"Nunca antes na história se roubou tanto nesse país", diz FHC. E Dilma morde a isca...
Dilma morde a isca da interrupção do mandato, por Josias de Souza (UOL)
O retrato de um governo é o que sobra para ser desenterrado muitos anos depois. No futuro, quando a arqueologia política fizer suas escavações à procura de documentos e objetos que ajudem a entender a decomposição da Era petista, encontrará em meio aos destroços desta segunda-feira, dia 6 de julho do ano da graça de 2015, um quadro revelador.
O quadro mostra a caída em si de Dilma Rousseff, o exato momento em que ela morde a isca do seu infortúnio. Às vésperas de uma viagem à Rússia, a rainha frágil convoca uma reunião de emergência com os áulicos do reino, para tentar entender porque diabos seus cortesãos decidiram se entender com a oposição para apeá-la do trono. Ao fundo, o vice-rei Michel Temer anuncia aos repórteres que a soberana está “tranquila”.
Os arqueólogos talvez apresentem esta cena como um marco da derrocada da dinastia inagurada 13 anos antes por Lula. Saída das provetas do monarca, num laboratório improvisado nos subterrâneos do palácio, a criatura exasperou-se ao notar que seu 2º reinado, com escassos seis meses de existência, definhava. Dependendo de como reagisse, não poderia viajar tranquila nem para visitar o companheiro Evo Morales, na vizinha Bolívia.
As conclusões dos arqueólogos serão reforçadas quando deitarem os olhos num vídeo gravado na véspera. Nele, o petista José Eduardo Cardozo, encarregado dos negócios da Justiça, declara em entrevista: “É de um profundo despudor democrático e de um incontido revanchismo eleitoral falar em impeachment da presidente como têm falado alguns parlamentares da oposição. O desejo de golpe, sob o manto da aparente legalidade, é algo reprovável do ponto de vista jurídico e ético.''
A entrevista de Cardozo será apresentada no futuro como um instante bizantino. Embora chefiasse a Polícia Federal, ele via mais despudor no debate democrático do que nas arcas eleitorais da rainha, contaminadas pelas doações podres do companheiro-delator Ricardo Pessoa. Mais: embora convivesse com aliados como Renan Calheiros e Eduardo Cunha, Cardozo atribuía toda a eletrificação da conjuntura às forças retrógadas do tucanato. Não percebeu que, até aquele momento, a turma do ex-monarca FHC jogava parada. É Bizânzio no seu estado mais puro, concluirão os arqueólogos.
(por Josias de Souza, no UOL)
A crise econômica é grave, mas nada é tão deletério como a ruindade política de Dilma e de seu círculo próximo
Não tem como! Não há Michel Temer que dê jeito. Refiro-me ao ex-presidente da República e presidente do PMDB, que responde pela coordenação política do governo na relação com o Congresso e com os demais partidos da base. Não há nada que consiga vencer as tolices feitas pelo núcleo mais próximo de Dilma, que a empurra para fazer notáveis bobagens. A que me refiro desta feita?
Neste domingo, o PSDB realizou a sua Convenção Nacional. Oficialmente, o partido não falou no impeachment, mas é evidente que os discursos foram muito duros. Todos os líderes bateram com punhos de aço: Aécio Neves, Geraldo Alckmin, José Serra, FHC e os representantes do partido no Congresso. Pergunta óbvia de resposta idem: a presidente esperava o quê? Elogios?
Um governo, quando bem sucedido, costuma ser alvo dos adversários. Imaginem, então, este que temos. Embora tucanos tenham lidado com a hipótese de Dilma antecipar sua saída, o partido não pediu o impeachment. O correto teria sido o Planalto fazer silêncio a respeito da convenção tucana — ou, sei lá, emitir, no máximo, uma nota.
Mas não! Dilma decidiu convocar uma reunião de emergência — por que emergência? — com presidentes e líderes de partidos da base. Para quê? Segundo consta, ela pretende acalmar os aliados e cobrar deles que a defendam no Congresso, dado “esse clima de impeachment”.
É muito impressionante! A primeira pessoa que não deveria nem mesmo tocar em tal palavra é… Dilma. Ainda que mobilizasse seus aliados mais próximos para fazer essa defesa, esse é o tipo de coisa que se faz de forma discreta, sem acusar a preocupação. Ora, ontem, a convenção do PSDB tinha um peso — relevante, sim; afinal, trata-se do maior partido de oposição. Mas, agora, esse peso aumentou muito.
Em entrevista à Folha, publicada nesta segunda, José Eduardo Cardozo (Justiça) já havia espancado a ordem político-jurídica, sugerindo ser “golpe” o que, lá vamos nós, é só o exercício da lei.
