Renegociação da dívida agrícola intensificará transferência de recursos ao agronegócio 30-Mai-2008
Entrevista com o professor do departamento de geografia da USP Ariovaldo Umbelino sobre o novo pacote anunciado pelo governo para a renegociação da dívida do setor agrícola nacional. Gabriel Brito e Valéria Nader.
Por Gabriel Brito e Valéria Nader
Na semana em que o governo federal anunciou um pacote recorde de renegociação da dívida do setor agrícola nacional, no valor total de 75 bilhões de reais, muito se proclamou que tais medidas, viabilizadas pela assinatura da Medida Provisória 432, dariam novo fôlego ao setor e permitiriam ao país superar sua crise na produção, além da realização de novos investimentos na área.
No entanto, em entrevista ao Correio da Cidadania, o professor do departamento de geografia da USP Ariovaldo Umbelino considera que todas as medidas servem apenas para refinanciar os grandes produtores, pois são estes os verdadeiros grandes portadores da dívida, já que os pequenos são responsáveis por no máximo 5% dos débitos renegociados. Além do mais, de acordo com Umbelino, a própria medida em si atesta a incapacidade do agronegócio brasileiro em se sustentar de forma competitiva sem subsídios governamentais, como ocorre nos países desenvolvidos.
Correio da Cidadania: Como você avalia a renegociação da dívida agrícola proposta pelo governo, através da Medida Provisória 432?
Ariovaldo Umbelino: Antes de qualquer coisa, devemos entender estruturalmente essa questão da dívida rural brasileira.
Não é a primeira vez que acontece isso. A primeira grande renegociação foi em 1996. Depois, foi repetida em 2000, quando o Fernando Henrique fez a securitização de parte dessas dívidas, e em 2003 e 2004, quando outras negociações também se realizaram.
Todas elas revelam que, na realidade, a agricultura capitalista, dentro do bojo das políticas neoliberais, não tem nenhuma possibilidade de se desenvolver e se realizar sem subsídio público ou governamental.
O que a renegociação mostra é exatamente a falência da política neoliberal voltada à agricultura. Em todos os países desenvolvidos do mundo - EUA, Japão, os europeus -, a agricultura é fortemente subsidiada, pois, de uma maneira geral, os preços agrícolas até esse ano sempre foram descendentes em relação aos produtos industriais consumidos pela agricultura, sempre ascendentes por sua vez.
Na verdade, esse papel da agricultura como produtora de alimento barato para os trabalhadores - que de preferência precisam receber salários baixos a fim de permitir altos lucros aos empreendedores em geral - revela a necessidade do subsídio público. Esse é o primeiro ponto a ser destacado.
O segundo é que vai por água abaixo aquela máxima do agronegócio brasileiro, a de que eles são competitivos e capazes de competir com a produção agrícola de qualquer outro lugar do mundo. No entanto, a verdade é que a agricultura brasileira, de forma indireta e através desta renegociação, revela que também é subsidiada. É evidente que nesse bojo entram os grandes, mas também fazem parte os médios e pequenos produtores, sobretudo aqueles provenientes da reforma agrária.
Portanto, a renegociação revela esse lado da crise e sinaliza que daqui a quatro, cinco anos ela terá de ser feita novamente. Os pequenos não têm como fazê-lo e os grandes simplesmente se habituaram a não pagar, pois sabem que o governo cede e que possuem uma forte base parlamentar de pressão, que obviamente é posta a reivindicar tais tipos de renegociação.
CC: No atual momento, em que o país se beneficia, ao menos economicamente, do mercado de commodities, essa renegociação não é inoportuna?
AU: Os capitalistas nunca querem pagar nada ao Estado. Nem imposto, nem empréstimos, nada. Então, essa postura ‘anti-pagamento’ é comum entre os setores das elites brasileiras, que sempre transferiram à União os custos de seus investimentos. A base do enriquecimento das elites sempre se fez na apropriação do fundo público, como muito bem
estudou o professor Chico de Oliveira. Sendo assim, é uma prática cotidiana do setor empresarial brasileiro, sobretudo dos que são ligados à agricultura. Esse é o principal ponto que enxergo.
De qualquer forma, se olharmos a MP 432 que o governo encaminhou ao Congresso e que já foi aprovada pela Câmara dos deputados e pelo Senado, poderemos conferir que, na parte que trata dos objetivos da lei, eles justificam que haverá redução dos encargos por inadimplência incidentes em prestações vencidas e não pagas.
Veja só. Eles não pagam e o governo ainda reduz o imposto, que tem a ver com os juros sobre essa dívida não paga e que não pertence somente aos devedores das parcelas futuras. Há ainda a concessão de prazo adicional, redução das taxas de juros das operações e concessões de desconto para liquidação de dívidas. Ou seja, reduzem os encargos, os juros e ainda dão desconto para pagarem.
Portanto, trata-se de uma ação que fortalecerá o caixa do agronegócio. Por exemplo, um dos descontos, esse para liquidação de dívidas que vencem em 2008, 2009 ou 2010: se aqueles que devem mais de 200 mil reais pagam o débito em 2008, a dívida sofre 15% de desconto. E, como se não bastasse, depois há a bonificação, que pode chegar a 35% de desconto sobre o que deve ser pago mais um bônus de 6.000 reais.
