controla a Polícia Federal —é a incompetência positiva. Enquanto isso, na economia, a incompetência destrutiva impede qualquer reação populista efetiva. Não há dinheiro.

Em meio a toda essa inoperância, das entranhas da máquina pública, uma elite de servidores bem remunerados, bem formados e independentes, filhos da Constituição de 1988, investe contra o sistema sob o aplauso e nos ombros do povo.

Não foi o abraço que Lula e o PT deram no capitalismo que libertou o país do atraso eterno. Aquilo foi uma ilusão, não resistiu. O novo PT, agigantado em 2010 por um PIB crescendo a 7,5% e um Lula aprovado por 80% da população, se assumiu velho PT num governo liderado por uma burocrata brizolista, estatista, que nunca tinha ganho eleição ou feito política na vida. Aquilo deu nisso.

Dilma em cinco anos destruiu o caminho aberto a muito custo por Itamar, FHC e Lula. Desorganizou o país de um jeito que parece não ter conserto com ela no comando.

Tudo o que o governo faz parece fadado ao erro. Seu recurso ao Supremo Tribunal Federal contra a tramitação do impeachment, por exemplo, vai acabar legitimando e blindando o processo juridicamente. E, tudo indica, em termos desfavoráveis a Dilma. Mesmo o que o Planalto comemora, como a defenestração de Eduardo Cunha, joga a favor do impeachment pois o deputado, no comando da Câmara e do processo, o macularia.

Escrevo essa coluna tarde da noite desta quarta-feira alucinante de notícias, numa semana alucinante de notícias, que ainda não acabou, depois de voltar da manifestação pró-governo liderada por centrais sindicais e movimentos sociais. A legislação que o governo Lula aprovou transferindo bilhões de reais para as centrais foi um dos melhores investimentos que o PT fez com o nosso dinheiro. Estamos financiando os manifestantes governistas na Paulista, a maior parte mobilizados e uniformizados pelas centrais, sindicatos e outros movimentos organizados e tutelados. Mas eles não são a maioria. A maioria dos brasileiros, segundo as pesquisas, quer o impeachment.

O trem saiu da estação.

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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