Ministro do Trabalho acusa “neoliberais” de pessimismo forçado para desestabilizar a economia, por Rodrigo Constantino

Publicado em 09/06/2015 15:23

O fascismo está voltando, Por Flavio Morgenstern

Publicado no Instituto Liberal

“Todo mundo sabe que o termo fascista é hoje pejorativo; um adjetivo frequentemente utilizado para se descrever qualquer posição política da qual o orador não goste.  Não há ninguém no mundo atual propenso a bater no peito e dizer ‘Sou um fascista; considero o fascismo um grande sistema econômico e social.’

Porém, afirmo que, caso fossem honestos, a vasta maioria dos políticos, intelectuais e ativistas do mundo atual teria de dizer exatamente isto a respeito de si mesmos.”

– Lew Rockwell 

Há um ano, o escritor russo radicado na Inglaterra Peter Pomerantsev escrevia, no London Review of Books, o artigo “What fascists?”, comentando como estava sendo montada a máquina de propaganda do Kremlin para atingir a hegemonia da mentalidade russa contra a Ucrânia, no despertar da anexação da Criméia por Vladimir Putin.

Em sua narrativa em tom de new journalism, tão em falta no Brasil, comenta em formato de crônica como é receber notícias da Rússia longe dos canais oficiais e para-oficiais do regime, mas, sobretudo, como está sendo moldada a mentalidade russa para tratar como notícia e fato as teorias conspiratórias do neoeurasianismo de Putin (quatro dias antes, o principal semanário alemão, Der Spiegel, noticiava na capa que o “cérebro de Putin”, Aleksandr Dugin, havia sido demitido da Universidade de Moscou).

Basicamente, os russos ouvem notícias sobre uma gigantesca “ameaça fascista” ucraniana, a um só tempo em que, de forma idêntica justamente à propaganda nazista, são informados de que os ucranianos são seres inferiores, Untermenschen, que a “Pequena Rússia” nem mesmo é um país (apenas uma divisão artificial da geopolítica), que a ocupação da praça central de Kiev, a Maidan Nezalezhnost, é financiada por grupos pró-Europa Ocidental, financiados pelas duas potências anti-eurasianas: a América e Israel. Seus ocupantes são chamados de Mai-Downs (como em “síndrome de Down”) por artífices do regime putinesco travestidos de comunicadores, como Konstantin Rykov.

Os ucranianos, então, são retratados como “fascistas”, como neonazistas a sempre ameaçarem o glorioso Império Russo, como o Terceiro Reich o fez no século XX. Todavia, a um só tempo, também são retratados como sionistas, como uma raça inferior, como um país que nem deveria existir (de forma idêntica à propaganda islâmica, eurasiana e esquerdista sobre os judeus em Israel).

Fascistas e uma categoria inferior de seres humanos, que merecem ter sua existência no máximo tolerada pela Pátria Superior. Exatamente como vítimas do fascismo. Nada mais revela esta visão, digamos, “dialética” do inimigo do que as caricaturas distribuídas pela Rússia retratando as ucranianas como prostitutas, se oferecendo ou à União Européia, ou ao Kremlin – ou seja, mesmo quando “estão do lado certo”, é numa “categoria inferior” de quem se vende apenas para ser usada e abusada.

O quadro de mentalidade coletiva ganha contornos perigosíssimos por um fator sempre combatido pelos liberais: o dirigismo econômico de uma política centralizada, com poder concentrado apenas em “políticos salvadores”.

Mesmo um outrora grande escritor como Eduard Limonov, revolucionário anti-Putin que escrevia alegremente sobre suas experiências homossexuais, agora encoraja as invasões de Putin e recomenda “endurecer o metal enquanto ele ainda está quente”.

Tudo isto se dá porque é impossível sobreviver a um regime de economia planejada sem obedecer aos políticos manda-chuvas, não importa quão desagradáveis eles sejam – ou os próximos podem vir a se mostrar. Todas as figuras culturais, por exemplo, assinaram um manifesto a favor da “reunificação” (a invasão da Criméia). Um músico explicou: “Um cara do Ministério da Cultura veio e disse que eu perderia minha banda se eu não assinasse. O que eu poderia fazer?”

