China se ajusta para fase de novo modelo de crescimento econômico

Publicado em 25/08/2015 14:59
Demanda por alimentos deve continuar e foco do governo se voltará ao consumo, diz especialista

A China, a maior compradora mundial de matérias-primas,  após os sinais de desaceleração de sua economia, passou a adotar medidas que possam - no curto, médio e longo prazos - promover uma retomada de seu crescimento. Nas últimas semanas, depois de  sequenciais desvalorizações do yuan, o Banco Central chinês anunciou uma redução nas taxas de juros e um afrouxamento nas taxas de compulsório pela segunda vez em dois meses. 

Os reais impactos desse momento de "pânico generalizado" e de preocupações crescentes, bem como a dimensão que esse quadro irá tomar, divide opiniões entre especialistas. 

"A bolsa (da China) está caindo porque ela já subiu muito. Entre agosto do ano passado e junho deste ano, a bolsa chinesa tinha subido 150% em dólar, nitidamente isso está fora do lugar. Assim, é natural que se veja um processo de queda. Então, a boa notícia é essa: está se desinflando uma bolha", explicou o economista chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito

Ainda de acordo com o economista, a China está testando novas formas de crescimento, sem definir metas tão elevadas, e caberá aos profissionais brasileiros se ajustar a esse cenário. "Cabe a nós brasileiros nos prepararmos para essa nova realidade da economia chinesa, que é menos commodities, que é talvez mais valor adicionado e serviços. Teremos que fazer essa mudança rápida das nossas exportações para a China", explica.

Dessa forma, para Perfeito, essas mudanças que se mostram latentes nesse momento devem ser encaradad como oportunidade para que o Brasil entre "em um processo de geração de valor agregado e abertura de novos caminhos em seu relacionamento comercial com a China".

Para o analista financeiro Miguel Daoud, essa reviravolta na economia mundial foi reflexo do "sentimento dos investidores no mercado futuro mundial de que poderá haver uma modificação na economia real do mundo como um todo, e eles então se antecipam". No entanto, afirma ainda que há de se ter cautela diante de momentos como esses, que podem não ser definitivos. "É um momento que preocupa sim, mas não para ficarmos apavorados. A demanda da China em relação à soja e outros produtos vai continuar, os preços é que estão se ajustando a esse novo movimento do mercado internacional", diz. 

Além disso, não só a demanda da China, mas dos principais países importadores, por alimentos deve ser favorecida pela recente queda do petróleo. Os futuros do ativo negociados em Nova York, nesta segunda-feira, perderam o patamar dos US$ 40,00 por barril pela primeira vez em anos, e valores mais baixos poderiam significar mais recursos para os importadores destinarem à compra de alimentos. 

“Só a China economiza US$ 300 bilhões com essa queda no preço do barril do petróleo, então eu diria que o mundo está se acomodando e está havendo um acerto das posições. Está havendo um ajuste pelo canal financeiro, que são os investidores posicionados no mercado futuro mundial, preocupados com duas coisas: crescimento da China e elevação de juros nos EUA, isso mexe com os preços das commodities”, explica Daoud. 

Em entrevista ao site Infomoney, Roberto Dumas Damas, economista e um especialista no gigante asiático, afirma que o período é realmente de remodelação do crescimento econômico no país. 

"(...) Então está claro que a China deve crescer entre 5% e 5,5% no futuro. Os investidores esperavam um estímulo fiscal como um possível corte de compulsórios depois da queda de sexta, mas ele não veio imediatamente. E isso faz sentido. A China precisa parar de investir tanto e começar a consumir. Este processo de rebalanceamento já está ocorrendo. Você precisa pegar os subsídios dados às empresas nos últimos anos e devolver à população. Parece que no mercado uns querem aproveitar e outros ainda não atinaram que o "soft landing" veio para ficar. A tendência não é de retomada das taxas de crescimento de 8%, 9%, e sim que vá para 5% ou 5,5%, o que bate em commodities e moedas da América Latina, como no Chile por causa do cobre e até em países mais desenvolvidos como a Austrália por causa do minério de ferro. Com relação às bolsas da China mainland, excetuando-­se Hong Kong, por elas serem muito fechadas ao investidor estrangeiro não há tanto impacto. O que o fato de Xangai cair mostra mesmo é que a expectativa de "soft landing" veio para ficar".

