Etanol: A hora da virada, por Eduardo Leão de Sousa e Júlia Tauszig
A virada do século trouxe consigo enormes desafios, sendo que três deles saltam aos olhos pela sua complexidade e urgência: o aquecimento global, que ameaça a própria vida sobre a Terra, a poluição em níveis alarmantes em diversas metrópoles ao redor do mundo e que é responsável por milhões de mortes por ano; e a demanda crescente por energia para atender o crescimento populacional e econômico, particularmente nos países emergentes.
Cabe destacar que esses três temas não poderão ser resolvidos sem uma ou mais soluções que envolvam a mobilidade urbana! Até porque a estimativa é a de que a atual frota de automóveis deverá dobrar nas próximas duas décadas.
É aí que entram os biocombustíveis como uma dessas alternativas. E, diferentemente do que ocorre com outras commodities, esse mercado está fortemente condicionado à existência de um arcabouço regulatório e de políticas públicas de longo prazo que permitam os investimentos necessários em ampliação da capacidade de oferta e inovações tecnológicas.
Foi com base nessas constatações que a União da Indústria da Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), com o apoio da ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), passou a concentrar grande parte de suas ações internacionais, nos últimos 15 anos, na promoção de um mercado global de etanol, trazendo informações precisas sobre os benefícios que esse biocombustível pode trazer em termos econômicos, sociais e ambientais.
De fato, além de promover desenvolvimento rural aos países, o etanol ainda permite o aumento da segurança energética, ao mesmo tempo em que reduz emissões de gases causadores do efeito-estufa em até 90% comparativamente à gasolina.
Também melhora a qualidade do ar nas grandes cidades, já que praticamente elimina a emissão de materiais particulados, grandes responsáveis pelo aumento de doenças cardiovasculares e respiratórias e mortalidade ao redor do mundo.
Internacionalização do etanol
Ao longo desse período, houve importantes avanços na consolidação da imagem do etanol no exterior e de resultados efetivos para um maior consumo ao redor do mundo e internacionalização desse combustível. Abaixo, destacamos algumas dessas conquistas.
Nos Estados Unidos, conseguimos a eliminação da tarifa de importação do etanol ao fim de 2011, que era de US$ 0,14/litro, e que viabilizou o acesso a esse mercado, atualmente o maior consumo de etanol do planeta.
Na Europa, também contribuímos fortemente com a discussão do Acordo União Europeia-Mercosul e, além do aumento da cota do açúcar, foi possível também obter uma cota anual de quase 900 milhões de litros de etanol, com tarifa praticamente zero, contra uma tarifa atual de EUR 0,19/litro.
Além disso, por meio de um trabalho intenso de advocacy, fundamentado em informações técnicas e fidedignas, logramos êxito para que o setor ficasse fora de várias restrições impostas a produtos brasileiros.
De fato, o etanol brasileiro, juntamente com o açúcar, foi um dos únicos produtos agroindustriais brasileiros que ficaram de fora das exigências de due diligence de desmatamento.
Aprovada no final de 2022, também permaneceu na revisão da Diretiva Europeia de Energias Renováveis (RED III) como uma solução comprovada de descarbonização de transportes, sem quaisquer alterações.
Integração com a Índia, América Latina e relações Sul-Sul
Seguramente, uma das ações com maior impacto na promoção da agenda do etanol no exterior foi o Ethanol Talks, iniciativa que desenvolvemos ao final de 2019, juntamente com o Arranjo Produtivo Local do Álcool (Apla), a ApexBrasil e o governo brasileiro, com foco principal nas regiões da Ásia e América Latina.
Nesse sentido, um dos mais importantes avanços foi a evolução do programa de etanol na Índia: em 2014, o nível de mistura do etanol na gasolina não chegava a 1,5%; já em 2022, essa mistura atingiu os 10% e o governo já anunciou que a mistura deverá atingir 20% até 2025. Em termos de volumes, falamos de um aumento de quase 12 vezes em apenas oito anos, tendo atingido no ano passado um consumo de quase 5 bilhões de litros.
E, de acordo com dados do NITI Aayog, uma think thank de políticas públicas do governo indiano, a necessidade estimada de etanol para mistura de 20% na gasolina será de 10 bilhões de litros por ano para o período entre 2024 e 2026.
Mas, além da Índia, o Ethanol Talks ainda ajudou na consolidação de resultados relevantes também na América Latina, como na Guatemala, Costa Rica, Panamá e Argentina.
Por meio de grande atuação de atores brasileiros do setor, incluindo a realização de Ethanol Talks nessas regiões, conseguimos atingir esses países com mensagens bastante positivas e já vemos resultados importantes, como anúncio de mistura de 10% de etanol na gasolina na Guatemala em 2024, sinalizações de aumento de misturas na Costa Rica e Panamá e potencial de crescimento na Argentina, de 10% para 15% de mistura.
Finalmente, cabe destacar o apoio da Unica ao governo, para o sucesso de quatro painéis movidos na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Ao longo dessas duas últimas décadas, o Brasil obteve importantes vitórias contra políticas distorcivas de comércio ao açúcar, e que indiretamente afetam negativamente toda a indústria do setor sucroenergético, como os casos da União Europeia, Tailândia, China e, mais recentemente, a Índia
Isso representou um ganho ao setor da ordem de alguns bilhões de dólares ao ano e que se deve aos quadros da diplomacia brasileira que, juntamente com o setor privado, souberam defender os interesses do país com os argumentos técnicos e habilidade política que permitiram acordos em momentos cruciais desses processos.
Apesar de todas essas conquistas, cabe destacar que temos importantíssimos desafios e oportunidades.
No próximo capítulo da internacionalização do etanol, além dos tradicionais mercados que já vimos atuando, como Estados Unidos, Europa e Ásia, queremos dar ênfase cada vez maior a novos mercados, promovendo maior cooperação Sul-Sul – entre países da África e América Latina –, regiões com potencial de produção de forma competitiva, além da Califórnia, que hoje é o maior mercado para o etanol brasileiro.
Também será muito importante continuarmos promovendo ações de comunicação para disseminar globalmente a sustentabilidade dos produtos do setor.
E ao mesmo tempo incentivar inovações e novos produtos para a descarbonização do transporte terrestre e aéreo, como os combustíveis sustentáveis para aviação (SAF) e o hidrogênio verde – que podem ser produzidos a partir do etanol. Os desafios são grandes e temos no etanol um futuro brilhante como parte da solução!
*Eduardo Leão de Sousa é diretor executivo e Júlia Tauszig é relações internacionais da União da Indústria da Cana-de-Açúcar e Bioenergia. Artigo publicado originalmente no site da EPBR.
0 comentário
O início da safra de grãos 2024/25 e as ferramentas que potencializam o poder de compra do agricultor
Produção de bioinsumos on-farm, por Décio Gazzoni
Reforma Tributária: algo precisa ser feito, antes que a mesa do consumidor sinta os reflexos dos impostos
Benefícios da fenação para o bolso do produtor
Artigo/Cepea: Quebra de safra e preços baixos limitam rentabilidade na temporada 2023/24
O Biodiesel e o Biometano no Combustível do Futuro, por Arnaldo Jardim