Para quem acompanha as notícias sobre os intelectuais e artistas sempre puxando o saco do governo brasileiro, sob uma égide de suposta luta contra uma “invasão conservadora”, este cenário tão longínquo acaba soando tão próximo que parece se confundir com o Brasil.

Para um país ainda (felizmente) dependente da literatura e da poesia para criar seus símbolos, a Rússia fala da “baixa qualidade” da poesia dos “hohli”, o termo pejorativo para ucranianos, com uma linguagem que em nada deve ao que os nazistas falavam sobre judeus.

De forma idêntica, inclusive, em jurar que uma diminutíssima minoria de pessoas (até chamados de “Pequena Rússia”, em comparação à grandiosidade da suposta Terra-Mãe) é uma elite perigosa e violenta pronta para desmantelar o glorioso passado de pioneirismo russo.

Ivan Bunin escreve até: “A Pequena Rússia não tem história… tem apenas canções, lendas, está de alguma forma fora do tempo”. O vezo em encontrar um determinismo na História, em evocar tal “espírito histórico” como separador de homens e de seus subalternos e de tentar purificar a história dos seus elementos nocivos não deve em nada ao nazismo com sua verborragia contrária aos judeus (a “elite” da época). Ou mesmo ao que se forma no Brasil como discurso contra os “coxinhas”, os “conservadores”.

Putin, como escreve Hugh Prysor-Jones na revista Chronicles (“Which KGB?”), é mais um criador de consenso do que um tirano desabrido. Não à toa que deixe toda a imprensa sob suas mãos, de forma não tão diferente da que faz o PT no Brasil, com tantas “verbas de publicidade”, que usam o trabalho do brasileiro e as riquezas naturais do país para comprar “jornalistas” que sempre falarão bem do governo – e atacarão a “ameaça” que são grupos contrários ao consenso nacional, sempre misteriosamente coincidente com o que os políticos no poder querem que as pessoas pensem.

Assim, sempre se pode xingar alguém de “fascista” e, por esta pessoa, ou grupo, ou nação, ser supostamente “fascista”, pode-se então tratá-la de forma pior do que os fascistas fizeram com suas vítimas. Afinal, é uma “justiça histórica”, uma “reparação”. Por isto a visão tão viciada em termos técnicos de filosofia hegeliana ou abertamente marxista-trotskysta para repetir a história como farsa e como tragédia, a um só tempo.

A bufonaria torna-se quase engraçada, não fosse o fim da liberdade e as mortes somando-se aos montes (literalmente), pois a mentalidade conspiratória (o “mind-set default” do Putinismo) passa a descrer de tudo – e se parece existir outra forma de fazer política, ou de gerir algo da vida sem precisarmos de políticos, certamente é porque há políticos malévolos interessados nisto (roteiro ainda mais conhecido de qualquer brasileiro, sempre acusado de “tucano” caso rejeite algo como os bilhões roubados da Petrobras pelo PT).

Peter Pomerantsev escreve que as conversas entre moscovitas e amigos radicados em Kiev, capital da Ucrânia, tornam-se um teatro do absurdo justamente por estas eternas acusações de que há “fascistas” por todo lado, como quando noticiam “golpes fascistas” em alguma aldeia.

“Você está a salvo dos fascistas?”, perguntam os russos.

“Que fascistas?”, respondem os residentes em Kiev.

“Aqueles fascistas”, explicam os russos.

“Que fascistas?”, obtemperam seus amigos.

A palavra “fascista”, portanto, foi completamente desligada de seu significado. Já é quase impossível vê-la como um conceito, e não apenas como um xingamento, a não ser em livros de História lidando especificamente com a Segunda Guerra.

Entretanto, tal como a Rússia sob auspícios de Vladimir Putin, o Brasil (e boa parte do mundo) têm caminhado com passos cada vez mais largos justamente para um sistema político que, se fosse buscar entre os grandes exemplos históricos sua paternidade, não passaria em um exame de DNA ao ser comparado ao liberalismo, ao socialismo, à social-democracia, às ditaduras militares e tecnocracias diversas – mas seria rigorosamente parecido com o fascismo do século XX.

