Fala Produtor - Mensagem

  • Sind. dos Produtores Rurais de Boa Esperança e Campo do Meio Boa Esperança - MG 17/08/2009 00:00

    Ouvidos Moucos -Enfrentamos na cafeicultura um grande período de instabilidade social e econômica, ocasionado por graves dificuldades estruturais, e não tem havido condições subjetivas e objetivas para encontrar soluções. Em situações emergenciais, como as de hoje, as tábuas de salvação a que em primeiro lugar nos agarramos são as menos aptas a produzir os efeitos desejados.

    Para entendermos o que ocorre hoje, precisamos voltar ao passado, mais precisamente em 1902, quando os baixos preços levaram o governo a proibir o plantio de café por 5 anos. Durante muitos anos o café foi a mola propulsora da nossa economia, chegando a representar até 80% da pauta de exportações.

    A intervencão do Estado era muito forte, chegando até mesmo a queimar a impressionante quantidade de 78,21 milhões de sacas de café de 1931 a 1944 e ainda outros 10,0 milhões de 1959 a 1962.

    Tivemos até hoje planos e mais planos, marchas e contra-marchas. Recentemente, tivemos retenções, leilões, EGFs, AGFs, Pepros, estoques reguladores remanescentes e ainda vários outros malabarismos econômicos.

    A globalizacão é uma realidade; hoje o Brasil detém apenas 1/3 da producão mundial, e não pode mais fazer política isolada para o mundo.

    A crise do momento é de natureza emergencial, mas tem raízes estruturais. O Mercado brasileiro vem mudando desde que novas áreas de produção apareceram, mais especificamente áreas de café Robusta da Ásia, o que ocorreu a partir de 1995, quando países do primeiro mundo, entre eles, França e Alemanha, incentivaram a produção, especialmente no Vietnan.

    Naturalmente que, tirando o pretenso objetivo social, tinham em mente o abastecimento do mercado, com um produto mais fácil de ser produzido, de menor custo e consequentemente de menor preço. Mas o que interessa é que a produção mundial se desordenou e os preços foram deprimidos.

    No passado mais próximo, exatamente meados de 2003, a crise era intensa e preocupava o mundo inteiro, tanto que o Parlamento Europeu ditou uma resolução sobre a crise no mercado internacional do café. São várias as considerações, mas vamos às que achamos mais interessantes: “Considerando as conclusões do Conselho de Assuntos Gerais e Relações Externas de 19 de novembro de 2002, que expressavam uma grande apreensão quanto à situação atual que afeta muitos países em desenvolvimento”- “Considerando que os preços baixaram mais de 50% nos últimos 3 anos”- “Considerando que os preços ao produtor caíram bastante abaixo dos custos de produção”- “Considerando que quatro empresas, sendo a Nestlé, Kraft, Sara Lee e Proctor&Gamble, controlam quase metade das vendas de cafés mundiais, e que suas margens de lucro continuam a aumentar”. Após diversas outras considerações : “Convida a UE a incluir na sua pauta, planos destinados a garantir que as políticas nacionais de desenvolvimento dos países afetados têm em conta a necessidade de minimizar as dificuldades causadas pela queda do preço do

    café, incentivando a melhoria do café grão cru produzido, bem como apoio à transformação do café em grão, visando produtos finais, que possam ser comercializados na UE e em outros mercados”.

    Ainda, “Convida que os Estados Membros da UE apóiem o Programa de Melhoria da Qualidade do Café da OIC, através da resolução 407”, a qual é semelhante à reivindicação da APAC – Associação Paranaense de Cafeicultores -, para que se reedite a Instrução Normativa nº 8 do MAPA, que normatiza a qualidade do grão cru no Brasil.

    Voltando ao Parlamento Europeu, este considera que: “ Os torrefadores e operadores comerciais deverão adotar códigos de conduta, que cumprirão as normas do OIT/ONU relevantes, e a regulamentação nacional em vigor, e que incluirão o compromisso explícito de pagar preços consentâneos com as necessidades sociais e ambientais do setor”. Finalmente, “Convida a União Européia a apoiar o comércio justo no setor do café”.

    Como vimos, estas colocações são históricas e continuam válidas até hoje, sem que ninguém se preocupasse com elas, ou as implementasse. Só conversa.

    No âmbito nacional, no mesmo ano de 2003, foi formado um grupo de trabalho (mais um), de número 815/827, formado pelos mesmos representantes de hoje, reunindo todos os setores da cadeia do agronegócio café, inclusive o Dr. Manuel Bertone, os parlamentares: Silas Brasileiro, Carlos Melles e Odair Cunha, o então presidente do CNC, Osvaldo Henrique Paiva Ribeiro e o então presidente da Comissão Nacional de Café da CNA, João Roberto Puliti. Ainda presente, o atual Ministro Interino da Agricultura, Dr. José Gerardo Fontelles. Este grupo, gerou uma carta ao então Ministro da Agricultura que começava assim : “Acreditamos , Senhor Ministro, que este plano poderá nortear as ações futuras para o equacionamento e desenvolvimento harmônico do agronegócio”.

