PEC de demarcações de terras indígenas aumenta risco de conflitos, diz Cardozo

Publicado em 29/10/2015 06:13

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Por Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) - O governo brasileiro considera um risco à já instável situação entre povos indígenas e proprietários rurais a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição 215, aprovada nesta semana por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, que transfere ao Legislativo o poder de definir as demarcações das terras indígenas.

Em entrevista à Reuters, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que a proposta, além de inconstitucional, serve apenas para acirrar os ânimos em um situação potencialmente perigosa.

"Isso joga contra o próprio agronegócio. O acirramento do tensionamento com os grupos indígenas não ajuda ninguém, nem produtores, nem indígenas. É querer apagar fogo com querosene e correr o risco de se queimar", disse o ministro nesta quarta-feira.

"Não só não resolve o problema como incendeia. Todo o esforço que o governo vem fazendo hoje para fazer mediação, fazer com que as terras sejam demarcadas sem conflito e sem judicialização, acaba. Porque quando vai para a Justiça demora décadas para resolver e o conflito permanece."

A PEC foi aprovada na última terça-feira, apesar dos apelos do governo para que o texto não fosse votado, pela comissão especial criada para analisá-la, por 21 votos a zero, já que deputados do PT, PCdoB, PV, Psol e Rede, contrários à proposta, recusaram-se a participar da votação e deixaram a sessão em protesto.

O texto transfere do Executivo para o Congresso o direito de dar a palavra final sobre as demarcações. Os parlamentares terão a prerrogativa de aprovar todas as novas demarcações e ainda ratificar aquelas já homologadas, o que, na prática, permitiria ao Congresso revisar todas as áreas já demarcadas.

Para além do risco de aumentar um conflito que faz vítimas todos os anos --de acordo com os dados mais recentes, 15 indígenas foram assassinados em conflitos agrários em 2013-- o governo alega que a PEC é inconstitucional por usurpar um poder exclusivo do Executivo.

"A PEC transforma o cumprimento de uma questão técnica, que é dizer o que é ou não terra indígena, em uma questão política. Isso claramente é inconstitucional", afirmou Cardozo.

"Transformar a demarcação em uma questão de conveniência política traz um problema terrível. Porque ou as terras são indígenas ou não são. Não é uma decisão política ser ou não ser. A Constituição já disse o que é, são aquelas tradicionalmente ocupadas por populações indígenas."

O ministro reconheceu que hoje as demarcações que ainda restam dificilmente serão feitas pacificamente. Nessa área, o que podia ser feito sem conflitos já foi.

"O que permanece hoje são terras muitas vezes ocupadas por pequenos proprietários, grandes ou médios, que têm títulos e se sentem injustiçados quando há demarcação. Os índios, quando não têm a demarcação, se sentem injustiçados porque lhes é negado um direito. O governo tem ao máximo que mediar isso", afirmou o ministro.

Essa tem sido, explicou ele, a solução que o governo tem tentado adotar: criar mesas de mediação juntando agricultores, indígenas, Ministério Público e governos estaduais para que se tente chegar a um ponto comum. Cardozo admitiu que há sucesso em alguns casos, mas outros ainda não prosperaram. Ainda assim, diz que não há nenhuma solução que não passe pelo diálogo e um acordo entre todas as partes.

A PEC 215 está há 15 anos no Congresso, mas nunca tinha avançado. Neste ano, em uma legislatura em que a bancada do agronegócio ganhou força, a comissão especial para analisá-la foi finalmente criada e aprovou o texto em sete meses.

A avaliação do governo é de que dificilmente o texto terá os 308 votos necessários para passar no plenário da Câmara dos Deputados e será quase impossível obter os 49 votos exigidos no Senado Federal, mas a simples tramitação já causa perturbação suficiente.

Para tentar barrar a 215, o governo decidiu discutir a PEC 71, aprovada no Senado e encaminhada para a Câmara. Apesar de inicialmente ser contrário ao texto, que basicamente equipara a demarcação de terras a operações de desapropriação, prevendo que o governo pagará uma "prévia e justa indenização" aos proprietários de terra, o governo acredita que o texto pode ser ajustado.

