O legado de Olavo e a reconstrução da alta cultura
Paulo Briguet
28 de Março de 2022 às 17:28
Fórum realizado em Londrina mostra a força, a influência e a fecundidade da obra do filósofo brasileiro Olavo de Carvalho (1947-2022)
Há 30 anos, quando era estudante de jornalismo e militante esquerdista, o telefone de minha república recebia diariamente várias ligações em que a pessoa do outro lado da linha perguntava:
? Alô, é do Cine Vila Rica?
O tradicional cinema londrinense, situado no coração da cidade, tinha um número de telefone muito parecido com o da nossa república, daí os frequentes enganos.
Se não me engano, um dos últimos filmes que vi em cartaz no Vila Rica foi "Desconstruindo Harry", de Woody Allen, uma história que agradou profundamente o ateu e niilista que eu era na época. De lá para cá, acabei passando por um longo processo de conversão religiosa e mudança intelectual, e quem acabou desconstruído foi o esquerdista revolucionário que havia em mim.
Jamais poderia imaginar que, três décadas depois, eu voltaria ao Cine Vila Rica para assistir, não a uma comédia niilista sobre desconstrução de uma personalidade, mas a um encontro de personalidades intelectuais que buscam a reconstrução da alta cultura e da inteligência no Brasil. Muito menos, em 1990, eu seria capaz de acreditar, nem nos meus piores pesadelos de militante, que esse encontro no Vila Rica seria inspirado pelo maior filósofo conservador brasileiro dos últimos 40 anos, Olavo de Carvalho (1947-2022).
Olavo dizia sempre que nós somente podemos realizar aquilo que somos capazes de imaginar. O 3º Fórum Educação, Direito e Alta Cultura, realizado neste final de semana no espaço revitalizado do Cine Vila Rica, em Londrina, foi marcado, do começo ao fim, pela presença das ideias e da personalidade de Olavo. Exatamente dois meses depois de sua morte, o mestre da Virgínia comprovou que está mais vivo do que nunca, e que seu trabalho renderá frutos, não apenas com a publicação de suas obras inéditas, mas também na atividade intelectual de seus alunos e admiradores.
Quando digo que Olavo esteve presente do começo ao fim do Fórum E.D.A., não estou me valendo de uma hipérbole, mas sim fazendo uma descrição fiel dos acontecimentos. A palestra de abertura do Fórum foi precedida pela exibição de um vídeo de Olavo, gravado em 2018, no qual o professor discorreu sobre o futuro da inteligência brasileira e os descomunais obstáculos que será preciso derrubar para resgatá-la. Parecia um vídeo gravado naquela manhã, como bem observou a coordenadora e idealizadora do evento, Cláudia Piovezan.
Diego Pessi, coautor do fundamental "Bandidolatria e Democídio" (2017), fez a primeira palestra do evento apresentando seu mais recente trabalho, o livro "Hooliganismo no Brasil". Ao descrever a mentalidade do torcedor violento e as práticas criminosas das torcidas organizadas de futebol, Pessi fez um retrato das almas humanas corrompidas pelo desejo de extermínio do adversário. A palestra seguinte, intitulada "Rio, uma cidade em guerra", do juiz carioca Alexandre Abrahão, coautor do livro "Guerra à Polícia", compôs um trágico painel sobre a luta desigual entre os traficantes e a polícia na cidade do Rio de Janeiro. Pessi e Abrahão terminaram suas palestras em lágrimas, relembrando a coragem de Olavo em denunciar o culto ao banditismo no Brasil e o heroísmo dos policiais que todos os dias colocam suas vidas em risco para proteger a sociedade. Em ambas as palestras, relembrei o caráter profético do artigo "Bandidos e letrados", publicado originalmente em 1994.
Olavo estava presente também nas palavras do jurista Vitor Hugo Honesko, que discorreu sobre "O totalitarismo sanitário na era da covid-19". Baseando-se na Teoria dos Quatro Discursos de Aristóteles, exposta por Olavo em seu livro "Aristóteles em Nova Perspectiva", Honesko demonstrou que a maioria esmagadora das falas de autoridades política, burocratas e "especialistas" durante a pandemia não passou de retórica, e retórica de baixa qualidade. Em quase todos os casos, sempre que a palavra "ciência" foi utilizada ao longo dos dois últimos anos, tratava-se de mero truque de convencimento, golpe aplicado por indivíduos incapazes de sustentar uma discussão dialética de confronto de visões diferentes, a única forma de atingir as certezas razoáveis ? e limitadíssimas ? que constituem o verdadeiro pensamento científico. Uma armadilha retórica utilizado pela mídia ou por políticos já seria em si lamentável; mas torna-se criminosa quando usada como justificativa para a violência e a arbitrariedade contra famílias, trabalhadores e demais pessoas comuns.
