Na FOLHA: País vive recesso sem precedentes, diz economista do BofA Merrill Lynch
O Brasil enfrenta a mais longa recessão da história e sem sinais de reversão desse quadro, segundo David Beker, chefe de economia e estratégia no Brasil do Bank of America Merrill Lynch.
"Nem na Grande Depressão [de 1929], quando tivemos duas quedas consecutivas do PIB, ocorreu algo dessa magnitude, com dois anos de mais de 3% [de recuo do produto]", diz. Beker projeta declínio de 3,3% do PIB em 2015 e de 3,5% em 2016.
"Vemos queda em todos os trimestres do ano que vem, menos no último, quando [a economia] começará a melhorar. Mas, olhando hoje, parece mais um desejo. O risco é de piorar ainda mais [as duas estimativas]."
A economia nunca esteve tão alavancada quanto hoje, lembra. "Não podemos dizer como será essa desalavancagem porque nunca ocorreu no Brasil, mas vimos em outros países que [o endividamento] gera um PIB maior na alta e um menor na baixa." A deterioração econômica tem sido muito rápida, assinala.
"O desemprego, que dobrou em pouco tempo, deverá continuar subindo até a metade do ano que vem. Está quase em uma fronteira, em que não gera mais inflação. Ela deverá cair para 6,4% em 2016, sem contar a Cide, que está ficando mais provável [e que elevaria o IPCA]."
Além da queda da inflação e dos juros, que deverão encerra 2016 em 12.75%, Beker lista a desvalorização do real entre os fatores positivos.
"O câmbio é o instrumento que temos para mudar esse modelo de crescimento. Ele voltou um pouco, o que foi ruim." O banco projeta um câmbio de equilíbrio em R$ 3,85 no ano que vem.
"Deverá fechar 2016 em R$ 4,5." Boa notícia mesmo é a procura de investidores estrangeiros por ativos no Brasil. "O telefone não para. Digo que o cenário está ruim e eles contam que têm horizonte de dez anos. Muitos negócios já saíram."
Quanto à perda do grau de investimento, já retirado pela S&P, não deverá tardar em outras duas agências de rating, que focam no comportamento da dívida pública.
"A Moody's havia dito que o início do processo de impeachment geraria incerteza. É provável que mude a perspectiva para negativa no curto prazo e tire o grau até a próxima visita ao país, em meados de 2016. Na Fitch, o rebaixamento poderá ocorrer já no primeiro trimestre."
Hiperinflação de infâmia
Por VINICIUS TORRES FREIRE
A arruaça de desclassificados que se viu ontem na Câmara confirma, como se fosse preciso, que estamos largados à própria sorte, azar, e o governo do país está à deriva. Governo também no sentido mais amplo, de responsabilidade por providências que não sejam apenas aquelas da burocracia ainda funcional ou de instituições de Estado que são pelo menos legalmente obrigadas a tomar certas decisões.
No entanto, apesar do esboroamento das instâncias legislativas e executivas da governança federal, algumas decisões e indecisões cruciais haverá, e o que resta do país, a vida real, continuará, se bestializada ou revoltada, não se sabe.
Aquele espetáculo repulsivo de ontem na Câmara expeliu como resultado uma vitória parcial dos adeptos da deposição de Dilma Rousseff. Dados o tamanho da convulsão, a incompetência e a pequenez das personagens envolvidas, não é improvável que ocorram reviravoltas desconcertantes, tal como essa carta de Michel Temer. Pode até haver medidas surpreendentes do Supremo Tribunal Federal.
Assim, tampouco se pode dizer que há uma tendência inevitável, algo como uma debandada de votos pelo impeachment. Menos ainda se pode predizer se tal tumulto transbordará para as ruas. O que parece mesmo inviável é o encaminhamento de votações de matérias elementares para a administração básica do país. Mesmo o desacreditado, malversado e fantasista Orçamento pode ficar para as calendas.
Não é o caso meio patético de dizer que "o Congresso não vai votar medidas essenciais para o ajuste fiscal". Esse "ajuste" não existe mais desde agosto. De resto, nem grande coisa seria aprovada. O maior e mais relevante remendo, a CPMF, era moribunda. O que sobrou para ser aprovado, enfim, não teria lá grande influência nas contas do governo, menos ainda na mudança de rumos da economia.
O problema maior é que não há nem ao menos uma perspectiva do que virá depois desse fracasso. Trata-se da incerteza dentro da incerteza. O descrédito no essencial da política econômica vem aumentando, e isso terá consequências.
As previsões são de deficit primários federais chegando até 2018 ou quase, de inflação baixando à meta apenas nesse ano ou no seguinte. Parece ninharia, dado o tamanho do desastre. Não é. Dada a previsão de economia estagnada até 2017, pelo menos, isso significa dívida em crescimento ainda mais explosivo.
Tamanha é a depressão da confiança, tamanha a desesperança, que a existência súbita de um governo poderia afastar a perspectiva horrível. No curtíssimo prazo, porém, a probabilidade maior é de deteriorações e mesmo tumultos.
Pode ser que o Banco Central eleve os juros na terceira semana de janeiro; pode ser que os créditos do país e de suas empresas sejam degradados para o lixo ainda antes do Carnaval, com risco de alterações maiores no câmbio, no financiamento ou na saúde das empresas. O desemprego pode ir além da taxa de 12% que já se prevê para o final do ano que vem.
O tumulto aprofundaria a recessão, o descrédito aumentaria a depressão de ânimos e o ciclo de problemas se realimentaria, com reflexos mais imediatos na vida do cidadão comum, nós. O risco é enorme.
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