"O governo vê muitas falhas, mas o espírito pode ser trabalhado e discutido numa pactuação. Há algumas inconstitucionalidades e situações que devem ser ajustadas, mas é uma PEC que pode ensejar uma discussão. E nós achamos que apenas uma pactuação em torno de uma mudança constitucional com produtores, governo, indígenas, Ministério Público, Judiciário, pode chegar a um bom termo", disse Cardozo.

"A 215 não admite discussão até pelo caráter simbólico, com uma das partes do conflito tentando impor a derrota ao outro."

O problema da PEC 71, explicou o ministro, é o fato de prever que a indenização seja paga antes da demarcação ser feita. Ainda assim, admitiu, o governo concorda que é possível, sim, indenizar proprietários que tenham títulos das terras onde vivem. É preciso apenas encontrar uma forma adequada.

O texto da 215 ainda precisa ser aprovado por duas vezes pelo plenário da Câmara e outras duas vezes no Senado para se tornar realidade. Se aprovado, poderá ser questionado no Supremo Tribunal Federal.

Agência Brasil: Em protesto contra a PEC 215, índios podem parar jogos em Palmas

A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 ontem (27), que transfere a decisão  final sobre demarcação de terras indígenas do Ministério da Justiça para o Congresso Nacional, provocou reações na vila dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMPI), em Palmas (TO). Em protesto contra a aprovação, algumas tribos pretendem paralisar competições hoje à tarde na Arena Verde.

“Hoje a gente está se articulando, algumas tribos, para fechar os jogos hoje para não ter nenhuma modalidade, para a gente se fortalecer e mandar uma carta daqui para Brasília. Não podemos celebrar uma festividade sabendo que nossas cabeças estão em jogo”, disse o líder indígena Ubiranan Pataxó. A PEC foi aprovada na comissão especial, da Câmara dos Deputados, criada para analisar o tema.

Um dos mais contrariados com a decisão é o cacique Daran Tupi Guarani. “Tenho certeza que não vai passar nas outras instâncias, mas se passar vai dizimar todo o nosso povo indígena. Estou muito triste”. O cacique disse que os indígenas vão pressionar “de uma forma justa e honesta” os parlamentares para barrar a aprovação dessa PEC em plenário, mas não descarta uma postura mais incisiva. “Se eles não ouvirem, vamos partir para guerra mesmo, aí não terá mais jeito. Os guerreiros estão preparados”.

Paulinho Paiakan, proeminente líder indígena no final dos anos 1980 e começo dos 1990, questionou a ausência dos índios nas decisões que os afetam diretamente. “Como é que você joga sozinho e dizer que ganhou? Deveriam abrir um espaço para o índio [na comissão] se manifestar antes de aprovar isso. Muita covardia fazer isso sem a nossa presença, sem o índio, que é interessado nesse assunto”.

Enquanto vários índios preparavam seus artesanatos para vender em mais um dia dos jogos, o cacique Emanuel Mamaindê, com semblante fechado, externava a preocupação com a decisão de ontem no Congresso Nacional. “A gente respeita muito vocês, mas vocês não estão respeitando a gente. A gente sente dor porque vai destruir a nossa mata. Nós votamos nos políticos, eles ganharam pelo nosso voto também. Por isso reclamamos, isso está errado”.

PEC 215

Aprovada na comissão especial destinada a analisar o tema, a PEC segue agora para votação nos plenários da Câmara e do Senado, com dois turnos em cada Casa. Para passar a valer, a proposta precisa ser aprovada por dois terços dos deputados e senadores.

Pela proposta, o Congresso Nacional passa a dar a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas e de remanescentes de comunidades quilombolas. O texto proíbe ainda a ampliação de terras indígenas já demarcadas e prevê a indenização de proprietários inseridos nas áreas demarcadas, ainda que em faixa de fronteira.

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Fonte:
Reuters + Agência Brasil

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