O primeiro dia do Fórum E.D.A. teve ainda a palestra "Mudança Climáticas: Ciência e narrativa", da cientista e professora Deise Ely, pós-doutora em ciências do clima pela Universidade de Maryland (EUA) e a Universidade de Rennes II (França). Foi uma verdadeira aula sobre as chamadas mudanças climáticas no planeta ? um fenômeno muito mais complexo e antigo do que querem fazer parecer os militantes do clima associados às grandes e poderosas instituições globalistas. Olavo parecia estar presente na palestra da professora Deise ? tanto na humildade com que ela se refere aos dados estruturais da realidade, como "cancelamento" do seu nome em determinados ambientes acadêmicos.
Na noite de sexta-feira, um debate reuniu seis juristas ? Cláudia Piovezan, Ludmila Lins Grilo, Sandres Sponholz, Simone Sponholz, Vitor Hugo Honesko e Ricardo Peake Braga ? e este cronista de sete leitores. Nossa conversa girou em torno de três livros que, juntos, constituem a mais enfática e vigorosa denúncia contra a ditadura instaurada pela Suprema Corte brasileira: "O Inquérito do Fim do Mundo", "Sereis como Deuses" e "Juristocracia", todos lançados pela Editora E.D.A. "O mais triste e preocupante é saber que no Brasil de hoje prevalecem o crime sem castigo e o castigo sem crime, como está escrito no prefácio de ‘O Inquérito do Fim do Mundo’".
Uma muralha de livros, porém, não pode ser facilmente derrubada ? como dizia Olavo. Disso bem sabem Jean-Marie Lambert e Gabriel Giannattasio, respectivamente autores de "Educação Unesco ? A Clonagem das Mentes" e "O Livro Proibido ? Totalitarismo, Intolerância e Pensamento Único na Universidade". Embora não se conhecessem pessoalmente e nada tenham combinado previamente, Jean-Marie e Gabriel fizeram palestras complementares, em que descreveram as agruras da educação básica corrompida pelas instituições globalistas e as tragicomédias da universidade brasileira dominada pela esquerda. "A chamada ‘redemocratização’ brasileira foi na verdade a tomada do poder da educação pela hegemonia progressista, quando o Brasil celebrou seu pacto nupcial com a governança global da ONU", disse Jean-Maria Lambert. Logo em seguida, Giannattasio ? que lançou sua candidatura a reitor da Universidade Estadual de Londrina ? emendou citando o convidado de honra do Fórum E.D.A.: "Nas universidades brasileiras, a hegemonia da esquerda se transformou em tirania. E Olavo de Carvalho é a mosca na sopa desse ambiente cultural corrompido".
As palestras de Lambert e Giannattasio foram brilhantemente complementadas pela juíza e professora Ludmila Lins Grilo, que falou sobre a perversa dominação ideológica nos 1.200 cursos de Direito espalhados pelo país. Em sua exposição, Ludmila mostrou episódios exemplares da degeneração cultural no ambiente universitário, apontou a baixíssima qualificação intelectual dos estudantes e professores brasileiros e denunciou a sanha coletivista pela corrupção das inteligências. Mesmo com todos esses problemas, Ludmila tem esperança na regeneração da inteligência, por meio do testemunho de alunos e professores dispostos a cultivar o conhecimento, ocupar espaços e cerrar fileiras na guerra cultural ? na verdade, a guerra espiritual em que estamos todos envolvidos.
Dois juristas-escritores ? Márcio Chila e Harley Wanzeller ? também falaram sobre os descaminhos do Direito no Brasil e no mundo. Na palestra "O Ativismo Jurídico e a Juristocracia nos EUA", Harley comentou os ataques e estragos que a militância esquerdista vem promovendo contra a Constituição dos Estados Unidos e o legado dos Pais Fundadores da nação norte-americana. "O originalismo não é imutabilidade, mas o respeito à legitimidade daqueles que podem mudar a lei", afirmou Harvey. Márcio Chila, autor de "Globalismo e Ativismo Judicial", mergulhou nas origens do processo de corrosão da Justiça no mundo ocidental, levando-nos ao celebrado ? e, para ele, famigerado ? Código Civil da era napoleônica. "O resultado desse processo é que hoje estamos fazendo cada vez menos Direito, e cada vez mais sociologia jurídica".
