Estes estados americanos possuem rendas maiores que a maioria dos países europeus, por Mises Brasil
Em 2015, escrevi um artigo intitulado "Se Suécia e Alemanha se tornassem estados americanos, ambos estariam entre os mais pobres do país". Foi um dos mais compartilhados — e também mais vilipendiados — artigos da história do Mises Institute.
O artigo mostrava que, contrariamente aos vários esforços dos progressistas de fazer com que os estados social-democratas europeus pareçam mais prósperos que os Estados Unidos, os fatos — ao menos se mensurarmos em termos de renda — não comprovam essa tese.
Embora seja verdade que a renda não é a única mensuração de prosperidade, ela é sim um fator indiscutivelmente importante.
O entusiasmo com que a informação daquele artigo foi promovida e caluniada não foi surpreendente, dado que esses tipos de comparações internacionais sempre fornecem material estimulante para ambos os lados do debate. De um lado, o fato de que algumas economias relativamente intervencionistas têm uma alta renda seria prova de que as chamadas "economias mistas" e intervencionistas são melhores do que aquelas economias mais livre e mais voltadas para a livre iniciativa. De outro, o fato de que aquelas economias mais voltadas para o mercado comprovadamente possuem rendas especialmente altas também seria prova de que economias mais puramente de mercado são as melhores.
Este conflito é majorado pela percepção popular de que os Estados Unidos representam uma "linha dura", um sistema de livre mercado extremo, ao passo que a maioria dos países europeus são imaginados como sendo bem mais intervencionistas que os EUA.
A realidade, no entanto, é bem mais cinzenta. Em termos de gastos governamentais com programas assistencialistas, os EUA estão em linha com vários outros países tipicamente percebidos como "estados de bem-estar social". Na área da saúde, por exemplo, o governo americano gasta mais do que praticamente todos os outros países, ricos e pobres. Em outras palavras, os EUA estão muito longe de ser aquele exemplo extremo que muitas pessoas imaginam.
Ainda assim, em vários aspectos, os EUA ainda são uma economia relativamente livre, principalmente em termos de carga tributária, regulações sobre a propriedade privada e comércio estrangeiro.
Sendo assim, exatamente onde estão os EUA em termos de renda? Se atualizarmos os dados utilizando aqueles números de 2015, encontramos resultados similares.
Quando mensuramos de acordo com a mediana da renda disponível (atenção: não confundir mediana com média: a média é distorcida pelas rendas mais altas; já a mediana evita esse problema) — sendo que essa renda disponível inclui o recebimento de dinheiro via programas assistencialistas —, os EUA permanecem entre as maiores rendas do mundo:
Gráfico 1: mediana da renda disponível (dados da OCDE ajustados pela paridade do poder de compra)
De novo: observe que estamos lidando com medianas, e não com médias. Quando analisamos riqueza e renda nos EUA, a média tende a ser severamente distorcida para cima por causa da existência de vários bilionários no país. Ao utilizar a mediana, esses efeitos são mitigados.
Adicionalmente, os dados utilizados são da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que dificilmente pode ser considerado um grupo pró-mercado. Especificamente, os números são da rubrica "mediana da renda disponível", a qual leva em conta a renda oriunda também de programas sociais, bem como os custos da tributação.
Os números da mediana da renda média são então convertidos das respectivas moedas locais para dólares internacionais utilizando o fator de conversão da paridade do poder de compra (PPP) disponibilizado no site do Banco Mundial (clivar em "PPP conversion factor, GDP (LCU per international $)"). Não há nada de novo nesta abordagem. É exatamente o que a Organização Mundial da Saúde manda fazer para se comparar valores entre jurisdições. As comparações internacionais da mediana da renda na Wikipedia também empregam este método. Ademais, nossos resultados do gráfico acima são bastante similares aos resultados finais expressos em dólar e publicados pela própria OCDE em seu relatório de 2014 "Society at a Glance".
