EDITORIAL DA FOLHA: Problemas transpostos (sobre a transposicao do Rio S. Francisco)
As obras de transposição do rio São Francisco, quando terminadas, serão um grandioso exemplo de realização da engenharia moderna. Quase 500 km de canais, aquedutos, túneis, reservatórios e estações de bombeamento prometem levar água a 12 milhões de pessoas no semiárido nordestino.
Serão também, e de forma ainda mais eloquente, retrato monumental dos males crônicos que afetam a administração pública brasileira.
A incompetência para cumprir prazos é o primeiro deles. Quando presidente, Lula prometeu entregar as obras da transposição em 2010. A data, no entanto, foi postergada duas vezes; no governo Dilma Rousseff, estima-se a conclusão da empreitada para 2015.
Não parece um cálculo ponderado. Os trabalhos começaram em 2007 e, até aqui, de acordo com o Ministério da Integração Nacional, apenas 47% foram concluídos.
Noutra lamentável rotina da gestão pública, a previsão de gastos também se dilatou com o tempo. Saltou de R$ 4,6 bilhões para R$ 8,2 bilhões, tornando o projeto excessivamente custoso diante de alternativas que poderiam ter sido consideradas, como a instalação de 1,2 milhão de cisternas.
Resta patente, por fim, o descaso com o planejamento, capaz de se manifestar de forma assombrosa mesmo em um projeto de tão grande porte como o da transposição.
Decorridos seis anos desde o início das obras, ainda não há resposta sequer para uma das questões mais básicas e importantes, a saber, quanto custará, para o consumidor, o metro cúbico da água.
Permanecem dúvidas, ademais, sobre como os Estados beneficiados darão a necessária continuidade às obras federais para que as águas cheguem às populações do Ceará, da Paraíba, de Pernambuco e do Rio Grande do Norte. Estão sob a responsabilidade da União apenas os dois eixos principais.
As administrações estaduais deveriam dar capilaridade à rede hidrográfica, conduzindo-a às zonas rurais, onde se faz mais necessária. Não é certo, contudo, de que forma --e se-- isso ocorrerá.
Como esta Folha mostrou ontem, Pernambuco se comprometera, em janeiro, a construir, com recursos federais, o Ramal do Agreste, para distribuir água no Estado. Em agosto, porém, devolveu à União a responsabilidade pela obra, alegando "questões de celeridade". Até o momento, não foi feita a licitação para esse adutor.
São problemas demais para qualquer projeto --ainda mais para um tão caro e que tem o propósito de combater os graves problemas sociais causados pela seca.
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