A influência de Olavo também se verificou na participação de três talentosos literatos: Luis Villar, Fábio Gonçalves e Diogo Fontana. Como se sabe, o filósofo via a formação literária e a formação do imaginário como pressupostos indispensáveis para a vida intelectual. Na palestra "A importância da literatura e da educação clássica em tempos atuais", o jornalista alagoano Luis Vilar deu um valioso testemunho sobre a sua trajetória intelectual e espiritual: "Passei a acreditar em Deus quando vi a pequenez da minha inteligência perante a inteligência divina. E essa percepção só se torna possível quando buscamos os mitos fundacionais e os cânones da nossa cultura". O escritor e editor literário Diogo Fontana, autor de "A Exemplar Família de Itamar Halbmann", descreveu o processo de criação de seus enredos e personagens e chamou a atenção para a importância da literatura na expansão do horizonte intelectual: "Nossos políticos encaram a literatura como algo menor e sem importância. Mas as grandes lideranças do nosso tempo ? como Winston Churchill ou Charles De Gaulle ? eram homens com uma admirável formação literária, e encontravam na literatura as respostas para seus maiores dilemas". Fábio Gonçalves, autor de "Um Milagre em Paraisópolis" e "O Retrato Doente e outros contos de morte e solidão", fez uma bela exposição sobre a importância do domínio da linguagem para a superação da crise em que estamos mergulhados. "Há uma crise cultural, uma crise da inteligência e uma crise da linguagem. Se quisermos vencê-las, o passo inicial é dominar o uso da linguagem, começando por formar pessoas que leiam e saibam compreender o sentido do que leem".
O encerramento do 3º Fórum E.D.A. ficou por conta daquele que Olavo de Carvalho considerava o seu "aluno mais inteligente": o cientista político, professor e editor literário Silvio Grimaldo. Em sua palestra, Silvio trabalhou com os dois conceitos de cultura discutidos por Olavo na obra "O Futuro do Pensamento Brasileiro": a cultura comum (também chamada etnocultura) e a alta cultura. A primeira se refere ao que há de comum entre as pessoas de um determinado país e perfazem uma identidade reconhecível entre os grupos sociais. A alta cultura, por sua vez, se refere ao que há de melhor na produção artística e intelectual de um povo, em obras que se voltam para a dimensão intelectual. A cultura comum pode ser local, limitada, restrita e autorreferente. A alta cultura, ao contrário, "nos liberta do provincianismo e do cronocentrismo; amplia nosso horizonte intelectual; educa a nossa imaginação moral".
Ao defender a necessidade de reconstrução da alta cultura, Olavo de Carvalho de certa forma procurou refazer o projeto socrático no Brasil. É fácil constatar que a obra filosófica e a atuação pública de Olavo provocaram, nas elites brasileiras, o mesmo desconforto, o mesmo escândalo e a mesma revolta que Sócrates gerou na Pólis ateniense. As principais acusações contra Olavo, afinal, são bastante semelhantes àquelas que estão na "Apologia de Sócrates": corromper a juventude e adorar outros deuses, estranhos aos da cidade. Esses "deuses", atualmente, são as ideias hegemônicas, transformadas em tirânicas pela esquerda brasileira instauradora de uma religião civil que há mais de 30 anos manda no país. A única maneira de vencer Olavo, portanto, era silenciá-lo. Ou matá-lo. Mas o Silvio Grimaldo tem uma notícia ruim para quem acredita ter derrotado o mestre da Virgínia: seus alunos e admiradores se multiplicaram em centenas, em milhares. E não vão parar NUNCA.
*******
PS: Depois do 3º Fórum E.D.A., dormi e sonhei que o telefone estava tocando. Do outro lado, ouvi a voz inconfundível:
? Alô, é do Cine Vila Rica?
? Sim, é daqui mesmo, Olavo.
Olhei para o lado e vi uma muralha de livros. Então, acordei.
3º FÓRUM E.D.A.
