Obscurantismo indigenista contra uso da biodiversidade, por Leandro Batista Pereira
A presidente Dilma Rousseff sancionou o novo Marco da Biodiversidade, no último dia 20 de maio. A legislação tem como objetivo desburocratizar as pesquisas e o desenvolvimento de novos medicamentos baseados na flora brasileira e em tratamentos medicinais desenvolvidos por indígenas, quilombolas e extrativistas. Apesar de seis itens da lei terem sido vetados pela presidente, algumas ONGs se opoem ao novo modelo regulatório e pretendem fazer pressão para influenciar a sua regulamentação, de forma a incluir restrições na exploração comercial de nossa biodiversidade.
A nova lei substitui uma antiga legislação mais burocrática e foi festejada pela indústria farmacêutica. Para o Grupo FarmaBrasil, que reúne laboratórios farmacêuticos brasileiros, o novo marco permitirá a “aplicação de R$ 332 milhões em pesquisa e desenvolvimento de novas drogas baseadas na flora brasileira até o final de 2016″. O modelo anterior levou à aplicação de muitas penalidades sobre empresas e instituições acadêmicas: desde 2005, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aplicou mais de R$ 230 milhões em multas, em quase 600 autos de infrações (BBC Brasil, 21/05/2015).
Dentre as instituições brasileiras e multinacionais penalizadas por realizarem pesquisas com a flora brasileira e com base em tratamentos tradicionais, segundo a legislação anterior, estão grandes empresas como a Ambev, Avon, Boticário, Natura, L’Oreal, Unilever, Pfizer, Merck e outras, mesmo universidades públicas – USP, UERJ, UFPB, UFRGS, UFMG e outras – e até mesmo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Emprapa). A diretora executiva da FarmaBrasil, Adriana Diaféria, afirmou que o setor ficou “bastante satisfeito” com o novo marco, que vai proporcionar “mais segurança jurídica para os investimentos”.
A proposta de um novo marco para o setor foi desenvolvida pelo Ministério do Meio Ambiente, com participação ativa da indústria farmacêutica, e depois foi encaminhada para a apreciação no Congresso Nacional, onde as comunidades ditas tradicionais tiveram mais envolvimento nas discussões.
As novas regras alteram o modo como empresas e cientistas desenvolvem as suas pesquisas e firmam acordos com comunidades ditas tradicionais – indígenas, quilombolas e extrativistas. Com o novo marco, não é mais preciso autorização prévia para iniciar tais pesquisas, apenas para a comercialização dos produtos desenvolvidos. Porém, foi mantida a imposição de que as empresas e instituições devem pagar royalties aos povos tradicionais, por se basear em suas técnicas. A autorização para a comercialização do produto e o contrato de repartição de lucros entre empresas e grupos tradicionais poderão ser firmados até um ano depois do lançamento do produto no mercado, de modo a permitir que as companhias avaliem o seu potencial mercadológico.
Dentre as inovações do novo Marco da Biodiversidade está o contrato de repartição de benefícios, que é firmado quando o produto é criado a partir de pesquisa genética da biodiversidade brasileira ou de um conhecimento “tradicional”. No primeiro caso, o limite é de 1% do valor de venda do medicamento criado e o dinheiro arrecadado é gerido pela União. No segundo, a participação no faturamento será negociada diretamente com as comunidades “autoras” do conhecimento tradicional, e os recursos serão empregados na preservação ambiental e na valorização de indígenas, quilombolas e extrativistas.
Outra mudança é relativa ao elemento principal de agregação de valor: somente os produtos em que o conhecimento tradicional ou patrimônio genético for essencial para o seu funcionamento ou apelo mercadológico serão passíveis de gerar compensações. A repartição de benefícios será imposta somente aos produtos especificados em uma lista formulada por sete ministérios – proposta que não agradou aos ambientalistas/indigenistas, que afirmam que as empresas e instituições interessadas terão mais condições de influenciar na composição dessa lista.
O novo marco também define que as micro e pequenas empresas não precisarão repartir benefícios, caso gerem novos produtos comerciais com base na nossa flora ou em conhecimentos tradicionais – o que desagradou as ONGs, que acusam tais isenções de limitar muito as “compensações”. Tais isenções atendem às reivindicações do setor privado, que argumenta que as pequenas empresas não teriam condições de arcar com tais tributações, inviabilizando os seus empreendimentos.
A nova lei permite ainda que a União celebre acordos com instituições e empresas multadas ou processadas, de modo a reduzir as penalidades em até 90%, proporcionando segurança jurídica aos empreendedores do setor. No entanto, o novo modelo reforça a exigência de que as empresas só possam vender produtos desenvolvidos a partir de conhecimento dos “povos tradicionais” após firmarem acordos de compensação. E, no caso em que a “autoria” for de dois ou mais grupos, a empresa terá que buscar um acordo entre todos.
