Mercado de açúcar: "Navegando em águas turvas", por Arnaldo Luiz Correa
O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a sexta-feira em território negativo comparativamente à semana passada. O vencimento março/2020 fechou cotado a 12.32 centavos de dólar por libra-peso, uma queda semanal de apenas 9 pontos, ou cerca de dois dólares por tonelada. Os demais vencimentos fecharam com baixas entre 10-12 pontos.
Os fundos não-indexados adicionaram novas vendas durante a semana e chegam perto do recorde de posição vendida:176,500 contratos vendidos. Apenas para registro, café e açúcar acumulam perdas no mês de outubro de 5% e 3%, respectivamente. São duas commodities em que os fundos estão deitando e rolando.
No início da semana, o evento Canaplan comandado pelo ex-presidente da ABAG, Luiz Carlos Corrêa Carvalho (Caio) ocorrido na cidade de Ribeirão Preto destacou-se uma vez mais como um dos melhores do setor, pela maneira pragmática de expor e discutir os diversos aspectos que preocupam o mercado sucroalcooleiro. A excelente palestra de Martin Todd, da LMC, focou nas dificuldades que o mercado de açúcar tem para conseguir quebrar a barreira de 14 centavos de dólar por libra-peso. Com 25 milhões de toneladas de açúcar de estoque dividido entre dois países - Índia e China - o diretor geral acredita que superar tal barreira de preços é tarefa complicada. No entanto, concorda que o pior em termos de preço já foi visto.
Há consenso de que o Centro-Sul não vai experimentar expansão na área plantada nos próximos anos. O crescimento esperado do PIB para 2020 vai acelerar o consumo de combustíveis e a disponibilidade de açúcar por parte do Brasil deverá ficar ainda mais comprometida. Se isso ocorrer, por três anos seguidos o Brasil estará ajudando a enxugar os amplos estoques mundiais. Os fundamentos, como sempre dissemos aqui nesse espaço, são bem construtivos. Só precisamos combinar com o mercado.
Há duas semanas, a prestigiosa publicação inglesa de notícias The Economist trouxe matéria de capa destacando como o mercado acionário (leia-se Wall Street) está hoje nas mãos dos computadores, dos algoritmos e dos modelos matemáticos. “Investir, há cinquenta anos”, diz a revista na sua edição de 5 de outubro, “era um assunto manifestamente humano. A leitura do Wall Street Journal no caminho para o trabalho, uma televisão ligada no pregão e a habilidade de conseguir ler aquelas fitas amarelas que eram cuspidas das máquinas de telex e notícias ofereciam uma vantagem comparativa significativa de informações”.
O assunto abordado pela publicação é palpitante e levanta dúvidas quanto a verdadeira função dos mercados. E aqui, naturalmente, puxo a brasa à nossa sardinha: o mercado de commodities. Quanto, também ele, pode estar sendo afetado por essa mudança?
É razoável admitir que alguns mercados podem ficar reféns de algoritmos e seus efeitos na trajetória dos preços, tornando o velho e criterioso método de analisar os fundamentos tão obsoleto quanto as réguas de cálculo ou os suspensórios vermelhos de Gordon Gekko.
Querer saber antecipadamente como o mercado vai se comportar sempre foi uma busca incessante dos operadores de mercado. Uma verdadeira pedra filosofal, pois prever a direção e a volatilidade dos preços acertadamente é certeza absoluta de lucro.
Empresas comercializadoras de commodities sempre investiram em pesquisa com foco na análise da produção, consumo, estoques, ambicionando antecipar períodos de fartura e escassez de determinada commodity e assim se posicionarem nos mercados futuros, nos spreads, nas arbitragens, no basis, na volatilidade, antes que seus concorrentes o fizessem. Hoje, esse pessoal técnico especializado que trabalha na coleta e análise dessas informações - que são matéria prima para a tomada de decisão dos executivos de commodities - respondem pelo imponente nome de Inteligência de mercado.
Minha formação profissional (Cargill nos anos 1980) me compeliu a ser fundamentalista. Ainda que os mercados de commodities normalmente exageram nas oscilações pela gama de elementos que compõem a formação de preços das commodities e por serem elas extremamente sensíveis às mudanças bruscas na disponibilidade do produto, aprendi ao longo dos mais de 40 anos de mercado, que os fundamentos acabam prevalecendo. Ou pelo menos, era assim.
Podemos ver distorções nos mercados futuros quando comparamos o preço negociado em bolsa com o mercado físico daquele produto, ou com produto similar, ou ainda com produto que resulta da mesma matéria prima. Assim por exemplo, deve haver estreita relação entre os preços negociados nos mercados futuros da soja em grão, do farelo de soja e do óleo de soja, dado que esses dois últimos resultam do esmagamento do primeiro. Se os preços não mantiveram essa correlação, arbitra-se, vendendo o que está sobrevalorizado e comprando o que está subvalorizado até que a relação volte a ser equânime. Simples assim.
Podemos encontrar distorções no mercado de açúcar quando vimos, por exemplo, há 3 anos, o etanol hidratado ser negociado com desconto de 800 pontos equivalente ao preço do açúcar em NY. A distorção mostrava que NY estava inflada artificialmente pelos fundos movidos provavelmente pelos mesmos algoritmos e modelos matemáticos que hoje execramos.
Da mesma maneira como os algoritmos atuam hoje nos mercados acionários, desafiando limites de inovação, criando inteligência artificial e algoritmos de aprendizado (Machine Learning), buscando selecionar que ações comprar e vender, obviamente que a migração dessa abordagem para o mercado de commodities se deu num piscar de olhos. Haja vista, que não coincidentemente, os fundos têm sistematicamente comprado energia às custas de vendas das softs.
O executivo/trader/comprador de insumos que toma decisão na hora de fixar preços na bolsa respaldando-se nas competentes análises do seu pessoal de inteligência de mercado, precisa se precaver que do outro lado do balcão pode ter uma inteligência artificial que está apenas buscando o que comprar ou vender com o menor risco, e pouco importa se choveu ou não no canavial, se o real está valorizado ou não, se o estoque de passagem do etanol será reduzido.
O processo de tomada de decisão que outrora se ancorava nos fundamentos tem hoje mais elementos a serem observados, tornando o processo decisório ainda mais difícil e a gestão de risco uma ferramenta que necessita incessante atualização e criatividade para conseguir navegar em águas tão turvas.
O XXXIII Curso Intensivo de Futuros, Opções e Derivativos está confirmado para março de 2020, nos dias 24, 25 e 26 de março, no Hotel Wall Street, na Rua Itapeva, em São Paulo – Capital. Não perca.
Bom final de semana.
Arnaldo Luiz Corrêa
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