O legado de Olavo e a reconstrução da alta cultura
Paulo Briguet
28 de Março de 2022 às 17:28
Fórum realizado em Londrina mostra a força, a influência e a fecundidade da obra do filósofo brasileiro Olavo de Carvalho (1947-2022)
Há 30 anos, quando era estudante de jornalismo e militante esquerdista, o telefone de minha república recebia diariamente várias ligações em que a pessoa do outro lado da linha perguntava:
? Alô, é do Cine Vila Rica?
O tradicional cinema londrinense, situado no coração da cidade, tinha um número de telefone muito parecido com o da nossa república, daí os frequentes enganos.
Se não me engano, um dos últimos filmes que vi em cartaz no Vila Rica foi "Desconstruindo Harry", de Woody Allen, uma história que agradou profundamente o ateu e niilista que eu era na época. De lá para cá, acabei passando por um longo processo de conversão religiosa e mudança intelectual, e quem acabou desconstruído foi o esquerdista revolucionário que havia em mim.
Jamais poderia imaginar que, três décadas depois, eu voltaria ao Cine Vila Rica para assistir, não a uma comédia niilista sobre desconstrução de uma personalidade, mas a um encontro de personalidades intelectuais que buscam a reconstrução da alta cultura e da inteligência no Brasil. Muito menos, em 1990, eu seria capaz de acreditar, nem nos meus piores pesadelos de militante, que esse encontro no Vila Rica seria inspirado pelo maior filósofo conservador brasileiro dos últimos 40 anos, Olavo de Carvalho (1947-2022).
Olavo dizia sempre que nós somente podemos realizar aquilo que somos capazes de imaginar. O 3º Fórum Educação, Direito e Alta Cultura, realizado neste final de semana no espaço revitalizado do Cine Vila Rica, em Londrina, foi marcado, do começo ao fim, pela presença das ideias e da personalidade de Olavo. Exatamente dois meses depois de sua morte, o mestre da Virgínia comprovou que está mais vivo do que nunca, e que seu trabalho renderá frutos, não apenas com a publicação de suas obras inéditas, mas também na atividade intelectual de seus alunos e admiradores.
Quando digo que Olavo esteve presente do começo ao fim do Fórum E.D.A., não estou me valendo de uma hipérbole, mas sim fazendo uma descrição fiel dos acontecimentos. A palestra de abertura do Fórum foi precedida pela exibição de um vídeo de Olavo, gravado em 2018, no qual o professor discorreu sobre o futuro da inteligência brasileira e os descomunais obstáculos que será preciso derrubar para resgatá-la. Parecia um vídeo gravado naquela manhã, como bem observou a coordenadora e idealizadora do evento, Cláudia Piovezan.
Diego Pessi, coautor do fundamental "Bandidolatria e Democídio" (2017), fez a primeira palestra do evento apresentando seu mais recente trabalho, o livro "Hooliganismo no Brasil". Ao descrever a mentalidade do torcedor violento e as práticas criminosas das torcidas organizadas de futebol, Pessi fez um retrato das almas humanas corrompidas pelo desejo de extermínio do adversário. A palestra seguinte, intitulada "Rio, uma cidade em guerra", do juiz carioca Alexandre Abrahão, coautor do livro "Guerra à Polícia", compôs um trágico painel sobre a luta desigual entre os traficantes e a polícia na cidade do Rio de Janeiro. Pessi e Abrahão terminaram suas palestras em lágrimas, relembrando a coragem de Olavo em denunciar o culto ao banditismo no Brasil e o heroísmo dos policiais que todos os dias colocam suas vidas em risco para proteger a sociedade. Em ambas as palestras, relembrei o caráter profético do artigo "Bandidos e letrados", publicado originalmente em 1994.
Olavo estava presente também nas palavras do jurista Vitor Hugo Honesko, que discorreu sobre "O totalitarismo sanitário na era da covid-19". Baseando-se na Teoria dos Quatro Discursos de Aristóteles, exposta por Olavo em seu livro "Aristóteles em Nova Perspectiva", Honesko demonstrou que a maioria esmagadora das falas de autoridades política, burocratas e "especialistas" durante a pandemia não passou de retórica, e retórica de baixa qualidade. Em quase todos os casos, sempre que a palavra "ciência" foi utilizada ao longo dos dois últimos anos, tratava-se de mero truque de convencimento, golpe aplicado por indivíduos incapazes de sustentar uma discussão dialética de confronto de visões diferentes, a única forma de atingir as certezas razoáveis ? e limitadíssimas ? que constituem o verdadeiro pensamento científico. Uma armadilha retórica utilizado pela mídia ou por políticos já seria em si lamentável; mas torna-se criminosa quando usada como justificativa para a violência e a arbitrariedade contra famílias, trabalhadores e demais pessoas comuns.
