Fala Produtor - Mensagem

  • EDSON GONÇALVES MUSSIO Iacri - SP 28/01/2010 23:00

    *Carta do Zé - (Vale refletir com cuidado e atenção):

    Existem por aí milhares de Zés implorando um pouco de atenção do poder público, apenas para produzir e ganhar o seu sustento. Não estão atrás de Bolsas Família, só de paz para continuar seu árduo e não reconhecido T R A B A L H O.

    Carta do Zé, Agricultor para Luis, da Cidade.

    Luis, quanto tempo!

    Eu sô o Zé, seu colega de ginásio noturno, que chegava sempre atrasado, purque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né?

    O Zé do sapato sujo? Tinha professor e colega que nunca intenderu que eu tinha de andá a pé mais de meia légua pra pegá o caminhão, por isso o sapato sujava.

    Se não lembrou ainda eu ajudo. Lembra do Zé Cochilo?... hehehe, era eu. Quando eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormi já era mais de meia-noite

    De madrugada o pai pricisava de ajuda pra tirá o leite das vaca. Por isso eu só vivia cum sono. Do Zé Cochilo ocê lembra né Luis?

    Pois é. Tô pensano em mudá pra vivê aí na cidade qui nem ocêis. Não que seja ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que acho que tô istragando muito a sua vida e a de seus amigo aí da cidade.

    Tô veno todo mundo falá qui nóis da agricultura tamo distruino o meio ambiente.

    Veja só. O sítio do pai, que agora é meu (num contei, ele morreu e tive que pará de istudar) fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matuto daqui já têm luz em casa, mais eu continuo sem tê purque num pode

    fincá os poste por dentro, numa tal de APA que criaru aqui na vizinhança.

    Minha água é dum poço que meu avô cavô há muitos ano, uma maravilha, mais um homem do governo veio aqui e falô que tenho que fazê uma otorga da água e pagar uma taxa de uso, purque a água vai se acabá. Si ele falou deve de sê verdade, né Luis?

    Pra ajudá com as vaca de leite (o pai se foi, né ...) contratei o Juca, filho dum vizinho muito pobre, aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandô. Ele morava aqui com nóis, num quarto dos fundo da nossa casa. Cumia com a gente, que nem da família. Mais vieru umas pessoa aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaru que, si o Juca fosse tirá leite das vaca às cinco hora, tinha que recebê hora extra noturna, e que num podia trabalhar nem Sábado nem Domingo, mas as vaca daqui num sabe os dia da semana, aí num param de fazê leite. Ô, os bicho aí da cidade sabe se guiá pelo calendário?

    Essas pessoa ainda foru ver o quarto do Juca, e disseru que o beliche tava dois centímetro menor du que divia. Nossa! Eu num sei como encumpridar uma cama, só comprando otra né Luis? O candieiro, eles disseru que num podia acendê no quarto, que tem qui sê luz elétrica, que eu tenho que tê um geradô pra tê luz boa no quarto do Juca.

    Disseru ainda que a comida que a gente fazia e comia junto tinha que fazê parte do salário dele. Bom Luis, tive que pedi o Juca pra voltá prá casa, desempregado, mas muito bem protegido pelo sindicato, pelos fiscal e pelas lei. Mais eu acho que num deu muito certo, não. Semana passada me disseru que ele foi preso na cidade porque botô um chocolate no borso no supermercado. Levaru ele pra delegacia, bateru nele e num apareceu nem sindicato nem

    fiscal do trabalho para acudi ele. Depois que o Juca saiu, eu e Marina (lembra dela, né? casei) tiramo o leite às cinco e meia, aí eu levo o leite de carroça até a bêra da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia. Isso se num chovê. Se chovê, perco o leite e dô pros porco, ou melhor, eu dava, hoje tenho de jogá fora porque os porco eu não tenho mais. Dia desse veio otro homem e disse que a distância do chiqueiro pru riacho num podia sê só vinte metros. Disse que eu tinha que derrubá tudo e só fazê chiqueiro depois dos trinta metro de distância do rio, e ainda tinha que fazê umas coisas prá protegê o rio, um tar de biodigestor. Achei que ele tava certo e disse que ia fazê, mais só que eu sozinho ia demorá uns trinta dia prá fazê. Então assim ele me murtô e, pra podê pagá eu tive que vendê os porco, as madeira e as teia do chiqueiro. Fiquei só com as vaca. O promotor disse que desta veiz, por esse crime, ele num vai mandá me prendê, mais me obrigô a doar seis cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luis, aí, quando ocês sujam o rio também pagam murta grande né? Agora, pela água do meu poço eu até posso pagá, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora, o rio todo deve sê igual como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lado. As vaca agora num pode chegá no rio pra num sujá, nem fazê erosão. Tudo vai ficá limpinho como os rio aí da cidade. A pocilga já acabô, as vaca num pode mais chegá perto. Só que arguma coisa tá errada: quando vô na capital num vejo nem mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida e lixo boiando prá todo lado.

    Mas num é o povo da cidade que suja o rio, né Luis? Quem será? Aqui no mato agora, quem sujá tem murta grande, e dá até cadeia. Cortá árvore intão? Minha Nossa Sinhora!. Tinha uma grande, do lado da minha casa que murchô e tava

    morreno. Intão resorví dirrubá ela prá aproveitá a madêra antes dela caí por cima da casa.

    Fui no escritório daqui pedí autorização. Como num tinha ninguém, fui no Ibama da capital, preenchi uns papel e vortei prá isperá o fiscal vim fazê um laudo, prá vê se depois podia autorizá. Passaru oito mes e ninguém apareceu pra fazê o tar laudo. Aí eu vi que o pau ia caí em cima da casa e dirrubei. Pronto! No otro dia chegou o fiscal e me murtô. Já recebi uma intimação do Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porco, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficá preso.

    Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá murta de quinhentos a vinte mil real por hectare, e por dia! Carculei que si eu fô murtado eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vendê, e ir morá onde todo mundo cuida da ecologia.. Vô prá cidade! Aí tem luz, carro, comida, rio limpo! Olha, num quero fazê nada de errado, só falei dessas coisa purque tenho certeza que a lei é pra todos.

    Eu vô morá aí com ocês, Luis! Mais fique tranqüilo, vô usá o dinhero da venda do sítio, primeiro pra comprá essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu tenho que pegá tudo na roça. Primeiro a gente planta, curtiva, limpa e só depois colhe pra levar pra casa. Ai é bom purque procês é só abrí a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca é só abrí a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nóis, os criminoso aqui da roça.

    Até mais Luis.

    Ah, descurpe Luis, num pude mandá a carta em papel reciclado pois num tem por aqui não, mais aguarde até eu vendê o sítio.

    *(Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desigual e discricionário como muito do que se tem criado para realçar e incentivar a desagregação social entre ricos e pobres, pretos e brancos, etc ... enfim, entre o meio rural e o meio urbano.

    Infelizmente hoje não se pratica tudo que sempre se pregou e pelo que muitos lutaram duramente durante mais de vinte anos. Uma pena o tempo perdido ...)*

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