Tal sistema, baseado no conluio com sindicatos tomando poder político, no clima geral de “conspiração” contra o poder eleito, em concentração de poder no Estado, em dirigismo econômico na busca por igualdade de renda, em nacionalismo geralmente militarista, nas massas em desfile, na superação do indivíduo pelo poderio estatal (o único que pode “nos tornar” grandes), no coletivismo, até mesmo no racionamento de alimentos em épocas de crise e, sobretudo, num bode expiatório a ser “eliminado” no futuro glorioso dirigido pelos progressistas tentando surpassar o passado dos “conservadores”, foi a segunda maior desgraça do século XX, depois do comunismo – seu “gêmeo heterozigoto”, na bela definição de Pierre Chaunu .

A grande novidade é que, tal como a esquerda se auto-engana julgando que já não é mais “comunista” (embora tenha uma misteriosa e injustificada azia só de pensar na palavra “capitalismo”), e também jura que o nacional-socialismo (nazismo) nada tem a ver com socialismo (se foram “inimigos” no campo de batalha, o nazismo só pode ser de… direita!), agora ela chama as próprias vítimas do novo fascismo, tão próximo do socialismo, justamente de fascistas.

Se faltava algo para a nova “dialética” da esquerda em seu eterno ódio-por-judeus-e-Israel-mas-mania-de-chamar-todos-os-seus-adversários-de-fascistas, faltava apenas o elemento do pior tipo de fascismo, o nazismo de Adolf Hitler e o Holocausto contra judeus.

Se faltava, é uma falta que vai sendo cada vez mais suprimida. O discurso anti-semita voltou com força total na segunda década do século XXI. Novamente, pela esquerda (a própria idéia de uma economia bancária-capitalista, baseada em propriedade privada e poupança, não é, senão, um princípio judaico tão odiado pela esquerda).

Basta ver as charges de Carlos Latuff, grande admirador de Dilma Rousseff e do PT, e ver como este chargista, que participa de concursos no Irã defendendo o revisionismo histórico de que o Holocausto na verdade não existiu, retrata judeus e Israel, sempre os xingando e sempre os comparando a nazistas.

Mas faltava algo em território nacional. Não falta mais. Conforme relatou Rodrigo Constantino na Veja, ao receber um documento enviado por um leitor:

Nada menos do que uma circular interna da Universidade Federal de Santa Maria (RS) em que o pró-reitor substituto José Fernando Schlosser, atendendo a uma suposta solicitação de sindicalistas e de um certo “Comitê de Solidariedade aos Palestinos”, pede para se “identificar” professores e alunos israelenses que pertençam à instituição e ao programa de Pós-Graduação.

Agora, em pleno Brasil que supostamente é tão “não-nazista” (ainda que o maior partido nazista fora da Alemanha tenha sido o brasileiro; ainda que Getúlio Vargas, tão inspirador de Lula, tenha tido como chefe de polícia Filinto “governar é prender” Müller, simpático ao nazismo e condecorado com a Ordem de Primeira Classe da Cruz Vermelha por ninguém menos do que Heinrich Himmler – ver o excelente livro de Bruno Garschagen, “Pare de Acreditar no Governo”), está sendo preciso “identificar a presença de israelenses”. Algo simplesmente idêntico ao Lebensraum, o “espaço vital” livre de judeus buscado pelos nazistas. Constantino comenta:

Mas que soa muito estranho, isso soa! Como assim identificar os “israelenses”? Imagina se fosse para identificar os “negros”, ou os “gays”: como seria a reação da turma dos Direitos Humanos e defesa das minorias? O que os simpatizantes da Palestina querem com os israelenses no curso? Vão obrigar agora todos os judeus a usarem uma estrela amarela no campus para serem facilmente “identificados”?

Imagine-se se, a pretexto de uma “Solidariedade ao Povo Isralense”, se partisse de duas premissas: 1) Proibir palestinos; 2) (e corolário necessário de 1)) Tratar todo o povo palestino como Untermenschen, como ratos a terem sua existência passível de permissão por burocratas, a entender que “solidariedade a um povo” signifique aniquilação imediata do povo vizinho.

É esta a diferença entre Israel e o Hamas controlando a Palestina, com a Autoridade Palestina lutando contra o Hamas na outra ponta da Faixa de Gaza. Um permite palestinos até na Suprema Corte, outro proíbe judeus de existirem. E logo os que querem exterminar judeus chamam os próprios judeus de… nazistas.

