Danificando a imagem da produção brasileira de alimentos: o movimento "Alimento x Floresta", por Marcos Fava Neves
No dia 25 de dezembro, recebemos um presente de Natal, mas não tão saboroso quanto as comidas e bebidas que tivemos em nossas celebrações. O artigo do Wall Street Journal “O encolhimento da floresta tropical no Brasil leva Nestlé, H&M e outros a abalar as cadeias de suprimentos”, de Jacob Bunge e Paulo Trevisani (colaborador), acabou sendo outro artigo que aprimora o movimento não orquestrado, liderado por indivíduos, ativistas, ONGs, concorrentes, políticos, entre outros, que tentam vincular a produção brasileira de alimentos ao desmatamento da Amazônia. Estou batizando o movimento de "alimento x floresta" (food x forest).
Longe de acusar os autores do artigo de apoiarem esse objetivo, mas apenas mostrar como esse texto, entre outros, contribui e que acaba prejudicando a imagem da produção brasileira, trazendo novas ameaças a essa importante atividade para a economia local e geração de empregos e rendimentos para milhões de famílias. Acumulei uma coleção de outros artigos e estou usando este como um exemplo.
O problema começa com o título. Traz a ligação "alimento x floresta" como uma situação alarmante usando a palavra "encolhendo". A floresta amazônica não está encolhendo, embora a taxa de desmatamento tenha aumentado em 2019, representa menos de 0,4% da área da floresta e diminuirá novamente com os esforços públicos sendo realizados (não abordados no artigo).
O título está repetindo os mesmos erros que vimos em agosto com a "febre global" acelerada pelas mídias sociais, de que a Amazônia estava sendo completamente queimada e destruída. Imagens de cangurus e girafas queimando (não vivem na região), imagens de fotógrafos mortos como se fossem de 2019, fotos de incêndios de outras regiões, declarações que acabaram não sendo verdadeiras.
Em agosto deste ano, o “Amazon is Burning” foi um dos casos mais fantásticos de destruição da imagem de um país que já vi, deveria ser amplamente estudado como o efeito das mídias sociais sobre algo. A maioria dos responsáveis por essa febre (artistas, esportistas, políticos e outros) não se desculparam pelo que foi feito quando viram os números reais (a taxa de incêndios estava exatamente na média dos últimos 10 anos). Não precisamos de mais manchetes alarmistas nesta questão delicada da Amazônia. Devemos aprender com os erros de agosto e não repeti-los.
A ligação “alimento x floresta” também é vista no parágrafo: “o acelerado desmatamento do Brasil está pressionando fabricantes de alimentos, varejistas, investidores e comerciantes de mercadorias a sacudir as cadeias de suprimentos, em um esforço para recuar na derrubada de terras e alcançar metas ambientais”. Os leitores estrangeiros com pouca compreensão da complexidade do que acontece na Amazônia, lendo o parágrafo, imediatamente colocarão a responsabilidade pelo desmatamento diretamente aos agentes do agronegócio citados. Menos de 5% do que o Brasil produz vem dessa região, mas a ideia parece tornar ao mundo ser ... torná-lo 100%.
Os autores também citam algumas empresas como Nestlé, Hennes & Mauritz AB, Timberland e Vans, Caisse de dépôt et placement du Quebec, JBS, Tesco, entre outras com exemplos positivos e negativos. Os aspectos negativos dos exemplos sempre levam à ligação "alimentos x floresta". Qual a porcentagem desses agentes internacionais do agronegócio que estão sendo pressionados? Poderíamos estar usando alguns casos de empresas para tentar generalizar, exagerar para todos os compradores internacionais?
Vimos esse erro com o debate “alimento x combustível” (food x fuel), de 10 a 15 anos atrás, que acabou se mostrando uma discussão não científica, pois a produção de ambos cresceu a um ritmo maravilhoso na última década, criando oportunidades e ajudando o meio ambiente, como por exemplo o exemplo do etanol de milho nos EUA, além de vários outros.
A Nestlé é envolvida no artigo do WSJ de maneira negativa para sua imagem entre os consumidores brasileiros de alimentos, uma vez que é uma empresa que atua no mercado local há mais de 100 anos e gera muitos empregos, oportunidades e renda.
Dois parágrafos merecem nossa atenção “… A Nestlé SA, que visa eliminar o desmatamento de sua cadeia de suprimentos nos próximos três anos, parou de comprar soja produzida no Brasil da trading Cargill Inc. depois que uma revisão não conseguiu rastrear as plantações específicas, levantando preocupações de que elas foram produzidas em terras convertidas... ”. “...Benjamin Ware, chefe global de compras responsáveis da Nestlé, que costuma começar suas manhãs revisando imagens de satélite em busca de sinais de áreas florestais recentemente desmatadas, disse que a empresa transferiu mais de suas compras de soja para os EUA, onde a Cargill continua sendo fornecedora, e Europa".
Esses dois parágrafos acabam levando o leitor a pensar que a solução para os compradores de soja é parar de comprar no Brasil e mudar para os EUA e Europa. A Nestlé tem um conhecimento profundo do Brasil e entende que pode obter soja de vários fornecedores certificados internacionalmente em várias regiões do país, por exemplo, cooperativas do estado do Paraná, e não precisa mudar o país de origem, conforme o artigo sugere como uma solução. A Nestlé também conhece o rigoroso código ambiental que os agricultores brasileiros precisam seguir, que não é encontrado em outras regiões do mundo. Isso foi esquecido no artigo e na entrevista da empresa.