Normalmente, quando comparações deste tipo são feitas na mídia, elas se baseiam no PIB per capita ou em outras mensurações que ignoram impostos, benefícios sociais e as distorções estatísticas geradas por um pequeno número de pessoas com altíssima renda no topo. Já a mensuração da mediana da renda disponível leva tudo isso em conta. E ainda assim ficamos com uma mensuração que mostra que os EUA ainda superam a maioria daqueles países que tantas pessoas dizem ter se tornado um paraíso na terra em decorrência de um estado intervencionista.
Comparando a renda com os gastos com benefícios sociais
Adicionalmente, quando comparamos estes resultados com os gastos assistencialistas por país, não é possível encontrar uma sólida ligação entre a quantidade de gastos com benefícios sociais e a mediana da renda.
É verdade, por exemplo, que a mediana da renda da Dinamarca é essencialmente a mesma da dos EUA, de aproximadamente US$ 32.000. Porém, a Dinamarca gasta muito mais em benefícios sociais em porcentagem do PIB. Seria isso uma evidência de que os EUA poderiam gastar muito mais com benefícios sociais e ainda assim manter a mesma mediana da renda? Não.
E o ceticismo quanto a isso é justificado, uma vez que Canadá e Austrália, ambos os quais gastam menos com benefícios sociais que os EUA, possuem medianas de renda maiores que os EUA. Não seria isso uma evidência de que os EUA deveriam cortar seus gastos sociais caso queira aumentar a mediana da renda? Essa conclusão também não necessariamente é permitida por essa informação. Os gastos sociais nos EUA são aproximadamente iguais aos da Suíça e da Nova Zelândia, e apenas dois pontos percentuais abaixo dos do Reino Unido:
Gráfico 2: gastos sociais do governo em porcentagem do PIB. Fonte: The OECD Social Benefits database: https://stats.oecd.org/Index.aspx?datasetcode=SOCX_AGG
E a desigualdade?
Ao lidar com essas medianas maiores, o intervencionista irá então dizer: "Mas e os níveis de pobreza? Ok, a mediana da renda nos EUA é alta, mas há mais pobres nos EUA!"
Mesmo isso também depende de como a pobreza é mensurada.
Mensurações internacionais de pobreza são normalmente expressas em termos do número de pessoas que possuem rendas equivalentes à metade da mediana da renda de cada país. Como explicado no artigo "Os pobres nos EUA são mais ricos que a classe média em boa parte da Europa", se tomarmos os pobres nos EUA como aqueles cuja renda é metade da mediana da renda do país, então estes terão praticamente a mediana da renda da Espanha e da Itália.
Sendo assim, estatisticamente, mesmo com a taxa de pobreza nos EUA sendo considerada mais alta que as de outros países, a verdadeira renda dos pobres americanos é mais alta do que a dos países com medianas de renda menores.
Por exemplo, a metade da mediana da renda disponível nos EUA — que é o que define a taxa de pobreza — equivale a aproximadamente US$ 16.000. Isso está apenas US$ 7.000 abaixo da mediana da renda da Itália. Enquanto isso, a renda que define a pobreza na Itália é de US$ 12.000.
Recentemente, o Pew research center também forneceu outra maneira de olhar isso. Em um relatório de 2017, o Pew analisou a mediana das rendas de vários países, separando os grupos de renda em três categorias: classe média, classe baixa e classe alta.
Por essa métrica, 26% dos americanos estão na classe baixa. Isso não é muito mais alto do que ocorre no sul da Europa, mas muito acima do que é visto no norte da Europa.
Gráfico 3: separação das classes nos países, feita pelo Pew Research Center
Porém, observe que o nível de renda da classe mais baixa nos EUA é maior que a da maioria da Europa. Sim, a classe baixa americana é maior, mas sua renda (de novo, incluindo assistências governamentais) é comparável àquela da Dinamarca e da Holanda. E é maior que a da Alemanha.
Gráfico 4: mediana da renda para as três classes sociais de cada país
Portanto, sim, há mais pessoas na classe baixa nos EUA, mas essas pessoas têm rendas maiores do que seus semelhantes em boa parte da Europa.