A crise econômica é grave, sim. Mas nada é tão deletério para o país e para o próprio governo como a ruindade política de Dilma e daqueles que a cercam.
Definitivamente, ela não é do ramo.
Por Reinaldo Azevedo
FHC usa erosão de Dilma para se vingar de Lula (Josias de Souza - UOL)
“Eu ouvi durante 13 anos, quase sempre silenciosamente, alguém que dizia nunca antes na história. É verdade. Nunca antes na história se roubou tanto nesse país.” Ao parafrasear Lula na convenção nacional do PSDB, Fernando Henrique Cardoso parecia retirar um peso dos ombros. Soou como se enxergasse na erosão de Dilma Rousseff uma vingança retroativa por todos os ataques que Lula lhe fez desde 2002.
“Eu ouvi dizer que privatizar era um crime”, tripudiou FHC, evocando outra obsessão que Lula atravessou na sua garganta. “Agora, vejo que o governo, premido pelas circunstâncias, apela para a iniciativa privada, porque no mundo de hoje tem que haver cooperação entre o Estado e o setor privado, para que a sociedade possa se beneficiar.”
Aécio Neves, último a discursar no evento que o reelegeu presidente do PSDB, ecoou FHC: “Aqueles que sempre nos acusaram de privatistas agora, sem qualquer constrangimento, colocam importantes ativos da Petrobras à venda, entregando o patrimônio dos brasileiros na bacia das almas.”
Marconi Perillo, que ocupara o microfone antes de FHC e Aécio, também tratara do tema. O governador tucano de Goiás, antigo desafeto de Lula, chamara o rival de “canalha”. E emendara:
“Tenho refletido muito nos útimos dias sobre o petrolão. Fico pensando: imagine se o presidente Fernando Henrique não tivesse tido a coragem de privatizar a Vale, a CSN, a Embraer, as teles. Imaginem essas empresas nas mãos dos governos do PT. Não sobraria nada!”
Logo que tomou posse pela primeira vez, em 2003, Lula usou contra FHC uma tática manjada na política: personalizou. Para tomar distância de dificuldades econômicas que incluíam uma taxa de inflação superior a 12%, Lula grudou no antecessor a pecha de administrador ruinoso. Acusou-o de lhe deixar uma “herança maldita”.
Hoje, FHC insinua que, em verdade, seu rival estava atrás de um demônio que o eximisse de todo o exame do mal, a começar pelo mais difícil, que é o autoexame: “Ouço às vezes o Lula dizer que ele pegou o Brasil, em 2003, com 12% de inflação. É verdade. Sabe por quê? Porque, em 2002, todo mundo tinha medo que o Lula ganhasse. Ele ganhou e enfrentou a crise dele.”
Ao transformar FHC numa espécie de demônio de estimação, Lula constrangeu o tucanato. A tal ponto que o PSDB manteve FHC e seu legado trancados no armário por pelo menos 12 anos. FHC foi praticamente ignorado em três campanhas presidenciais: duas de José Serra e uma de Geraldo Alckmin. O armário só foi integralmente aberto no ano passado, quando Aécio Neves devolveu o sábio do ninho à vitrine, enaltecendo-o.
O governador paulista Geraldo Alckmin fez neste domingo, um afago tardio na alma de FHC. Algo que não fora capaz de encenar quando disputou a Presidência com Lula, em 2006. “Quero dizer, presidente Fernando Henrique, que por onde tenho andado eu ouço o povo. E o povo brasileiro está com saudade do governo Fernando Henrique.”
Referindo-se à reeleição de Dilma como “o maior estelionato eleitoral de que foram vítimas os brasileiros”, Alckmin ironizou o esforço que Lula vem fazendo para se dissociar de sua criatura. “O Lula quer colocar seus próprios erros nos ombros do povo. Isso tudo para salvar a sua cabeça. Mas ora, Lula, o povo brasileiro não é bobo.”
FHC tratou Dilma, última obra da gestão Lula, como uma tragédia nunca antes vista na história desse país. “Eu me recordo de situações muito difíceis do Brasil, desde a queda de Getúlio Vargas, em 1954. Eu já era professor da Universidade de São Paulo. Assisti o que aconteceu naquele momento e posteriormente.”
Sobrevieram “várias crises, de todo tipo. Algumas militares. Outras civis. Vi a tragédia da renúncia do Jânio Quadros. Vi as dificuldades de manutenção de um governo como o de Jango Goulart, que se estava esvaindo por falta de apoio político. Eu era senador quando houve o impeachment do então presidente Fernando Collor.”