Damas diz também que o governo chinês se planeja agora para reajustar sua economia de modo a dar mais peso ao consumo e menos ao investimento. "O consumo se aumenta elevando a renda do trabalhador, o que prejudica a lucratividade das empresas, porque é mais custo para elas. E fazendo isso o governo chinês está no caminho certo", disse ao Infomoney, citando algumas formas que o país tem para "promover uma alta" nos salários dos trabalhadores. 

Assim, o economista afirma ainda em sua entrevista que, no Brasil, o setor que continuará encontrando melhores oportunidades neste cenário será o agronegócio. "Há um provável aumento da demanda por proteína animal e também não podemos nos esquecer da infraestrutura, uma vez que o chinês vai querer melhorar o escoamento dos alimentos para lá e, provavelmente, vai trazer mais investimentos nesta parte", disse.

Leia a entrevista na íntegra no site do Infomoney:

>> "Mercado não entendeu que China só vai crescer 5% a partir de agora", diz economista 

Impacto sobre a demanda 

Soja - O mercado da soja, em momentos como esse, é um dos mais comentados e questionados pelos investidores, analistas e, principalmente os produtores rurais. Afinal, a China é o maior comprador da oleaginosa brasileira e, neste ano, sua demanda está ainda mais concentrada na América do Sul - não só para o grão, mas também por seus derivados. 

A desvalorização das moedas, tanto do Brasil quanto da Argentina, frente ao dólar tem mantido a soja sulamericana mais atrativa para os compradores nesse momento e as exportações de ambos os países seguem evoluindo. De acordo com os últimos números da Secretaria de Comércio Exterior, nos 15 dias úteis de agosto, o Brasil já exportou 3,856 milhões de toneladas, com uma média diária de 257,06 mil toneladas. Em relação a agosto de 2014, a média é 31,1% mais alta. A receita gerada nesse período é de US$ 1.498,9 bilhão. 

Em 21 de agosto, a Administração Geral da Alfândega da China informou que foram importadas 9,5 milhões de toneladas em julho, 27% a mais do que no mesmo mês do ano passado, e o volume do mês foi recorde. "Eu acredito que a China continuará comprando soja em número crescente", diz Camilo Motter. 

O analista de mercado e economista da Granoeste Corretora explica ainda que, no último ano, o país comprou 70,3 milhões de toneladas, a avaliação deste ano - até julho - era de 74 milhões e, agora em agosto, o governo aumentou para 77 milhões, e para o próximo ano, a expectativa é de 79 milhões, de acordo com as últimas projeções do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos). 

"Obviamente que, desde então, tivemos muita turbulência na China, com a desvalorização cambial, e também agora muito mais perda nos ativos financeiros, o que afugenta investidores e pode ter uma implicação muito mais negativa sobre o crescimento. Não acredito que a China vai entrar em recessão tão cedo, mas ela irá crescer menos agora e nos próximos anos, porém, ela vai entrar em uma fase de acomodação do crescimento", explica Motter. "Mas, na questão alimentar, há uma prioridade do governo. Portanto, acredito que, mesmo que não se confirmem esses números do USDA, acredito em números crescentes em relação aos anteriores. Quando me refiro a ano anterior, acredito que a China vai continuar comprando mais ano a ano", completa. 

Óleo de Palma - Por outro lado, os especialistas que acompanham o mercado internacional do óleo de palma, por exemplo, olham a situação da China com certa preocupação. Os futuros do derivado, nesta terça, registraram seu quinto pregão consecutivo de baixa e algumas posições bateram em suas mínimas desde 2009, segundo informou a agência internacional de notícias Bloomberg. 