No entanto, as ONGs se opuseram fortemente a tais medidas de desburocratização das pesquisas. Segundo elas, a nova legislação seria uma ameaça aos “direitos garantidos internacionalmente”, que estabelecem que os povos “tradicionais” devem ser compensados no caso de suas técnicas de tratamento sirvam de base para o desenvolvimento de novos medicamentos.
Além disso, acusam as compensações previstas no novo marco de serem insuficientes, já que o mesmo isenta as pequenas companhias e produtores de insumos do pagamento das compensações e royalties. Somente as grandes empresas que venderem produtos finais que usem os ditos conhecimentos tradicionais é que deverão fazer tais pagamentos.
Nurit Bensusan, assessora do Instituo Socioambiental (ISA), reconheceu que a legislação anterior era “muito ruim, tão burocrática que não gerava negócios”. No entanto, acusou o novo marco de ter “tantas isenções agora, que o fato de haver mais negócios não significa que as compensações crescerão da forma como deveriam”.
Outro a atacar o novo Marco da Biodiversidade foi Manoel Cunha, do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, que, contudo, admitiu que a nova legislação é melhor que a anterior. Segundo ele, no entanto, o novo marco não contempla os povos tradicionais em sua totalidade e se queixa do peso maior que as empresas tiveram durante a formulação da nova legislação no Congresso e no Executivo.
Cunha esteve em Brasília, com mais 17 lideranças de comunidades tradicionais, e comentou: “Estávamos muito revoltados inicialmente, mas tomamos a decisão política de ir à cerimônia para negociarmos. Esperamos poder fazer uma regulamentação que possa dar uma cara mais de povos e comunidade tradicionais para essa lei que está muito empresarial”.
Agora, a sua expectativa é de influenciar o processo de regulamentação da lei: “Nossa ansiedade é que se consiga fazer alguns ajustes na regulamentação. Temos a clareza de que [a lei] não foi escrita em pedra, principalmente no que fere os direitos das comunidades, e que podemos ir mudando alguns artigos (Agência Brasil, 21/05/2015).”
Outra entidade internacional com ampla atuação contra os interesses brasileiros a se opor ao novo Marco da Biodiversidade é a Via Campesina. O agrônomo Marciano Toledo da Silva, da Coordenação Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores da organização, protestou: “O mínimo que a gente exige é a participação no processo de regulamentação, ainda mais porque a indústria está participando ativamente desse processo. Se há interesses econômicos das grandes corporações, também há interesse da nossa parte. Os nossos direitos estão sendo violados. Uma série de questões de direitos já reconhecidos, como o trabalho dos povos indígenas e dos próprios pequenos agricultores, que vêm fazendo trabalho de melhoramento genético há décadas e, agora, a indústria quer se apropriar disso.”
Uma desagradável surpresa foi ver entidades representativas da comunidade científica brasileira atacarem a legislação. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) questionou parcialmente o novo marco, acusando-o de ser um “retrocesso aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais”. Em artigo no portal da instituição, a presidente Helena Nader escreveu: “Em nosso entendimento, a ética e o respeito aos direitos adquiridos é condiçãosine qua non para o desenvolvimento de uma ciência séria.”
Por outro lado, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, discordou de tais críticas e afirmou que “vários representantes de comunidades tradicionais estiveram no Ministério do Meio Ambiente, inclusive, concordando com a proposta. Temos os registros e se divulgarmos os nomes dessas pessoas vamos saber quem está fazendo política”. A ministra destacou ainda que o texto final é resultado de discussões feitas no Congresso Nacional, envolvendo todas as partes interessadas: “A articulação [do governo] não foi só com os povos ou comunidades tradicionais, mas com os empresários, com os formadores de opinião, com os cientistas. Todo mundo tem que ir para dentro do Congresso Nacional e articular suas posições. E não apenas para ser ouvido, mas incluir suas propostas e ganhar nos argumentos.”
Na cerimônia de sanção do novo Marco da Biodiversidade, ela ressaltou que, nos últimos 12 anos, foram firmados apenas 136 contratos de repartição de benefícios (dos quais 80% nos últimos três anos), devido aos draconianos entraves da antiga legislação. “Será reduzida a burocracia para o desenvolvimento de novos produtos. A biodiversidade começará a ser vista como ativo estratégico do desenvolvimento econômico”, ressaltou.
Talvez, a chave para o entendimento das críticas do aparato ambientalista-indigenista à nova legislação esteja nestas palavras da ministra: um ativo estratégico do desenvolvimento econômico do País. Como se sabe, o conceito de “desenvolvimento econômico” constitui um verdadeiro anátema para os círculos mais radicais daquele aparato internacional.
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