Intervenções do Bacen no câmbio funcionam? Por Roberto Dumas Damas

Publicado em 17/12/2024 15:47
Roberto Dumas Damas é professor do INSPER e da FIA Business School (Profuturo)

Vamos nos abster de comentários típicos de barbudinhos raivosos, órfãos da crítica infundada, mas cheios de maestria soberba, pretensamente acadêmica e, portanto, vazias. 

Os comentários de Lula em relação ao Bacen agradam apenas a aqueles que demonstram dificuldades de sinapses neurais simples, ou desonestidade intelectual mesmo. Pois assim estava escrito no estatuto deles, empoeirado com resquícios do antigo Muro de Berlim. 

Mas foquemos no que importa. Grande parte da imprensa e experts em IFAs (Insumo Farmacêutico Ativo) e acordes musicais desafinados, defendem a intervenção imediata do Bacen no câmbio, usando o cansado argumento de que a não intervenção teria motivos políticos e não técnicos. Urge ressaltar que não adianta queimar bonecos do Roberto Campos Neto na Avenida Paulista. Quem decide sobre as intervenções no câmbio é o diretor de Política Monetária, justamente o indicado de Lula para assumir o Bacen. Boa sorte a ele, quando descobrirem. 

Ora, se o chefe do executivo da sinais bem claros que gostaria de exterminar a autonomia do Bacen, afirmando que com um novo presidente da autarquia, a taxa de juro Selic cairá mais, pior as expectativas nossas. Agentes econômicos e poupadores, que para eles não passam de rentistas ungidos pelo sete peles. 

Alardeia ainda que gasto e investimento são diferenciados em termos de fluxo de caixa. Que cortará apenas despesas desnecessárias. Aliás nem caberia uma declaração dessa. Permite que sua equipe mude o arcabouço fiscal com comprometimentos de resultados primários pra lá de permissivos e ainda subestimados. Teima em dizer que a dívida pública do Brasil em percentual do PIB é menor que a dos EUA e Japão. Com as devidas reticências aqui. Quantas vezes esses países deram calotes em suas dívidas públicas? Quantas vezes o Brasil acabou por não honrar com seus compromissos financeiros? Notem que aqui não cabe nenhuma crítica ao governo atual, mas ao estado brasileiro. De 1980 a 1994 a inflação no Brasil chegou a alcançar 12 trilhões percentuais. Será que quem investiu em títulos públicos logrou preservar seu poder aquisitivo? Não há como nos esquecer dos calotes da dívida externa de 1982, 1987 e do sequestro da oferta monetária orquestrado pelos protagonistas do plano Collor.  

Em nenhum momento afirmo que o governo brasileiro reestruturará sua dívida pública ou dará um calote disfarçado, mas isso não quer dizer que nossa probabilidade de default se assemelha a dos EUA ou do Japão. Isso é óbvio e esse argumento só é usado por pseudo analistas econômicos com hipotálamos desgovernados ou por robôs fajutos da internet. 

Quanto as intervenções que o Bacen poderia fazer, confesso que conversei com muitos professores e professores de professores antes de escrever esse artigo. Mas para os leitores que esperam uma opinião definitiva sobre o assunto, digo que a discussão na academia ainda anda solta. 

Nada como abordar um assunto espinhoso, no qual nem mesmo as mais retóricas acadêmicas considerações conseguem nos oferecer um parecer definitivo. Obviamente, mostrar esses quebra cabeças não resolvidos tecnicamente parece chato e maçante, mas sempre vale a reflexão para pensarmos e às vezes saímos do lugar comum. 

A pergunta que o artigo traz é: será que intervenções esterilizadas no mercado cambial pelo Banco Central (Bacen) são consistentemente eficientes em um regime de inflation targeting e mudanças nos fundamentos econômicos? Ou seja, será que intervenções do Bacen, mesmo esterilizando seus impactos na base monetária funcionam para conter a paridade cambial em momentos de, digamos, maior risco? A questão é crucial porque apesar de nosso câmbio pressionado sempre ouço agentes financeiros dizendo que o Bacen pode manter o câmbio onde quiser, dado que tem um nível elevado de reservas internacionais. 

Inicialmente, convém dizer que uma das funções do Bacen atualmente é a de perseguir uma meta inflacionaria, diferente da época de meta cambial, quando o Bacen buscava através de um regime de câmbio semifixo ou quase pegged, ancorar as expectativas inflacionárias dos agentes econômicos, cansados de tanta hiperinflação. 

Ao manter o câmbio como âncora das expectativas inflacionárias e pegged a uma moeda forte como o dólar americano, a apreciação real inicial do câmbio suscitaria uma maior competição entre os bens domésticos e importados, colocando uma “tampa” no aumento dos preços domésticos, uma vez que maiores níveis inflacionários, apenas tornariam os bens importados mais atraentes. 