Recomendo a executivos em posições semelhantes do Sr. Benjamin Ware (coordenadores de cadeia de suprimentos nas empresas) de todas as organizações multinacionais que compram alimentos do Brasil e aos jornalistas que escrevem sobre o Brasil que primeiro entendam e depois difundam o Código Florestal Brasileiro em suas entrevistas, encontro com seus consumidores, clientes e artigos a serem escritos. Uma cópia em inglês deste documento pode ser encontrada no site da WWF. Aplicá-lo em outros países seria excelente contribuição.
Também é necessário mais conhecimento sobre o agronegócio brasileiro. Analisemos outro parágrafo: “o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que assumiu o cargo no início deste ano, exortou os agricultores de seu país a expandir. Os agricultores brasileiros estão colocando mais terras no arado, pois as exportações de soja, milho e carne bovina do país aumentaram, em parte porque as tarifas chinesas sobre produtos agrícolas dos EUA ajudaram a tornar as safras e a carne brasileiras mais baratas...”
Entende-se que o conflito comercial China e EUA foi o que fortaleceu o crescimento da produção de alimentos no Brasil, quando é sabido que o crescimento nos últimos 20 anos tem pouca relação com esse fato político de 2018/2019. Há muita literatura em inglês mostrando por que e como a agricultura brasileira teve seu crescimento. Não é de curto prazo. Os agricultores não estão expandindo por causa do Presidente; a expansão é impulsionada principalmente pela demanda asiática e africana.
O artigo do WSJ traz contribuições muito boas contando o que algumas empresas estão fazendo para rastrear suas cadeias de suprimentos e trabalhar em direção a mais sustentabilidade com seus fornecedores. Se eu puder deixar uma contribuição central nos meus comentários aqui, esta é a solução. Cada empresa que compra alimentos do Brasil tem a oportunidade de mostrar a seus consumidores como é feita esta produção e as ações de sustentabilidade.
Em todas as cadeias alimentares, fornecedores confiáveis e certificados de diferentes tamanhos e regiões podem ser encontrados em todo o Brasil, uma vez que o país ocupa 50% da América do Sul e é de dimensão continental. Recomendo apenas não entrar por inércia neste movimento "alimento x floresta" que pode, no final, estar carregando outros interesses por trás da sustentabilidade.
O Brasil provou ser uma solução para a crescente demanda mundial, fornecendo alimentos de maneira bastante sustentável por grandes, médios e pequenos agricultores, cooperativas e outros agentes produtores. Pessoas e empresas de todo o mundo estão operando no país para alcançar esse resultado.
Nos últimos 40 anos, a área agrícola no Brasil aumentou 33% e a produção 386%. A eficiência do agricultor brasileiro foi transferida para preços globais de commodities e alimentos, ajudando a aliviar a fome no mundo através de alimentos mais baratos. Isso foi feito com crescentes preocupações e obrigações ambientais, considerando que o país possui a maior quantidade de terra totalmente preservada (67%), 45% de seu consumo de energia proveniente de fontes renováveis (10% no OCDE), utiliza apenas 8% de sua área para gerar produção de alimentos para o mundo, possui um dos mais rigorosos códigos ambientais, sendo a segunda maior política de biocombustíveis. Quase 50% do combustível usado pela frota de carros do país é proveniente de fontes renováveis e a cidade de São Paulo possui a matriz de combustível mais limpa entre todas as megalópoles do mundo.
Sempre existem maus exemplos de indivíduos e empresas, mas o Brasil em geral é um fornecedor de alimentos verde, um país de “baixo carbono”. Existem exemplos maravilhosos de sustentabilidade acontecendo, programas como o ABC Cerrado (Agricultura de Baixo Carbono) em mais de 8.000 agricultores, “Paisagens Rurais” para aumentar a capacidade de implementação do código florestal e uso da água, orgânicos, bio-insumos, Programa RenovaBio, programas de certificação e informação privados e coletivos, gado zero carbono da Embrapa, pagamento por serviços ambientais e outros que merecem mais atenção da mídia internacional, ONGs e ativistas. Tudo isso pode ser replicado para outros países produtores.
Todo esforço para vincular oportunisticamente esta história difícil, trabalhosa e belíssima da produção brasileira de alimentos ao desmatamento, tentando criar dificuldades para essa atividade econômica absolutamente fundamental de nossa sociedade, receberá minha reação e deverá receber sua reação.
Como cientista, estou sempre disponível para fornecer informações, recomendar exemplos, métodos e abrir entrevistas e fontes para pessoas que desejam escrever sobre produção de alimentos e meio ambiente no Brasil.
Que se pare de generalizar e tentar criar essa ligação "alimento x floresta" e vamos pensar em criar, não em destruir. O movimento “alimento x floresta” tem os mesmos erros do obsoleto movimento “alimento x biocombustível”. O Brasil não é um problema, é uma solução.
Dr. Marcos Fava Neves é professor titular das Escolas de Administração da Universidade de São Paulo (FEARP / USP) e da Fundação Getulio Vargas (EAESP / FGV) no Brasil. Professor internacional da Universidade Purdue (EUA), Universidade de Pretória (África do Sul) e Universidade de Buenos Aires (Argentina). As idéias neste artigo representam o autor, não as universidades.
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