Molion: Climatologista publica contraponto de estudo que afirma que área de produção do café terá expressiva redução
O artigo,“Agroforestry systems can mitigate the impacts of climate change on coffee production: A spatially explicit assessment in Brazil (Sistemas agroflorestais podem mitigar os impactos de mudança climática na produção de café [arábica]: Uma avaliação espacial explicita no Brasil)”,foi publicado numa revista científica de renome da Elsevier.
O autor principal é Lucas de Carvalho Gomes, um estudante de doutorado no Departamento de Solos da UFV (MG). Aparentemente, ou ele mantém contato ou está fazendo um doutorado sanduíche na Universidade de Waginingen, Países Baixos (Holanda). Os autores usaram um modelo bioclimático, denominado Maxent, desenvolvido no MIT/USA, que foi alimentado com dados de temperaturas, resultantes das simulações do clima futuro até 2050, feitas com 19 modelos de clima (MCG) usando o cenário RCP 4.5 do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas).Hijmanset al (2005) interpolaram os resultados dos MCG para obteremdados com uma resolução de 1 km x 1 km. Os autores usaram esses dados, “ajustando” as temperaturas máximas e mínimas para microclima alterado de sistemas agroflorestais com base em estudos observacionais.
Os modelos resultaram em um aumento da temperatura média anual de 1,7°C e uma redução de precipitação de 60 mm/ano no ano 2050, que levaria a uma redução de 60% da área plantada de café arábica a céu aberto, café não sombreado. Ou seja, 60% da área atual se torna imprópria para o cultivo do café no ano 2050.
Concluem que a adoção de sistemas agroflorestais na região, com 50% de cobertura, poderia manter 75% da área atual apropriados para a produção de café arábica.
Comentário por Luiz Carlos Molion - Climatologista:
Mais um artigo alarmista, sensacionalista, puramente baseado em projeções de MCG, cujos resultados são irrelevantes ou inúteis, meros exercícios acadêmicos, que não se prestam para planejar as atividades agrícolas, particularmente o cultivo do arábica. Um MCG é um código ou programa de computador muito complexo, com milhares de linhas de instrução e que depende de um supercomputador para resolver uma dada hipótese de trabalho, ou teste de sensibilidade, no caso, previsão de temperaturas máxima e mínima e de chuva na região montanhosa do Sudeste [19.15°Sa 21.30°S; 40.5 °W a 43.3 °W)].
O computador, porém, não sabe o que é um “continuum”. Os dados de entrada para o MCG têm que ser discretizados. Ou seja, a assimilação de dados no MCG é feita em pontos de grade tanto na horizontal como em altitude (grade tridimensional), conforme mostrado na Figura 1. Em geral, os melhores MCG, como o Modelo E do GISS/NASA por exemplo, têm um espaçamento horizontal entre pontos de grade, isto é, uma resolução espacial de 1° de latitude por 1° de longitude [110kmx110km] e é integrado com uma resolução temporal de 30 minutos. Os dados das variáveis meteorológicas (temperatura, umidade, vento, etc), para o início da simulação, são informados ao MCG em cada ponto de grade distante 110 km um do outro. Isso significa que o MCG não tem “informação”, ou dados, sobre o que acontece entre um ponto e outro. Todos os processos de escala espacial inferior à distância entre os pontos de grade [processos sub-grade], como ciclo hidrológico, vegetação [albedo, evapotranspiração e emissão de CO2], propriedades dos solos, topografia, têm que ser “parametrizados”.
Em particular, processos físicos de turbulência do ar vertical, convecção (movimento ascendente de ar úmido), necessários para a formação de nuvens e chuva – que controlam o microclima local - são processos de escala da ordem de 100m a 1.000m, muito inferiores à distância entre os pontos de grade, e não são “percebidos” pelo modelo.Por exemplo, uma nuvem cumulonimbo de 20 km de diâmetro equivalente e 12 km da altura,situada entre pontos de grade, pode produzir um volume de chuva superior a 50mm localmente, o que não seria simulado pelo modelo uma vez que este não tem a informação da presença dessa nuvem. Criam-se, então, fórmulas matemáticas simples, empíricas ou baseadas em observações, na tentativa de reproduzir os processos físicos reais.Portanto, as equações paramétricas usadas nos códigos dos MCG são apenas aproximações dos processos físicos reais que ocorrem no sistema climático.Algumas delas podem ser bem representativas, outras, porém, podem ser grosseiras, porque os processos físicos que elas representam ou não são bem entendidos, como evapotranspiração, ou são muito complexos para serem incluídos no código devido às restrições computacionais.