Os valores do óleo de palma este ano estão 16% mais baixos e seguem para sua quarta queda anual em cinco anos diante de um colapso nos preços do petróleo favorecendo o biodiesel como uma boa alternativa para matéria-prima. "Uma falta de direção do mercado aliada à fragilidade do mercado de commodities sugerem mais baixas. Irá piorar antes de melhorar", disse o executivo Paramalingam Supramaniam de uma corretora da Malásia à Bloomberg. 

Os estoques de óleo de palma da Malásia, maior produtor mundial, podem subir a 2,49 milhões de toneladas este mês, e esse poderia ser o maior volume desde janeiro de 2013, além de se aproximar do recorde de 2,63 milhões de toneladas de dezembro de 2012, como mostram números da Malaysian Palm Oil Board. A projeção vem em linha com a perspectiva, ainda de acordo com a agência internacional, de um aumento de 37% na produção do derivado nos primeiros 20 dias de agosto. 

A Bloomberg apurou ainda que os estoques globais de óleos vegetais deverão subir para 6,6 milhões de toneladas na temporada comercial 2015/16, enquanto a demanda deve crescer para 5,5 milhões de toneladas. Já a demanda por biodiesel poderá crescer 1,5 milhão de toneladas no próximo ano, depois de encolher pelo menos 1,5 milhão na temporada 2014/15.

 

Em VEJA: Instabilidade na China piora percepção de risco do Brasil

Além da desaceleração da China, Brasil é afetado por recessão econômica e política fragilizada, o que aumenta a percepção de risco do país

 

A turbulência que ecoou da bolsa chinesa para o mundo nesta semana sinalizou que o Brasil pode sofrer mais do que o previsto com a desaceleração do país asiático. O Brasil seria afetado não apenas porque a China consumirá menos e forçará a queda no preço de matérias-primas. O Brasil também tende a ser visto como um país mais arriscado.

O economista José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica como o contágio tende a ocorrer. "Nesta segunda-feira, ficou claro que a desaceleração da China aumenta o mau humor em relação a todos os emergentes, e o Brasil, que tem a economia em recessão e a política fragilizada, vai ser visto com mais desconfiança ainda", diz.

Senna vem acompanhando o Dólar Index (indicador que mede o desempenho do dólar ante várias moedas), o risco Brasil e a variação do real. Ao longo de todo o ano passado e no primeiro trimestre deste ano, não houve tendência definida entre eles. "Mas, a partir de 17 de julho, quando o presidente da Câmara anuncia o rompimento com o governo, passamos a sofrer com o ambiente político: o risco Brasil subiu e o dólar acompanhou", diz Senna. "A desaceleração da China agrava o quadro."

O mercado sinalizou que compartilha dessa percepção. Os contratos de proteção contra eventual calote brasileiro, os credit default swap (CDS), atingiram nesta segunda-feira, o nível mais alto desde 2009, acompanhando o movimento de aversão global aos riscos. O CDS do Brasil de cinco anos atingiu 370 pontos-base, o nível mais alto desde 13 de março de 2009.

Já o Ibovespa, principal índice da bolsa, fechou nesta segunda-feira com queda de 3,03%, no menor patamar em mais de seis anos, influenciado pela onda de pânico que dominou os mercados globais por temores ligados à desaceleração da economia chinesa. O giro financeiro totalizou 7,3 bilhões de reais. Nesta terça-feira, no entanto, o Ibovespa reagiu, e, por volta das 10h40 subia 1,83%, aos 45.149 pontos.

Outro fator que preocupa é o preço das matérias-primas, que tende a ser afetado de diferentes maneiras. "Brasil e China vinham adotando modelos de crescimento quase opostos: no Brasil, prevalecia o consumo como motor, na China, o investimento; agora a China se volta para o consumo", lembra Raul Velloso, especialista em contas públicas que acompanha o cenário internacional para medir os impactos sobre a economia local. 