    Segue a carta, mas o que nos interessa são as diretrizes, as quais endossam as “Propostas Estratégicas para o Café”, apresentadas pela APAC no último dia 30 de julho de 2009.

    Vamos ao quadro comparativo abaixo:

    Grupo de Trabalho 815/827

    APAC

    Melhoria da qualidade como ferramenta de agregação de valor e aumento de consumo

    Normatização da qualidade do grão cru e rotulação do café

    Fomento à verticalização visando agregar valor

    Agregação de valor através da verticalização pela Brasil Café

    Participação ativa nas negociações internacionais

     ABCA (Associação Brasileira de Café Arábica)

     OMCA (Organização Mundial de Café Arábica)

    Aperfeiçoamento dos mecanismos de mercado

    Reserva de 20% de grão cru, acrescida de 5% ao ano, apenas para exportação de café industrializado

    Ampliação do nível de consumo

    Normatização da qualidade do grão cru, rotulação do café e marketing

    Plano de Marketing

    Plano de Marketing agressivo e inovador, com abertura de cafeterias no exterior, através da Brasil Café

    Exportação de produto final com marca brasileira

    Brasil Café

    Parceria para comercialização de marcas estrangeiras com café 100% brasileiro

    Brasil Café-Propostas de aquisição de torrefadoras internacionais

    Retiradas de impedimentos tributários

    Brasil Café

    Alavancamento de Recursos do Funcafé

    Agregação de valor com taxa de exportação do produto café industrializado

    Previsão de Safras

    Agregação de valores e previsão de safras por consultorias independentes

    Estas são algumas das propostas do Grupo de Trabalho, com as quais concordamos, mas com colocações e soluções diferentes.Só conversa.

    No mesmo ano, mais precisamente em 16 de dezembro de 2003, temos um relatório da tão falada Bancada do Agronegócio sob o titulo: Propostas de Políticas de Médio e Longo Prazo para Recuperação e Estabilização da Cafeicultura.

    Preciso citar alguns itens do tal relatório: “O setor cafeeiro passa atualmente por uma de suas piores crises. O setor padece da ausência de formulações de políticas consistentes para os mercados interno e externo desde a extincao do IBC e o encerramento das cláusulas econômicas do Acordo Internacional do Café. Aliado a isto, a economia mundial sofreu profundas transformações na década de 90, com o processo de globalização dos mercados e o desenvolvimento das tecnologias de informação. No Brasil, o modelo de política anterior caracterizava-se por uma forte intervenção do Estado, cujo objetivo primordial era o ordenamento da oferta”. Mais ainda : “neste período, a política do setor ficou práticamente restrita aos financiamentos para os produtores, sem que se

    contemplasse sua viabilidade econômica pela falta de renda, o que gerou a necessidade de sucessivas prorrogações nos vencimentos, e o desgaste do setor com o Governo, pelo não cumprimento das pactuações assumidas, e a dificuldade de acesso a novos financiamentos, bem como a exaustão do Funcafé”.

    As palavras da Bancada do Agronegocio Café continuam válidas e imutáveis. Diante destes fatos, os deputados fizeram na época, varias propostas, que vamos comparar com as propostas estratégicas da APAC:

    Propostas da Bancada do Agronegócio Café

    Propostas Estratégicas da APAC

    Equacionamento da oferta e demanda mundial

     Normatização da qualidade do grão cru

     Rotulação do café

     Fiscalização das impurezas

    Agregar valor à nossa matéria prima

     Brasil Café – Verticalização da produção.

     Reserva de 20%, acrescida de mais 5% ao ano de grão cru, para exportar na forma de torrado e torrado e moído

    Reestruturação da Cafeicultura- Endividamento crônico

    Conjunto das Propostas Estratégicas da APAC (Para não ter dívidas tem que ter preço)

    Valorizar Política Internacional do Café

    ABCA

    OMCA

    Reativação da APPC

    OMCA + Organização do Café Robusta

    Política Comum dos Países Produtores

    OMCA + Organização do Café Robusta

    Fiscalização dos Produtos, afim de proibir a mistura de elementos estranhos ao Café (impurezas)

     Rotulação do Café

     Selo da Qualidade APAC

     Selo da Qualidade ABCA

     Selo da Qualidade OMCA

     Fiscalização Recorrente do Café Industrializado

    Apoio Irrestrito ao Programa de Marketing e Promoção

     Marketing

     Brasil Café

     Agregação de Valor

    Estas propostas, com as quais concordamos, e ainda outras sugeridas no trabalho da Bancada do Agronegócio Café merecem discussão. Foram colocadas, mas esquecidas, só foi dada a devida importância às emergenciais para solucionar o então endividamento.Só conversa.

    Chegamos aos dias de hoje e ficamos estarrecidos com o encaminhamento para solucionar o impasse economic em que se encontra a cafeicultura brasileira.