Quer dizer, há um conjunto de ações que representam transferência de recursos públicos para o caixa do agronegócio.
CC: Pudemos ver que a mídia e o governo têm ressaltado que essa medida beneficiaria 1,8 milhão de pequenos produtores. O que você diria sobre isso?
AU: Pois é, esse 1,8 milhão de contratos de pequenos produtores na realidade envolvem um total de apenas 3 bilhões de reais da dívida. Ou seja, a verdade é que os pequenos são os únicos que pagam, os mais adimplentes. E o número de pequenos produtores inadimplentes gira entre 3% e 5%. Portanto, a dívida não é dos pequenos. Estes sempre são utilizados como bode expiatório para refinanciarem e perdoarem as dívidas dos grandes.
O que de fato está em jogo é a enorme diferença entre os 73 bilhões de reais em dívida que pertencem aos grandes e médios produtores e os 3 bilhões que pertencem aos pequenos.
CC: Ressalta-se ainda o aspecto de que a renegociação vai incidir no combate à crise dos alimentos.
AU: É curioso, pois até agora o governo dizia que o Brasil não passava por crise de alimentos, que estava imune. Porém, a MP evoca exatamente o cenário de crise nacional, e que, então, o refinanciamento da dívida seria uma contribuição.
Há ainda um terceiro objetivo, que diz: "o esforço do governo federal, além de visar a recuperação da renda agrícola e o retorno de recursos públicos esterilizados e onerosos para o novo período, pode ser entendido no campo das relações internacionais como contribuição da sociedade brasileira no sentido de ampliar a oferta mundial de alimentos".
Quer dizer, o povo brasileiro paga para que o mundo tenha comida mais barata. É o fim da picada.
CC: Mas existiria algum mínimo benefício no controle da crise interna?
AU: Na realidade não vai mudar absolutamente nada. Aprovadas as medidas, os produtores vão aos bancos aos quais devem e repactuam tudo. O que acontece com eles? Hoje, são inadimplentes; com a repactuação, tornam-se adimplentes. Ou seja, saem da condição de devedores e ainda estão livres para fazerem novas dívidas, pois é isso que acontecerá. Farão novos empréstimos e não pagarão, como fizeram em todos os casos anteriores, já que sempre dizem estar sem condições. A rigor, nada mudará.
ESPERO QUE LEIAM ESTA ENTREVISTA,PROVA QUE CARLOS NOVAES ESTA CERTO.
Renegociação da dívida agrícola intensificará transferência de recursos ao agronegócio 30-Mai-2008
Entrevista com o professor do departamento de geografia da USP Ariovaldo Umbelino sobre o novo pacote anunciado pelo governo para a renegociação da dívida do setor agrícola nacional. Gabriel Brito e Valéria Nader.
Por Gabriel Brito e Valéria Nader
Na semana em que o governo federal anunciou um pacote recorde de renegociação da dívida do setor agrícola nacional, no valor total de 75 bilhões de reais, muito se proclamou que tais medidas, viabilizadas pela assinatura da Medida Provisória 432, dariam novo fôlego ao setor e permitiriam ao país superar sua crise na produção, além da realização de novos investimentos na área.
No entanto, em entrevista ao Correio da Cidadania, o professor do departamento de geografia da USP Ariovaldo Umbelino considera que todas as medidas servem apenas para refinanciar os grandes produtores, pois são estes os verdadeiros grandes portadores da dívida, já que os pequenos são responsáveis por no máximo 5% dos débitos renegociados. Além do mais, de acordo com Umbelino, a própria medida em si atesta a incapacidade do agronegócio brasileiro em se sustentar de forma competitiva sem subsídios governamentais, como ocorre nos países desenvolvidos.
Correio da Cidadania: Como você avalia a renegociação da dívida agrícola proposta pelo governo, através da Medida Provisória 432?
Ariovaldo Umbelino: Antes de qualquer coisa, devemos entender estruturalmente essa questão da dívida rural brasileira.
Não é a primeira vez que acontece isso. A primeira grande renegociação foi em 1996. Depois, foi repetida em 2000, quando o Fernando Henrique fez a securitização de parte dessas dívidas, e em 2003 e 2004, quando outras negociações também se realizaram.
Todas elas revelam que, na realidade, a agricultura capitalista, dentro do bojo das políticas neoliberais, não tem nenhuma possibilidade de se desenvolver e se realizar sem subsídio público ou governamental.
O que a renegociação mostra é exatamente a falência da política neoliberal voltada à agricultura. Em todos os países desenvolvidos do mundo - EUA, Japão, os europeus -, a agricultura é fortemente subsidiada, pois, de uma maneira geral, os preços agrícolas até esse ano sempre foram descendentes em relação aos produtos industriais consumidos pela agricultura, sempre ascendentes por sua vez.
Na verdade, esse papel da agricultura como produtora de alimento barato para os trabalhadores - que de preferência precisam receber salários baixos a fim de permitir altos lucros aos empreendedores em geral - revela a necessidade do subsídio público. Esse é o primeiro ponto a ser destacado.