Depois de enfileirar as crises do passado, FHC disse enxergar ao redor de Dilma uma encrenca ainda maior. “Eu raramente vi um momento como esse em que se acumulam crises de vários tipos. A crise econômica, cuja expressão mais direta é o sofrimento do povo, é o desemprego. O Congresso fragmentado. Um sistema que, no começo, se chamava de presidencialismo de coalizão e, hoje, é de cooptação, de compra. Estamos assistindo à desmoralização do funcionamento do atual sistema político e, simultaneamente, o início de um mal-estar social que tem tudo para se agravar. Tudo isso e mais a paralisia do Executivo. É muita crise ao mesmo tempo.”
Nos seus dois mandatos, FHC também atravessou crises. Lula e Dilma dizem frequentemente que os dois mandatos do tucano não foram limpos, mas mal investigados. O procurador-geral era chamado de “engavetador-geral”, Dilma ficou rouca de tanto repetir na batalha que travou com Aécio no ano passado. Nesse enredo, escândalos como o da compra de votos da reeleicão e o das privatizações trançadas “no limite da irresponsabilidade” foram enterrados vivos.
No varejo, FHC também sucumbiu sem muitas ressalvas ao fisiologismo. Fez isso com uma pitada de erudição. Alegou que a realidade o obrigara a sopesar as duas éticas de que falava Max Weber. Convenceu-se de que, para governar, tinha de trocar a pureza da ética da “convicção” pela conveniência da ética da “responsabilidade.” Disso resultou, por exemplo, que Renan Calheiros foi seu ministro da Justiça. E Jader Barbalho aparelhou um órgãos como a Sudam, convertido em usina de bilionários desvios.
Sob Lula, o modelo da cooptação foi levado às fronteiras do paroxismo. As bombas que explodem no colo de Dilma foram armadas nas suas administrações. Uma delas, o petrolão, pode custar o encurtamento do segundo mandato da presidente, acredita FHC.
Em reunião realizada no apartamento do senador tucano Tasso Jereissati, horas antes do início da convenção do PSDB, FHC recordara um diálogo que tivera com Itamar Franco na época em que ele era vice-presidente de um Fernando Collor em franca decomposição. “O Itamar me perguntou o que eu achava que iria acontecer. Eu respondi: ora, Itamar, você vai ser presidente da República.”
Hoje, o tucanato aposta no abreviamento do mandato de Dilma. Não pela via do impeachment, mas por meio de uma cassação decretada pela Justiça Eleitoral. O empreiteiro-delator Ricardo Pessoa será inquirido no próximo dia 14 numa ação que o PSDB move no TSE contra Dilma e seu vice Michel Temer por abuso do poder político e econômico na campanha presidencial do ano passado.
No desfecho idealizado no encontro do apartamento de Tasso, o PSDB participaria do jogo parado, esperando pela convocação de novas eleições. “Nós não somos os donos, nesse momento, do que vai acontecer nas semanas seguintes, nem nos meses seguintes”, afirmou FHC.
A saída, acrescentou o ex-presidente tucano, “não pode ser outra, senão no absoluto respeito à Constituição. Respeitada a Constituição, que o devido processo legal avance e que se punam aqueles que roubaram o país. Isso é fundamental para que nós regeneremos a confiança em nós mesmos.” Em privado, FHC diz que a apuração não deve parar em Dilma. Precisa alcançar seu criador.
No fundo, tudo é uma questão de saber que flagrantes de seus presidentes a história do Brasil realçará quando a posteridade puder falar. A posteridade pode ser traiçoeira. Mas FHC acha que seu verbete será mais vistoso que o de Lula. Num, o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal terão mais destaque do que as perversões políticas. Noutro, os escombros das ruínas de Dilma soterrarão os feitos do seu mentor.
Cargos e lealdade
A distribuição dos cargos de confiança em diferentes escalões do governo federal, país afora, continua sendo o centro das desavenças entre PT e PMDB.
A coordenação política estima que existam 25 000 cargos federais de confiança em todo o país. Desses, a maioria está com o PT. Há doze anos e meio é assim. Agora, raciocina um peemedebista, a tentativa do PMDB é transformar um governo de coalizão num governo de cargos de coalização.
Ou seja: o bolo tem que ser realmente repartido.
A resistência não é só do PT, mas de todos os partidos que já tinham encrustados seus domínios. A redistribuição mantém feudos, mas viola outros. Daí a instabilidade.
Do outro lado da história, o governo e especialmente o PT cobram resultados de Michel Temer, lembrando que o governo continua sendo derrotado, a exemplo do reajuste do Judiciário – apesar de os cargos estarem sendo entregues.
Por Lauro Jardim
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