 

Para cima e para baixo, “made in China”, por Caio Blinder (de N. York):

Com a “segunda-feira negra” nos mercados globais, a semana começou com alta intensidade, alta volatilidade e momentos de pânico (será que estamos em outubro de 1929? Em setembro de 2008?). O guru financeiro Ruchir Sharma, do banco de investimentos Morgan Stanley, é metódico na sua perspectiva histórica. O fato é que o mundo entra no sétimo ano de uma morna recuperação (sendo redundante, estamos falando em termos globais e não localizados) e já é tempo de perguntar: quando terá lugar a próxima recessão e quem será responsável?

Uma recessão global tem acontecido a cada oito anos nos últimos 50 anos. Os sinais mostram que a próxima será “made in China”. Será um proeza histórica (é o preço de estar na primeira divisão). Afinal, os EUA têm sido o maior contribuinte para a expansão e para a contração da economia global. Desde a recessão de 2008/2009, pela primeira vez na história recente, outro país foi o maior contribuinte para a expansão global. A China foi responsável por 1/3, enquanto os EUA por 17%.

O mundo acompanha e fica aflito com a crônica de uma crise adiada, em uma trama “made in China”. O negócio do comando comunista é controlar tudo e até onde deu foram adotados pacotes de estímulos e políticas intervencionistas. A meta é fazer a transição para uma economia mais sustentável, com menos foco nas exportações e mais no mercado doméstico. Uma transição sem paralelo desde as reformas econômicas adotadas por Deng Xiao Ping no final dos anos 70,  talvez ainda mais difícil.

Agora, é esta encrenca: fazer mais reformas e reequilibrar a economia enquanto se tenta manter uma taxa irrealista de crescimento se revelam metas incompatíveis. A meta de crescer 7% foi inflada com bolhas de crédito, do mercado imobiliário e mais recentemente da bolsa de valores. Para segurar as pontas, nas últimas semanas ocorreram intervenções cambiais e no mercado de ações.

Elas não surtiram efeito, mas é possível que novos lances de estímulo sejam tentados, apesar do choque de credibilidade do governo de Xi Jinping, o mais poderoso dirigente chinês desde Mao. Ele e seus apaniguados (e olha, que muita gente foi expurgada nos últimos tempos na cruzada contra a corrupção) não se revelam como os competentes gerentes econômicos cantados em verso, prosa e propaganda.

Em meio a estas injeções que não reaminam o paciente (e, na verdade, criam mais pânico), os sinais são de que no primeiro semestre a economia não teve uma expansão de 7%, conforme apregoado pelas autoridades, mas algo como 5%, o que, para os padrões chineses e das expectativas mundiais, é desolador. Não custa lembrar como esta encrenca chinesa está custando para os fornecedores de commodities como o Brasil.

O superguru Ian Bremmer, da consultoria Eurasia, arrisca outro cenário. Ele não se mostra alarmista. Aponta as “turbulências do verão” na China, mas insiste que o regime tem dinheiro e ferramentas para estabilizar os mercados e estimular a economia. Ele ainda aposta que será a década da China (no bom sentido e não no mau, sinalizado por Ruchir Sharma).

Bremmer me parece muito otimista e determinista sobre a China. O regime tem esta determinação para controlar o passado (com o revisionismo histórico), o presente e o futuro, mas não dá para ser onipresente. O regime chinês, com mais intensidade do que outros atores políticos e econômicos, quer  atuar com uma irrealista meta de estabilidade e isto se revela mais inalcançável do que nunca.

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Por:
Carla Mendes
Fonte:
Notícias Agrícolas + VEJA

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1 comentário

  • GUILHERME LEÃO Gurupi - TO

    Há oito meses a agência de notícias Reuters já anunciava um corte de investimentos em infra-estrutura, e o repasse para a setor de consumo alimentício, visando a segurança alimentar em seu sentido amplo... É uma grande tendência dos países emergentes..., portanto, investimentos mais crescimento populacional, igual aumento de demanda.

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