Ainda partem da mesma mentalidade conspiratória de Putin (outro ser não muito afeito a judeus, por assim dizer). Como crer que, se há professores israelenses (o país com o maior número de Prêmios Nobel per capita do mundo), só pode ser por uma “conspiração sionista”, já que ninguém (ou seja, nenhum esquerdista) quer ficar perto de judeus e israelenses. Só pode ser um “convênio secreto”. Também comentaReinaldo Azevedo:

Ainda que os tais convênios secretos existissem — acusação típica de mentes paranoicas —, por que estudantes e professores israelenses deveriam, por isso, merecer alguma forma de tratamento especial? Ainda que Israel fosse o que dizem esses celerados, por que cidadãos daquele país deveriam ser expostos a alguma forma de restrição ou molestamento? Porque são judeus ou porque são israelenses?

Já afirmou Ben Shapiro:

O objetivo da esquerda é encerrar o debate político, depreciando seus adversários como algozes. Eles rotulam os seus adversários como racistas, sexistas, homofóbicos, intolerantes, ignorantes, teimosos amargos. Eles os comparam aos nazistas, membros da KKK, terroristas (!). Em seguida, eles os expulsam como leprosos do debate político. Porque quem se importaria em debater com um nazista, ou com um membro da KKK, ou com um terrorista?

É assim que a esquerda ganha argumentos. Eles polarizam os americanos uns dos outros. Eles nos separam por grupos. Eles nos dividem e eles nos conquistam. Eles nos convencem de que somos ou vítimas que merecem recompensa, ou opressores que devem se curvar ao jugo.

Em outras palavras, eles chamam alguém de fascista, de racista ou de homofóbico – ou simplesmente de “nazista” – justamente as pessoas que mais odeiam tais descriminações – e assim elas se calarão. Se fossem mesmo nazistas, racistas, homofóbicas ou o que fosse, simplesmente não ligariam.

Agora, o fascismo abre suas asas sobre o mundo – da Rússia ao Brasil – justamente chamando todas as suas vítimas de “fascistas” – aquelas que mereceriam, então, uma punição violenta e a força de um Estado total para se poder corrigir a sociedade.

O mundo, hoje, entregou sua consciência e sua capacidade de enxergar a realidade não às mentes privadas, mas à supremacia do Estado, aquela entidade que mais odeia a atividade privada. Os cérebros de muitos estão tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contro lo Stato.

Ministro do Trabalho acusa “neoliberais” de pessimismo forçado para desestabilizar a economia, por Rodrigo Constantino

Petistas e afins são mesmo de outro mundo. De um mundo da fantasia, onde todos os inúmeros equívocos cometidos por petistas e afins, apontados ex ante por liberais, tornam-se de repente responsabilidade dos… neoliberais! Essa turma é incapaz de aprender com os próprios erros, pois sequer reconhece os erros. Vive em negação da realidade, repetindo chavões, slogans idiotas, e claro, acusando os “neoliberais” pelos problemas que seu esquerdismo criou. Exemplo? Ninguém menos do que o Ministro do Trabalho de Dilma.

Manoel Dias é seu nome. Parêntese: alguém conhecia de memória o ministro? Pois é: o Partido dos Trabalhadores foca tanto no trabalhador que entregou a pasta do Ministério do Trabalho a um ilustre desconhecido. É o filão do PDT, afinal, e a política manda. Ou melhor: o fisiologismo. Mas fecho o parêntese para voltar ao que disse o ministro. Ele acusou o “grupo neoliberal” de estar disseminando o ódio e desestabilizando deliberadamente a economia com um pessimismo artificial.

Sobre o ódio, já expliquei em detalhes aqui quem realmente o dissemina, ao tratar tudo como uma questão mortal de “nós contra eles”, ao segregar a população em classes e grupos, ao atacar com virulência os adversários, tratados como inimigos. Agora falemos da segunda parte, da orquestração maquiavélica dos malvados neoliberais para prejudicar o governo popular de Dilma e do PT.

Segundo o homem, que deve morar na Lua ou em Marte, não há crise econômica no país. A crise seria apenas política, e se reflete no discurso pessimista que assusta as pessoas, que então postergam a compra dos carros, apartamentos. Tudo arquitetado para desestabilizar a pobre presidenta Dilma. Um espanto! E uma irresponsabilidade sem tamanho, pois fomenta o consumo quando as famílias já estão extremamente endividadas e sentindo o peso da inflação no bolso.