Observe também que a classe média no sul da Europa (isto é, Itália e Espanha) possui praticamente a metade da renda da classe média nos EUA. Já a renda da classe baixa desses países é de apenas um quarto da renda da classe média dos EUA.
Claramente, a mera presença de um estado assistencialista nestes países não exatamente garante abundância.
Separando por estados
Um último fator a ser considerado é que, sempre que fazemos comparações como estas, temos de nos lembrar que os EUA são muito mais diversos, tanto geograficamente quanto demograficamente, que todo e qualquer país europeu.
A população americana é muito maior que a de qualquer outro país mencionado aqui, e as diferenças de renda podem variar significativamente de estado para estado.
Falar de um número único que sintetiza a renda de todo uma população já é problemático para qualquer país, mas faz ainda menos sentido para um país tão amplo, populoso e diverso quanto os Estados Unidos.
De acordo com o Census Bureau, por exemplo, a mediana da renda nos EUA foi de US$ 55.775 em 2015.
Mas as medianas das rendas por estado variaram enormemente, indo de US$ 40.500 no Mississippi para US$ 75.800 em Maryland.
Expressando em porcentagem da mediana da renda nacional, eis o ranking dos estados americanos:
Gráfico 5: mediana da renda dos estados americanos em porcentagem da mediana da renda nacional
Logo, se olharmos para alguns dos mais ricos estados americanos, descobrimos que alguns deles estão muito acima da renda mediana dos EUA, e, logo, no topo do ranking das comparações internacionais.
Por exemplo, a mediana da renda de New Hampshire é de 126% da mediana da renda dos EUA. Se consideramos essa informação à luz do fato de que a mediana da renda disponível dos EUA (de acordo com a OCDE) é de US$ 32.075, então podemos concluir que New Hampshire possui uma renda internacionalmente comparável de US$ 40.400. Isso está no mesmo nível de Suíça e Noruega. Em outras palavras, analisando-se individualmente, estados como New Hampshire, Massachusetts, Washington e Colorado estão entre os locais mais ricos do planeta, de longe.
Ampliando essa análise para todos os estado, temos este ranking comparando os estados americanos aos países da OCDE:
Gráfico 6: estados americanos comparados a países da OCDE em termos de mediana da renda
Reconhecendo que alguns estados americanos são mais ricos que outros, começamos agora a ter uma ideia melhor de onde alguns países europeus se encaixam na comparação. Nada surpreendentemente, Noruega, Luxemburgo e Suíça continuam perto do topo. Canadá e Austrália ficam entre Rhode Island e Illinois. E a Suécia fica entre Kansas e Dakota do Sul.
Já alguns países europeus normalmente tidos como ricos não se saem especialmente bem nessa mensuração. A França, por exemplo, fica entre a Carolina do Sul e a Louisiana, ao passo que a Alemanha fica abaixo da Flórida.
Já os países do sul da Europa ficam ainda piores, com a Itália sendo mais pobre que o Arkansas, e a Espanha mais pobre que o Mississippi, que é o mais pobre estado americano.
Por essa mensuração, se a Itália fosse um estado americano, ela seria mais pobre que todos os estados, exceto o Mississippi. Já o Reino Unido, um pouco melhor, seria mais pobre que todos, exceto Mississippi, Arkansas e Virgínia Ocidental.
Mas boa parte disso não deveria surpreender ninguém. A renda em lugares como Minnesota, Connecticut, Massachusetts, Utah e Colorado sempre foi evidentemente alta, com ótimos indicadores de qualidade de vida, como expectativa de vida, pobreza e criminalidade. O fato de que estes estados rivalizam com lugares como Suíça, Canadá, Dinamarca e Áustria não é exatamente algo estarrecedor.
Um último refinamento que poderíamos incluir seria levar em consideração as diferenças no custo de vida de cada estado. Já fizemos o ajuste do custo de vida recorrendo à paridade do poder de compra, mas isso inclui apenas diferenças ao longo das fronteiras internacionais. Mas podemos também ajustar a mediana das rendas em cada estado americano pela "paridade regional de preços" em cada estado.
