Paiol de Milho, por Osvaldo Piccinin

Publicado em 27/02/2012 12:03
Por Osvaldo Piccinin, engenheiro agrônomo formado pela USP-Esalq, em 1973. Natural de Ibaté, é empresário e agricultor e mora em Campo Grande/MS.
Osvaldo Piccinin
Paiol cheio era sinal de um ano de fartura. Frangos gordos à vontade no terreiro, tropa bem tratada e porco gordo no chiqueiro! Dinheiro? Pra que dinheiro? Felicidade é coisa simples e custa barato. Bons tempos. A esperança por dias melhores se renovava a cada ano.

Em meados de setembro caíam as primeiras chuvas - prenuncio do plantio de milho -, sinal que se o ano  corresse bem de chuva, uma colheita venturosa avizinha-se.

Nossa propriedade era pequena. Nossos recursos eram parcos. Mas nossa vontade de trabalhar e produzir evidenciava-se nas prosas da soleira de nossa porta, nos finais de tarde. O plantio de milho era feito com matracas que deixavam cair uma sementinha de cada vez. Coberta com a terra fofa empurrada pelo bico de nosso rústico sapatão, feito com sola de pneu, estava quase completa nossa nobre tarefa. Agora só nos restava torcer pra chover.

Ao ver nosso milharal em ponto de pamonha um ar de “valeu a pena” tomava conta da colônia. Neste estágio a lavoura estava praticamente salva. A não ser que houvesse uma inesperada e extemporânea seca, conhecida por estiagem ou veranico.

Éramos mais de cinco famílias na colônia.  Em meados de dezembro a italianada se mobilizava para fazer receitas deliciosas com este rico produto. Esbaldávamos com milho cozido, assado, pamonha, cural, bolo de milho, broa, suco, quitutes e outras mais.

A colheita nem sempre se tornava uma agradável tarefa, pois os doloridos espinhos, de carrapicho, nos espetavam sem piedade. Para cada epinhozinho fincado, uma pequena infecção nascia. 
Colhíamos espiga por espiga e íamos fazendo pequenos montes na roça, para depois, com a ajuda de um balaio ou jacá, juntarmos e transportar até ao paiol, numa carroça rangedeira.  A produção era contabilizada em “carros” -, uma medida usada naquela época e talvez comum, ainda hoje, em alguns cantos do Brasil.

Antes de chegar a nova safra, tínhamos a limpeza do paiol, tarefa esta, que muito apetecia a molecada. Tratava-se da retirada dos restos da safra passada, bem como a desinsetização e a desratização do local. Nesta última, fazíamos a festa exterminando a “rataiada” para a alegria da molecada.

Uma vez higienizado, íamos colocando uma camada de veneno em pó - muito tóxico por sinal, e uma camada de milho recém colhido e assim sucessivamente. Enchia- nos de segurança, ver nosso paiol bufando até ao teto!

Num cantinho ficavam nossas ferramentas de trabalho, tais como: enxada, foice, forca, garfo, pás, enxadão, ancinho e outras mais. Logo em cima, perto da cumeeira, penduradas num gancho de madeira, ficavam nossas varas de bambu para pescar lambaris nos finais de semana, além de alguns cachos de banana amadurecendo.

 Coberto com telhas de barro ou capim sapé, nossa riqueza ficava distante poucos metros da porta da cozinha. Lá também guardávamos a safra de abóboras, que tanto serviam para os mais diferentes tipos doces como para tratar dos porcos na entre safra.
 
O moinho de fazer quirera para tratar os pintinhos também tinha seu lugar num cantinho do paiol. As barras de sabão de cinza feitas em grandes tachos no terreiro ocupavam numa prateleira rústica fixada na parede. Réstias de alho e cebola enfeitavam o varal de madeira suspenso à meia altura do teto.
 Lembro-me de presenciar todo dia, pela manhã, meu tio e primos fumantes, escolhendo a melhor cabeça de palha para fazerem seus cigarros de fumo de rolo.

Uma de minhas funções era todo santo dia, tratar das galinhas no terreiro. Que alegria ver a festa da bicharada disputando cada grão de milho. Eu tinha uma ordem expressa de minha avó: guardar os maiores sabugos, pois naquele tempo ainda não tinham inventado o papel higiênico, ou se tinham, a roça desconhecia. Mas, as três nobres funções do sabugo eram do conhecimento de todos os usuários.

E VIVA O PAIOL DE MILHO!

osvaldo.piccinin@agroamazonia.com.br
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Fonte:
Osvaldo Piccinin

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3 comentários

  • Vilson K. Carazinho - RS

    Melhor descrição que já li de como era vida no interior no passado!Perfeito!

    o que se percebe que mesmo em regioes diferentes desse país as tarefas e tradiçoes era muito parecidas!Como você disse felicidade custava barato.Pena os tempos terem mudado, por isso muitos hoje dizem que trabalharam duro na roça a vida inteira e hoje tem pouco.

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  • Liones Severo Porto Alegre - RS

    Parabéns Osvaldo pela sua verte literária e a competência que registra nossas origens e infância. É muito importante para que aqueles que vêm de nós tenham conhecimento como iniciamos nossas vidas em colônias de trabalho árduo, mas com muita dignidade e felicidade. Tenho o privilégio de ser amigo de seu filho Thiago que muito bem representa a sua linhagem. O fruto nunca cai longe da árvore. Ainda bem ! Grande Abraço

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  • Rodinei Marcos Matiazzo Boa Ventura de São Roque - PR

    Bah piccinin isto que tu escreveste eu lendo, me fez lembrar-me da minha infância, infância simples e humilde mas rica como tu mesmo escreves "Felicidade é coisa simples e custa barato", saudades dos pocherões que faziamos com a italianada e os alemãos para juntos ajudarmos uns aos outros na colheita(trigo, feijão e milho) também faziamos o açucar mascavo, saudades de um tempo bom que não voltam mais.

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