O primeiro dia do Fórum E.D.A. teve ainda a palestra "Mudança Climáticas: Ciência e narrativa", da cientista e professora Deise Ely, pós-doutora em ciências do clima pela Universidade de Maryland (EUA) e a Universidade de Rennes II (França). Foi uma verdadeira aula sobre as chamadas mudanças climáticas no planeta ? um fenômeno muito mais complexo e antigo do que querem fazer parecer os militantes do clima associados às grandes e poderosas instituições globalistas. Olavo parecia estar presente na palestra da professora Deise ? tanto na humildade com que ela se refere aos dados estruturais da realidade, como "cancelamento" do seu nome em determinados ambientes acadêmicos.
Na noite de sexta-feira, um debate reuniu seis juristas ? Cláudia Piovezan, Ludmila Lins Grilo, Sandres Sponholz, Simone Sponholz, Vitor Hugo Honesko e Ricardo Peake Braga ? e este cronista de sete leitores. Nossa conversa girou em torno de três livros que, juntos, constituem a mais enfática e vigorosa denúncia contra a ditadura instaurada pela Suprema Corte brasileira: "O Inquérito do Fim do Mundo", "Sereis como Deuses" e "Juristocracia", todos lançados pela Editora E.D.A. "O mais triste e preocupante é saber que no Brasil de hoje prevalecem o crime sem castigo e o castigo sem crime, como está escrito no prefácio de ‘O Inquérito do Fim do Mundo’".
Uma muralha de livros, porém, não pode ser facilmente derrubada ? como dizia Olavo. Disso bem sabem Jean-Marie Lambert e Gabriel Giannattasio, respectivamente autores de "Educação Unesco ? A Clonagem das Mentes" e "O Livro Proibido ? Totalitarismo, Intolerância e Pensamento Único na Universidade". Embora não se conhecessem pessoalmente e nada tenham combinado previamente, Jean-Marie e Gabriel fizeram palestras complementares, em que descreveram as agruras da educação básica corrompida pelas instituições globalistas e as tragicomédias da universidade brasileira dominada pela esquerda. "A chamada ‘redemocratização’ brasileira foi na verdade a tomada do poder da educação pela hegemonia progressista, quando o Brasil celebrou seu pacto nupcial com a governança global da ONU", disse Jean-Maria Lambert. Logo em seguida, Giannattasio ? que lançou sua candidatura a reitor da Universidade Estadual de Londrina ? emendou citando o convidado de honra do Fórum E.D.A.: "Nas universidades brasileiras, a hegemonia da esquerda se transformou em tirania. E Olavo de Carvalho é a mosca na sopa desse ambiente cultural corrompido".
As palestras de Lambert e Giannattasio foram brilhantemente complementadas pela juíza e professora Ludmila Lins Grilo, que falou sobre a perversa dominação ideológica nos 1.200 cursos de Direito espalhados pelo país. Em sua exposição, Ludmila mostrou episódios exemplares da degeneração cultural no ambiente universitário, apontou a baixíssima qualificação intelectual dos estudantes e professores brasileiros e denunciou a sanha coletivista pela corrupção das inteligências. Mesmo com todos esses problemas, Ludmila tem esperança na regeneração da inteligência, por meio do testemunho de alunos e professores dispostos a cultivar o conhecimento, ocupar espaços e cerrar fileiras na guerra cultural ? na verdade, a guerra espiritual em que estamos todos envolvidos.
Dois juristas-escritores ? Márcio Chila e Harley Wanzeller ? também falaram sobre os descaminhos do Direito no Brasil e no mundo. Na palestra "O Ativismo Jurídico e a Juristocracia nos EUA", Harley comentou os ataques e estragos que a militância esquerdista vem promovendo contra a Constituição dos Estados Unidos e o legado dos Pais Fundadores da nação norte-americana. "O originalismo não é imutabilidade, mas o respeito à legitimidade daqueles que podem mudar a lei", afirmou Harvey. Márcio Chila, autor de "Globalismo e Ativismo Judicial", mergulhou nas origens do processo de corrosão da Justiça no mundo ocidental, levando-nos ao celebrado ? e, para ele, famigerado ? Código Civil da era napoleônica. "O resultado desse processo é que hoje estamos fazendo cada vez menos Direito, e cada vez mais sociologia jurídica".