    O deputado Silas Brasileiro, no dia 7 de agosto de 2009, publicou um Informativo onde diz que houve uma reunião com a presença de várias lideranças da cafeicultura, o Ministro da Agricultura Reinold Stephanes e o Ministro das Comunicações Hélio Costa. Na ocasião, o Ministro da Agricultura fez várias colocações, entre as quais coloca uma estratégia para a retirada de até 10,0 milhões de sacas de café do mercado. Diz em seu relatório, o senhor Deputado Federal Silas Brasileiro: “Esta deve ser uma medida de fortíssimo impacto no mercado, que deve provocar a valorização do café

    para os nossos produtores...melhora sobremaneira a capacidade de pagamento das dívidas pelo aumento da geração de renda para os produtores”.

    As autoridades esquecem que o Brasil hoje, detém apenas 1/3 da produção mundial de café e não tem condições de fazer política cafeeira isolada do mundo. Esquece-se ainda, que não se sabe ao certo qual a quantidade de estoque que está em mãos dos países produtores. Diante deste fato, e nos guiando pelo passado apresentado neste artigo, temos que tomar muito cuidado com políticas intervencionistas do Estado.

    Lembramos uma reunião muito importante da OIC (Organização Internacional do Café ) de 30 de janeiro de 2004, que gerou uma circular do CNC (Conselho Nacional do Café ), assinado pelo Sr. Manoel Vicente F. Bertone, então Diretor Superintendente do CNC, e pelo Deputado Federal Silas Brasileiro, então Vice-Presidente do CNC, que estavam presentes à reunião realizada em Londres.

    Na ocasião foi discutido o tema “Sustentabilidade”, trabalho apresentado pela importante personalidade, Sr. Jason Potts, então coordenador para programas de comércio e investimento em iniciativas para sustentabilidade de commodities do Instituto para Desenvolvimento Sustentável. Diz o relatório: “Foi apresentado um estudo sobre a correlação entre os estoques e os níveis de preços pagos aos produtores, o qual se nota a indiscutível e desproporcional pressão que os estoques apresentam sobre os preços. Este estudo anota ainda que o teste de correlação mostra que a conexão entre os estoques e o preço tem a ver com o lugar onde esses estoques são mantidos. No período de livre mercado, a importância dos estoques é crescente. Preços baixos significam a transferência de estoques dos países exportadores para os importadores. Quando há um déficit da produção em relação às necessidades do mercado, os níveis de estoques dos países exportadores se tornam um fator decisivo na formação dos preços. Mas, quando há excesso de produção, o acúmulo de estoques nos países exportadores não influi sobre os preços.

    Concluindo, não podemos mais nos ater a atitudes intervencionistas, que só deram certo em circunstâncias emergenciais e em contextos históricos diferentes. Hoje, temos que nos modernizar e acompanhar as mudanças mercadológicas que a globalização nos impõem.

    O momento atual exige que tomemos outros caminhos estruturais,muitos dos quais já foram propostos pela APAC.

    Não podemos voltar ao passado e formar estoques, cujo destino mais cedo ou mais tarde, será o próprio mercado.

    Perpetuar estoques, é perpetuar preços baixos.

    Vou repetir e pedir a atenção dos participes do momento, para a conclusão do Sr. Jason Potts:

    “ ... quando há excesso de produção, o acúmulo de estoques nos países exportadores não influi nos preços. “ Portanto, reflitam e pensem nas nefastas conseqüências que um erro poderia trazer ao futuro da cafeicultura brasileira.

    Precisamos resolver o problema de endividamento. A melhor forma seria a equivalência com produto, com preço de referência justo e prazos exeqüíveis, sem formar estoques.

    O sucesso da cafeicultura só será alcançado quando houver autosustentabilidade. Sem meias palavras, se isso não é possível , vamos ao subsídio explícito. Isso não é moderno, não é lógico e assim sendo, temos que encontrar outra solução, que não seja a intervenção do Estado.

    Os preços do café até 1998, comportaram-se como uma verdadeira “montanha russa” com altos e baixos. Após 1998, só tivemos preços baixos, pois os malabarismos econômicos intervencionistas não surtem mais efeito.

    O livro “A Epopéia do Café no Paraná” de Irineu Pozzobon, nos mostra com clareza esta evolução histórica. Temos que estar atentos para aprender com os erros do passado.

    Propostas estruturais precisam ser debatidas, para serem implementadas. A APAC está trabalhando para regulamentar a Lei de Rotulação, cumprindo assim com um de seus objetivos.

    Não podemos mais fazer jogo de cena para a platéia, que num futuro breve ficará exposta ao fracasso.

    Aproveitamos a invocação do passado neste artigo, para dizer que reinvindicações e propostas, como diria minha avó, não podem ser recebidas por “ouvidos moucos”.

    Agosto/2009

    Ricardo Gonçalves Strenger

    [email protected]

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