O segundo é que vai por água abaixo aquela máxima do agronegócio brasileiro, a de que eles são competitivos e capazes de competir com a produção agrícola de qualquer outro lugar do mundo. No entanto, a verdade é que a agricultura brasileira, de forma indireta e através desta renegociação, revela que também é subsidiada. É evidente que nesse bojo entram os grandes, mas também fazem parte os médios e pequenos produtores, sobretudo aqueles provenientes da reforma agrária.
Portanto, a renegociação revela esse lado da crise e sinaliza que daqui a quatro, cinco anos ela terá de ser feita novamente. Os pequenos não têm como fazê-lo e os grandes simplesmente se habituaram a não pagar, pois sabem que o governo cede e que possuem uma forte base parlamentar de pressão, que obviamente é posta a reivindicar tais tipos de renegociação.
CC: No atual momento, em que o país se beneficia, ao menos economicamente, do mercado de commodities, essa renegociação não é inoportuna?
AU: Os capitalistas nunca querem pagar nada ao Estado. Nem imposto, nem empréstimos, nada. Então, essa postura ‘anti-pagamento’ é comum entre os setores das elites brasileiras, que sempre transferiram à União os custos de seus investimentos. A base do enriquecimento das elites sempre se fez na apropriação do fundo público, como muito bem
estudou o professor Chico de Oliveira. Sendo assim, é uma prática cotidiana do setor empresarial brasileiro, sobretudo dos que são ligados à agricultura. Esse é o principal ponto que enxergo.
De qualquer forma, se olharmos a MP 432 que o governo encaminhou ao Congresso e que já foi aprovada pela Câmara dos deputados e pelo Senado, poderemos conferir que, na parte que trata dos objetivos da lei, eles justificam que haverá redução dos encargos por inadimplência incidentes em prestações vencidas e não pagas.
Veja só. Eles não pagam e o governo ainda reduz o imposto, que tem a ver com os juros sobre essa dívida não paga e que não pertence somente aos devedores das parcelas futuras. Há ainda a concessão de prazo adicional, redução das taxas de juros das operações e concessões de desconto para liquidação de dívidas. Ou seja, reduzem os encargos, os juros e ainda dão desconto para pagarem.
Portanto, trata-se de uma ação que fortalecerá o caixa do agronegócio. Por exemplo, um dos descontos, esse para liquidação de dívidas que vencem em 2008, 2009 ou 2010: se aqueles que devem mais de 200 mil reais pagam o débito em 2008, a dívida sofre 15% de desconto. E, como se não bastasse, depois há a bonificação, que pode chegar a 35% de desconto sobre o que deve ser pago mais um bônus de 6.000 reais.
Quer dizer, há um conjunto de ações que representam transferência de recursos públicos para o caixa do agronegócio.
CC: Pudemos ver que a mídia e o governo têm ressaltado que essa medida beneficiaria 1,8 milhão de pequenos produtores. O que você diria sobre isso?
AU: Pois é, esse 1,8 milhão de contratos de pequenos produtores na realidade envolvem um total de apenas 3 bilhões de reais da dívida. Ou seja, a verdade é que os pequenos são os únicos que pagam, os mais adimplentes. E o número de pequenos produtores inadimplentes gira entre 3% e 5%. Portanto, a dívida não é dos pequenos. Estes sempre são utilizados como bode expiatório para refinanciarem e perdoarem as dívidas dos grandes.
O que de fato está em jogo é a enorme diferença entre os 73 bilhões de reais em dívida que pertencem aos grandes e médios produtores e os 3 bilhões que pertencem aos pequenos.
CC: Ressalta-se ainda o aspecto de que a renegociação vai incidir no combate à crise dos alimentos.
AU: É curioso, pois até agora o governo dizia que o Brasil não passava por crise de alimentos, que estava imune. Porém, a MP evoca exatamente o cenário de crise nacional, e que, então, o refinanciamento da dívida seria uma contribuição.
Há ainda um terceiro objetivo, que diz: "o esforço do governo federal, além de visar a recuperação da renda agrícola e o retorno de recursos públicos esterilizados e onerosos para o novo período, pode ser entendido no campo das relações internacionais como contribuição da sociedade brasileira no sentido de ampliar a oferta mundial de alimentos".
Quer dizer, o povo brasileiro paga para que o mundo tenha comida mais barata. É o fim da picada.
CC: Mas existiria algum mínimo benefício no controle da crise interna?
AU: Na realidade não vai mudar absolutamente nada. Aprovadas as medidas, os produtores vão aos bancos aos quais devem e repactuam tudo. O que acontece com eles? Hoje, são inadimplentes; com a repactuação, tornam-se adimplentes. Ou seja, saem da condição de devedores e ainda estão livres para fazerem novas dívidas, pois é isso que acontecerá. Farão novos empréstimos e não pagarão, como fizeram em todos os casos anteriores, já que sempre dizem estar sem condições. A rigor, nada mudará.
ESPERO QUE LEIAM ESTA ENTREVISTA,PROVA QUE CARLOS NOVAES ESTA CERTO.