Dentre as parametrizações, o de formação de nuvens e chuva (ciclo hidrológico) merece destaque, pois permanece sendo um dos mais importantes, senão o maior, desafios, responsável pela grande diferença de resultados entre MCG. De acordo com o Teorema da Amostragem de Nyquist, a distância entre os pontos de grade é um filtro para processos físicos inferiores a duas vezes a distância entre os pontos de grade. No caso do MCG do GISS/NASA, todos os processos físicos com escala espacial inferior a 220 km são filtrados, não “percebidos” pelo modelo. Em adição, essas parametrizações têm que ser “calibradas”, ou “sintonizadas” para que os resultados do modelo se aproximem da realidade observada. Nesse aspecto, existem dois pontos dignos de nota. Primeiro, a maior parte dos MCG foi “calibrada” com dados observados de 1975 a 2000, um período em que, reconhecidamente, o clima global estava aquecido.
Portanto, essa prática é tendenciosa, uma vez que “sintoniza” os MCG na fase quente da variabilidade interna natural do sistema climático e faz que os MCG sejam exageradamente sensíveis às variações de CO2. Segundo, os MCG foram desenhados especificamente para responder ao aumento da concentração de CO2 na atmosfera, tanto assim que, de acordo com os relatórios do IPCC, se se mantem a concentração de CO2 fixa, os MCG não apresentam aquecimento global significativo, alguns até apresentam resfriamento. Os cenários de concentrações de CO2 futuras (SSP e RCP) são fictícios, criados pela mente humana, e alguns deles impossíveis de se realizarem, como é o caso do RCP8.5 que prevê uma concentração de CO2 3 vezes maior que a atual para 2100. Em resumo, existe um debate acirrado na comunidade científica quanto à fidelidade dos resultados dos MCG nos testes de sensibilidade e quanto sua utilidade em prognosticar climas futuros.
Uma curiosidade é que os MCG, dessa resolução espacial, têm cerca de 64.000 pontos de grade superficial. Aregião montanhosa do Sudeste estudada é representada por um retângulo(19.15°Sa 21.30°S; 40.5 °W a 43.3 °W) que contém apenas 12 pontos de grade dos MCG. Então, surgem Hijmans e colegas (2005) que interpolam os dados de grade dos MCG para se ter uma resolução espacial de 1 km x 1 km.
Como foi dito, os MCG não conseguem reproduzir o clima atual, não conseguem replicar o clima passado e, portanto, os dados climáticos futuros, obtidos por meio deles, não têm credibilidade. Ou seja, o aumento de sua resolução espacial de 110km x 110km para 1 km x 1 km é apenas um procedimento matemático que “cria” ou “gera” dados onde não existiam e não tem significado físico algum. Esse artigo se utiliza de dados “inventados” para um clima futuro para concluir que 60% da área atual será inviável para o plantio do arábica a céu aberto devido ao aumento da temperatura do ar média de 1,7°C em 2050. E propõem uma solução utópica, o cultivo do arábica dentro de sistemas florestais com 50% de sombreamento.
Os autores se esquecem que um dos grandes problemas que os produtores enfrentam é exatamente a mão de obra no cultivo e que hoje é praticamente impossível colher café manualmenteno Brasil. Daí o empenho que se faz em se criarem novas técnicas de colheita mecanizada. Em resumo, mais um artigo “científico” - diga-se de passagem muito bem elaborado, revisado pelos pares (“peerreview”) e publicado em revista de renome internacional - para aumentar a lista dos resultados inúteis que não contribuem para o desenvolvimento socioeconômico.
Os principais indicadores climáticos sugerem que a tendência do clima nos próximos 10-12 anos – e há quem diga para os próximos 22 -24anos – é de ligeiro resfriamento global, e não de aquecimento, resfriamento médio resultante de uma frequência de invernos mais rigorosos. Neste ano de 2020, o Sol está entrando em um período de mínima atividade que ocorre num ciclo de 100 anos aproximadamente. Há uma teoria que sugere que atividade solar reduzida poderá provocar um aumento da cobertura de nuvens globalmente. Esse aumento resultará em uma redução da entrada do fluxo de radiação do Sol no planeta que, por sua vez, resfriará os oceanos e, estes, o clima global. Nesse período, os produtores de arábica devem se preocupar, e se precaverem à medida do possível, com o aumento dos riscos de geada severas para a região citada.
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