Isso faria com que estados de baixo custo de vida, como Mississippi, subam no ranking, ao passo que estados com alto custo de vida, como Nova Jersey, caiam.
Se fizermos esse ajuste, eis os resultados:
Gráfico 7: estados americanos comparados a países da OCDE em termos de mediana da renda, e ajustado pela paridade regional de preços entre os estados americanos
No final, o efeito geral não é significativamente diferente do do gráfico anterior, mas há mudanças que podem surpreender: França, Reino Unido, Itália, Japão e Coréia são mais pobres que o mais pobre estado americano, o Mississippi. E Finlândia e Alemanha são mais pobres que a Louisiana.
O ponto, no entanto, já foi feito: para aqueles americanos defensores da social-democracia, e que querem viver em um local com renda muito alta, a solução pode estar não em se mudar para outro país, mas sim em apenas se mudar para outro estado americano.
E embora alguns intervencionistas gostem de retratar os EUA como uma economia falha, na qual apenas os super-ricos prosperam, os números simplesmente não confirmam isso.
É claro que isso também não é prova de que os EUA e outros países relativamente ricos e economicamente mais liberais (como Suíça) sejam perfeitos. Mas o fato é que os dados simplesmente não dão suporte a teorias simplistas, como a que diz que mais gastos governamentais são o caminho para a prosperidade econômica.
No final, o próprio fato de que esses dados, por si sós, nos dizem muito pouco apenas reforça a necessidade e a importância de se dominar a teoria econômica. Apenas uma sólida teoria econômica pode nos ajudar a entender por que a Alemanha Ocidental era rica, mas a Alemanha Oriental era pobre, e por que a Venezuela está passando fome e o Chile não.
2 comentários
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Renato Luiz Hannisch Santa Maria - RS
Que estudo interessante. Nunca havia lido algo que tão didático e que demostra que houve uma pesquisa muito profunda.
Não consegui perceber quem é o autor do artigo/estudo divulgado. É parte de uma tese?Marcelo Castilho Sao carlos - SP
Quanta bobagem. EUA injetou 1 trilhão para evitar uma crise maior em 2008, com OBAMA, agora sobre taxa todas as importações Chinesas e recentemente os minérios de Brasil e Argentina. EUA é liberal quando lhe convém. No sentido de que é cada um por si na questão da saúde, da universidade privada. Mas quando tem a chance protege o setor da laranja, do minério e por ai vai. Não foi a China que iniciou a guerra comercial com os EUA. MISES BRASIL. Até o FMI tem escrito ser anti este liberalismo todo. Que a teoria liberal quebra países como o Brasil. Me desculpe, mas este foi o pior artigo que já vi um, economista produzir. Se é que foi um economista que escreveu pelo MISES BRASIL.
Marcelo Castilho, é evidente que temos de tornar o Brasil mais liberal do ponto de vista econômico. Mas por outro lado há um discurso utópico neo liberal que virou moda no Brasil, é um discurso que muito se assemelha em seu romantismo e fantasia aos discursos utópicos daqueles socialistas que vínhamos muito no Brasil na década de 80 e 90, evidentemente por outro viés, mas o romantismo é o mesmo. Nos dois casos, pouco enxergam o caso concreto, que é a realidade brasileira e como se adequar esses fundamentos a ela para obter a mudança. Não sei o que o Brasil vai colher ou deixar de colher com essa onda liberal, mas temos de observar isso melhor a médio e longo prazo, toda mudança gera efeitos colaterais, mas o importante e ver se o saldo foi positivo para a sociedade. Sim, o que temos nos EUA e no Brasil é o liberalismo por convêniencia, inclusive a conveniência de se privilegiar determinados setores em detrimento a outros. O que é natural, só não podemos esquecer disso.
A diferença de infraestrutura da Alemanha comparada a da Florida é enorme. Em educação e saúde a diferença é maior ainda, os americanos vivem bem menos. Esses números não mostram a verdade, o cuidado com o meio ambiente é muito melhor no país europeu. Quanta bobagem para pregar o liberalismo.