Mas, e agora que estamos em um regime de flutuação suja com metas inflacionárias e não cambiais definidas? Como o Bacen conseguirá defender a paridade cambial em momentos de mudança de fundamentos, digamos em um cenário de maior riso fiscal, ou verborragia governamental, sem alterar o retorno para os agentes financeiros que demandam maiores yields para compensar um risco maior? Sabemos que a relação entre retorno e risco é soberana. Ou seja, quanto maior a percepção de risco doméstico, tudo o mais constante, os agentes econômicos demandarão mais retorno para compensar um maior risco ficando aqui ou se posicionando em moeda estrangeira. 

Mas será que o nível das nossas reservas internacionais não seria suficiente para defender o câmbio? Aí vai um caminhão de papers com prós e contras. Testemunhemos a discussão. Primeiro já peço desculpas pelo tecnicismo econômico antipático, mas antecipo para aqueles que querem um spoiler, conjecturar que dado uma meta de inflação determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), cabe ao Comitê de Política Monetária (Copom) determinar uma meta para a taxa básica de juros (Selic), que busque tal objetivo. 

Ora, se o Bacen vender reservas internacionais em troca de reais, o que enxugará a liquidez do sistema, então a taxa básica de juros determinada pelo Bacen aumentará conflitando com a decisão da própria autoridade monetária, em termos de meta Selic. Para manter a taxa básica de juros na meta, uma intervenção do Bacen vendendo reservas internacionais suscitaria uma redução da base e da oferta monetária. 

Como assim? Quando o Bacen vende dólares para o mercado, tentando limitar a depreciação da nossa moeda, o Bacen retira reais do mercado. Entre tapas e beijos tudo o mais constante, menor quantidade de reais na praça, leva a um aumento da taxa básica de juros (Selic) e não foi isso o combinado na reunião do Copom. 

Então, para manter a taxa básica de juros constante e ao mesmo tempo vender dólares para tentar segurar o câmbio, o Bacen terá de esterilizar esta intervenção, ou seja, manter a Selic e a oferta monetária constantes esterilizando essa queda da base / oferta monetária comprando títulos públicos, retornando reais para o sistema. Simples assim. Not so fast! Primeiro urge nos questionar porque, eventualmente, nossa moeda sofre uma pressão para depreciação. 

Vamos assumir que o risco Brasil ou fiscal aumentou, por isso os agentes financeiros buscam se refugiar no dólar. Nesse caso cabe mais uma pergunta: o que será que faria esses recursos, assumindo uma deterioração dos fundamentos econômicos, ficarem no país? Será que intervenções esterilizadas, que ao final acabam mantendo o retorno dos títulos constantes seriam suficientes em um cenário de maior risco? Maior risco requer maior retorno, mas como o regime de inflation targeting determina uma meta Selic, o Bacen não poderá pagar mais para manter os recursos em casa, pois agora a meta é a inflação e não o câmbio. 

Então, teoricamente e sujeito a inúmeras controvérsias, será que quando o risco doméstico aumenta e o Bacen intervém dando um punhado de dólares para satisfazer um way out da população descontente, porém mantendo retorno constante seguraria o câmbio, quando todo o sistema pede mais retorno? 

Em nenhum momento acho que dipirona não faria efeito sobre a febre do paciente, mas o remédio (intervenções esterilizadas) provavelmente não curaria o paciente, que no nosso caso, dado um risco doméstico maior, requisita um maior retorno, que não pode ser oferecido dada a meta Selic determinada pelo Copom. 

Ouso dizer que intervenções no mercado de câmbio, quando os fundamentos macroeconômicos mudam, digamos em um cenário de deterioração na percepção do risco doméstico, só funcionariam dando mais “cenoura” para o cavalo (mais retorno), ou seja quando as intervenções são não esterilizadas. Mas isso não é possível, pois o atual regime é de metas de inflação, via meta Selic e não meta cambial. 

Para um bom entendedor basta explicar que Tylenol e Novalgina são importantes para baixarem a febre do paciente, mas não curam sua verdadeira doença, ou um maior risco doméstico. Para realmente acalmar, satisfazer e compensar um maior risco, somente mais cenoura para o cavalo, ou mais retorno seria o remédio que realmente ajudaria a doença do paciente, remunerando o adequadamente dado um maior risco percebido, mas isso acabou com o fim da âncora cambial em janeiro de 1999. 

Roberto Dumas Damas é professor do INSPER e da FIA Business School (Profuturo). Dumas representou o Itaú BBA em Xangai de 2007 a 2011. Em 2017, atuou no banco dos BRICs em Xangai. Dumas é mestre em Economia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra, mestre em Economia Chinesa pela Universidade de Fudan (China), e foi professor convidado da China Europe International Business School (CEIBS) e Fudan University (China). 

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Fonte:
BM&C News

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