Esqueça, aliás, a inflação de mais de 8%. Deve ser alguma invenção neoliberal. Esqueça a taxa de desemprego medida pelo IBGE subindo. Esqueça as estatísticas de endividamento familiar, mostrando o aperto monetário do brasileiro. Esqueça, ainda, a queda do PIB. Tudo isso é passageiro ou ilusório, fruto da propaganda negativa dos neoliberais. Se ao menos estivessem todos otimistas, repetindo que tudo está uma maravilha…

Não sei se se trata de falta de honestidade ou ignorância. Talvez um misto dos dois. Essa turma costuma acreditar mesmo que basta estimular a demanda que o crescimento econômico vem atrás. Acredita no moto perpétuo do crescimento, em que o estado distribui crédito, as pessoas compram carros e apartamentos, e a produção aumenta. Não entendem o básico de economia, e por isso convido aqueles que sofrem “apenas” de ignorância para meu curso online, que será oferecido em breve pela Kátedra. Os sem caráter eu dispenso, pois são casos perdidos.

Para esses “desenvolvimentistas”, tudo se resume ao “espírito animal”, e se as pessoas estiverem otimistas e consumindo, o mundo será cor-de-rosa. Não têm a menor noção de como a economia funciona. Foi com base nessa crença estúpida que Dilma fez tantas trapalhadas, para começo de conversa. Mas em vez de aprender com a lambança que causou, seu governo prefere, na voz do ministro, culpar os “neoliberais” pelos males esquerdistas.

Guido Mantega e companhia erraram todas as previsões no passado, por excesso de otimismo. Os liberais foram, na verdade, moderados até aqui, prevendo um cenário menos sombrio do que o que tem se concretizado. Mas a culpa pelo azedume não é do governo, é dos neoliberais pessimistas. Não é mole não!

O “Edmund Burke” brasileiro

Por Thiago Kistenmacher, publicado no Instituto Liberal

Quando estivermos desanimados com nosso cenário político – o que não é nada incomum em qualquer brasileiro sensato – é bom, para respirar novos ares, embora sejam obras antigas, recorrer a intelectuais como José da Silva Lisboa (1756 – 1835), mais conhecido como Visconde de Cairu. Ainda que na academia qualquer estudo que não exalte a perspectiva hegemônica seja visto como militância “reacionária” ou “coxinha”, não importa, ainda insisto em dizer que ler intelectuais como Lisboa faz uma diferença enorme.

José da Silva Liboa, a despeito de muito conhecido por propagar as ideias do economista Adam Smith, que lhe encantou, afirmação esta que podemos encontrar nas memórias de seu filho Bento da Silva Lisboa, lidas na sessão do Instituto Histórico no dia 24 de Agosto de 1839 e registrado na revista do IHGB de 1908, também tratou de divulgar as principais ideias do irlandês Edmund Burke (1729 – 1797), quem o brasileiro considerava como o “grande mestre na ciência da política”. [1] Mas, se o próprio Burke é praticamente nulo nas discussões atuais, imagine então Lisboa, um intelectual que defendia a coroa e o livre mercado.

Pedro Meira Monteiro, professor da Princenton University, em artigo para o site da Revista de História intitulado O “Reacionário”,[2][1]explicando o título, aponta que Lisboa “tem sido objeto de opiniões extremas – ora endeusado como um benfeitor da pátria, ora rejeitado como um indivíduo que, pelas suas ideias e posições, poderia ser tachado, na terminologia de hoje, de  um consumado ‘reacionário’”. Ainda muito comum, geralmente os simplificados rótulos mais atrapalham do que ajudam no entendimento de posições políticas ou ainda outras quando estas são reduzidas a um maniqueísmo inexistente. Influenciado por Edmund Burke, teria sido contrário às ideias do irlandês – ou mesmo da Providência, conforme defendia Burke – caso tivesse sido entusiasta de um reacionarismo tão utópico quanto os dogmas revolucionários, pois Burke não era contrário a mudanças, mas avesso às mudanças que necessitassem da completa destruição das tradições e ordem social, ou que fizessem tábula rasa do passado. Em suma, o parlamentar britânico atuava como reformador prudente, que para Russell Kirk (1918 – 1994) é aquele que “combina uma capacidade para reformar com uma disposição para preservar; o homem que ama a mudança é totalmente desqualificado, do seu desejo, para ser o agente da mudança.”[3] E como citou o próprio Cairu: “reformar não é fazer em pedaços a arquitetura do Estado.”[4]