A influência de Olavo também se verificou na participação de três talentosos literatos: Luis Villar, Fábio Gonçalves e Diogo Fontana. Como se sabe, o filósofo via a formação literária e a formação do imaginário como pressupostos indispensáveis para a vida intelectual. Na palestra "A importância da literatura e da educação clássica em tempos atuais", o jornalista alagoano Luis Vilar deu um valioso testemunho sobre a sua trajetória intelectual e espiritual: "Passei a acreditar em Deus quando vi a pequenez da minha inteligência perante a inteligência divina. E essa percepção só se torna possível quando buscamos os mitos fundacionais e os cânones da nossa cultura". O escritor e editor literário Diogo Fontana, autor de "A Exemplar Família de Itamar Halbmann", descreveu o processo de criação de seus enredos e personagens e chamou a atenção para a importância da literatura na expansão do horizonte intelectual: "Nossos políticos encaram a literatura como algo menor e sem importância. Mas as grandes lideranças do nosso tempo ? como Winston Churchill ou Charles De Gaulle ? eram homens com uma admirável formação literária, e encontravam na literatura as respostas para seus maiores dilemas". Fábio Gonçalves, autor de "Um Milagre em Paraisópolis" e "O Retrato Doente e outros contos de morte e solidão", fez uma bela exposição sobre a importância do domínio da linguagem para a superação da crise em que estamos mergulhados. "Há uma crise cultural, uma crise da inteligência e uma crise da linguagem. Se quisermos vencê-las, o passo inicial é dominar o uso da linguagem, começando por formar pessoas que leiam e saibam compreender o sentido do que leem".
O encerramento do 3º Fórum E.D.A. ficou por conta daquele que Olavo de Carvalho considerava o seu "aluno mais inteligente": o cientista político, professor e editor literário Silvio Grimaldo. Em sua palestra, Silvio trabalhou com os dois conceitos de cultura discutidos por Olavo na obra "O Futuro do Pensamento Brasileiro": a cultura comum (também chamada etnocultura) e a alta cultura. A primeira se refere ao que há de comum entre as pessoas de um determinado país e perfazem uma identidade reconhecível entre os grupos sociais. A alta cultura, por sua vez, se refere ao que há de melhor na produção artística e intelectual de um povo, em obras que se voltam para a dimensão intelectual. A cultura comum pode ser local, limitada, restrita e autorreferente. A alta cultura, ao contrário, "nos liberta do provincianismo e do cronocentrismo; amplia nosso horizonte intelectual; educa a nossa imaginação moral".
Ao defender a necessidade de reconstrução da alta cultura, Olavo de Carvalho de certa forma procurou refazer o projeto socrático no Brasil. É fácil constatar que a obra filosófica e a atuação pública de Olavo provocaram, nas elites brasileiras, o mesmo desconforto, o mesmo escândalo e a mesma revolta que Sócrates gerou na Pólis ateniense. As principais acusações contra Olavo, afinal, são bastante semelhantes àquelas que estão na "Apologia de Sócrates": corromper a juventude e adorar outros deuses, estranhos aos da cidade. Esses "deuses", atualmente, são as ideias hegemônicas, transformadas em tirânicas pela esquerda brasileira instauradora de uma religião civil que há mais de 30 anos manda no país. A única maneira de vencer Olavo, portanto, era silenciá-lo. Ou matá-lo. Mas o Silvio Grimaldo tem uma notícia ruim para quem acredita ter derrotado o mestre da Virgínia: seus alunos e admiradores se multiplicaram em centenas, em milhares. E não vão parar NUNCA.
*******
PS: Depois do 3º Fórum E.D.A., dormi e sonhei que o telefone estava tocando. Do outro lado, ouvi a voz inconfundível:
? Alô, é do Cine Vila Rica?
? Sim, é daqui mesmo, Olavo.
Olhei para o lado e vi uma muralha de livros. Então, acordei.
Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.