Recuperação de áreas agrícolas e florestais afetadas pelo fogo, por Layane Ap. Mendes dos Santos
Estamos enfrentando uma situação alarmante com grande impacto para o meio ambiente e o agronegócio brasileiro. Após prolongados períodos de estiagem, que afetaram a maioria dos estados, as condições climáticas extremas, como seca severa, ventos intensos e altas temperaturas, resultaram em um recorde preocupante de focos de queimadas em todo o País.
As queimadas causaram danos ambientais de difícil mensuração, atingindo gravemente tanto as áreas florestais quanto as lavouras. Elas comprometeram a qualidade dos solos, criando desafios significativos para o desenvolvimento das plantas. Além disso, afetaram a biodiversidade da fauna, deterioraram a qualidade do ar, além de trazerem consequências negativas para a saúde pública.
Impacto do fogo aos sistemas de cultivo
Redução da cobertura de solo
Após as primeiras chuvas, a exposição do solo pode resultar em escorrimento superficial, provocando erosão laminar devido ao selamento das camadas superficiais do solo. Além disso, nos casos de ausência de chuvas, baixa umidade relativa do ar e a alta velocidade do vento podem causar a erosão eólica das cinzas que contêm nutrientes remanescentes. Ambos os cenários comprometem significativamente a capacidade produtiva do solo.
Perda da matéria orgânica
A queima reduz a quantidade de matéria orgânica bruta, alterando e desequilibrando todo o ciclo e aporte de carbono do solo. Essa perda de matéria orgânica afeta diretamente a atividade e a diversidade da microbiota do solo, uma vez que diminui a disponibilidade de alimento, que é a principal fonte de energia para esses microrganismos. Além disso, afeta diretamente a capacidade de troca catiônica do solo (CTC) e reduz a “reserva” de água no solo.
Redução da biodiversidade microbiana
Além da restrição alimentar causada pela redução das fontes de carbono no solo, como a matéria orgânica, as altas temperaturas (acima de 60°C) eliminam uma gama de microrganismos que são benéficos ao sistema. A microbiota remanescente enfrenta dificuldades para se recuperar devido a diversos fatores, incluindo a exposição à radiação solar, o excesso de calor no solo, a falta de umidade, a desestruturação física do solo e as alterações no pH. Essa redução impacta diretamente os processos biológicos promovidos pelos micro-organismos frente ao equilíbrio da saúde do solo e desenvolvimento vegetal.
Alteração do pH e perda de nutrientes
Pesquisas indicam que, temporariamente, a queima gera um aumento nos níveis de nutrientes como fósforo (P), potássio (K), cálcio (Ca) e magnésio (Mg), além de uma elevação no pH do solo, tornando esses nutrientes rapidamente disponíveis às plantas. No entanto, esse efeito não é duradouro. Com a chegada das primeiras chuvas, os nutrientes ficam suscetíveis ao processo de lixiviação, reduzindo sua disponibilidade. Além disso, pode ocorrer erosão eólica das cinzas.
Comprometimento da estrutura do solo (porosidade)
O fogo causa impactos significativos na estrutura física do solo, principalmente devido ao selamento superficial dos primeiros horizontes. Isso afeta a porosidade do solo, resultando em desequilíbrio entre as fases líquidas e gasosas do solo (macro e microporos). O ambiente adverso criado pelo fogo limita o desenvolvimento das plantas e a recuperação da microbiota, dificultando ainda mais a reestruturação do solo.
Aumento da hidrofobicidade
O aquecimento do solo pelo fogo causa um aumento na hidrofobicidade do mesmo, ou seja, há uma redução na penetração de água na terra. Esse efeito é agravado pelo ressecamento do solo devido à exposição à luz solar e à falta de umidade. A hidrofobicidade é resultante da queima da matéria orgânica do solo com o acúmulo de frações altamente recalcitrantes e de caráter hidrofóbico. Esses compostos se associam às frações de silte e argila, formando complexos organominerais estáveis e recobrindo total ou parcialmente a superfície de agregados e partículas minerais. A presença desses compostos hidrofóbicos altera o ângulo de contato água-solo, afetando a capilaridade e a curva de retenção do solo, o que reduz a capacidade de retenção de água.
Como mitigar os impactos das queimadas?
Plantas de coberturas
O uso de uma mistura de plantas de cobertura, com diferentes sistemas radiculares, visa iniciar o processo de reestruturação do solo. Esse método reduz sua exposição e promove a melhoria de suas qualidades físicas, químicas e biológicas. Além disso, a inclusão de gramíneas forrageiras de crescimento rápido e robusto contribui para a rápida reposição da cobertura do solo e sua adequada estruturação.
Inoculantes biológicos
A aplicação de tecnologias biológicas, como a inoculação e/ou co-inoculação com micro-organismos que melhoram e aceleram o enraizamento das plantas, é uma prática essencial neste contexto. Além disso, a adição de microrganismos promotores de crescimento vegetal contribui para a restauração e o equilíbrio da biodiversidade do solo. Dada a escassez de matéria orgânica, o aumento da biomassa radicular facilita a entrada de fontes de carbono e outros compostos através da exsudação radicular (rizodeposição) , promovendo o fortalecimento e o melhor estabelecimento da microbiota remanescente.
Grupos microbianos com mecanismos diretos para promover o crescimento podem ajudar a mitigar os danos e limitações deixados pelo fogo (Figura 2). Eles atuam melhorando a mobilização de nutrientes, promovendo um maior enraizamento das plantas por meio da produção de fitohormônios e contribuindo para a construção da estrutura física do solo. Além disso, esses micro-organismos favorecem as condições ambientais e estimulam a microbiota do solo, ao incrementar o teor de carbono no sistema.
Compostos bioativos (via solo)
O uso de tecnologias baseadas em compostos bioativos, como substâncias húmicas (principalmente ácido fúlvico) e extratos de algas, contribui para a melhoria das propriedades físicas, físico-químicas e biológicas do solo. Esses compostos são especialmente úteis na recuperação de solos degradados ou desequilibrados, como aqueles afetados pelo fogo. A interação entre essas substâncias, microbiota e ambiente resulta em uma melhor exploração do perfil do solo pelo sistema radicular das plantas, um maior aproveitamento dos nutrientes e a ativação do metabolismo microbiano. Consequentemente, promove-se uma melhor agregação e estruturação do solo, criando um ambiente mais resiliente para enfrentar períodos de estiagem e estimulando a diversidade microbiana.
Associação de tecnologias e manejos
No atual momento de recuperação após queimadas, a aplicação de diversas estratégias de manejo cria um ambiente favorável e resiliente para o desenvolvimento das plantas. A combinação de tecnologias de manejo que estimulem o enraizamento das plantas, compostos bioativos que promovam a microbiota nativa e o uso de plantas de cobertura é fundamental para a reintegração da qualidade física, química e biológica dos solos.
0 comentário
O início da safra de grãos 2024/25 e as ferramentas que potencializam o poder de compra do agricultor
Produção de bioinsumos on-farm, por Décio Gazzoni
Reforma Tributária: algo precisa ser feito, antes que a mesa do consumidor sinta os reflexos dos impostos
Benefícios da fenação para o bolso do produtor
Artigo/Cepea: Quebra de safra e preços baixos limitam rentabilidade na temporada 2023/24
O Biodiesel e o Biometano no Combustível do Futuro, por Arnaldo Jardim