Basta ler algumas linhas dos livros desse intelectual que estão disponíveis on-line [5], para notarmos que este homem, natural de Salvador, não foi qualquer um. Quando Cairu iniciou seus estudos na Universidade de Coimbra, esta “havia passado por ampla reforma, concluída apenas dois anos antes, e ainda se ajustava aos recém-criados estatutos” [6]. Além disso, a partir da universidade lusitana e da Reforma Pombalina, de acordo com Antônio Paim no livro A História do Liberalismo no Brasil, “distinguiram-se muitos brasileiros que passaram a liderar várias das novas esferas do conhecimento científico”. Cairu foi um deles… São tantas coisas que podemos extrair desses conterrâneos que às vezes não temos nem ideia, até porque nunca são citados, nem nas escolas, nem nas universidades, salvo raríssimas exceções…

Pra quem se interessar em ler as interpretações e os acréscimos que o Visconde de Cairu fez às ideias de Burke, poderia começar lendo duas obras, a saber, o livro Extratos Políticos e Econômicos de Edmund Burke [7], publicado pela Impressão Régia em 1812 e posteriormente em 1822, onde Cairu fez uma tradução de cinco textos de Burke, com uma belíssima introdução, que dedica a D. Rodrigo de Souza Coutinho, e também outra, intitulada Roteiro Brazílico [8], publicada em 1822 pela Typographia Nacional. Nessa última, Cairu dedica um capítulo aos escritos do “pai do conservadorismo moderno” intitulado “Doutrinas de Burke”.

Evidente que tais ideias não são verdades absolutas, até porque somos pequenos, racionais e por isso, limitados. Burke alertou que “Se circunspecção e cautela fazem parte da sabedoria, quando trabalhamos apenas com matéria inanimada, certamente elas fazem parte do dever também, quando o objeto de nossa demolição ou construção não é tijolo e madeira, mas seres humanos pela súbita alteração de cujo estado, condição e hábitos, multidões podem se tornar infelizes.”[9] E por isso mesmo, como afirmou Cairu, “O verdadeiro Legislador deve ter hum coração cheio de sensibilidade. Elle deve amar e respeitar a sua espécie, e muito temer de si próprio”. [10]

Alguém discorda que tal perspectiva serviria muito bem ainda hoje em nossas universidades e entre “nossos” governantes, onde reina a presunção? Onde utopias que já derramaram milhões de litros de sangue são romantizadas? Onde a “arte do possível” se tornou a ilusão do impossível? Ou para políticos que veem o poder como um fim em si mesmo?

Ainda é possível ter orgulho dos nossos políticos, ainda que do passado…

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Blog do Rodrigo Constantino

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1 comentário

  • Rodrigo Polo Pires Balneário Camboriú - SC

    Abri a página para ler sobre o ministro do trabalho (??!!) que está acusando os neoliberais de "pessimismo forçado", pois lembrei-me de uma matéria sobre o governo da Venezuela em que autoridades e politicos acusavam um site de noticias de lá de ser o responsável pela brutal desvalorização do bolivar e da quebradeira generalizada da economia Venezuelana (??!!!).. E ao abrir a página do nosso site, dou de cara com um artigo sobre o fascismo, onde o que está escrito é quase tudo o que penso sobre esse sistema maldito. E por que? Para citar um exemplo bem atual, desde que o esquerdista FHC governou, querem liberar as drogas no Brasil. Pois bem, essa semana Lula recebeu uma visita de um venezuelano que está sendo acusado de comandar o cartel denominado "os sóis" , cocaína prá toda parte, pois é uma quadrilha que age no mundo inteiro. Lula como se vê, quer aplicar aqui o que já está em funcionamento lá. A culpa é do neoliberalismo, da imprensa, da elite, dos reacionários, dos pessimistas, etc... A mãezona Dilma é uma maravilha!!!. Ainda bem que, ao final, o artigo termina com a lembrança de um autêntico brasileiro inteligente, estudioso e capaz, o Visconde de Cairu.

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