Seca gera disputa pela água contra racionamento de energia no Brasil

Publicado em 30/05/2021 17:03

SÃO PAULO/RIO DE JANEIRO (Reuters) - Uma crise hidrológica histórica enfrentada pelo Brasil nos últimos meses passou a gerar preocupações sobre a oferta de energia, e técnicos responsáveis pela operação do sistema elétrico avaliam que evitar um racionamento ou blecautes exigirá uma verdadeira "disputa pela água".

O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), liderado pelo Ministério de Minas e Energia, disse após reunião extraordinária na quinta-feira que a escassez de chuvas faz com que seja importante flexibilizar restrições à operação de algumas hidrelétricas, incluindo Jupiá, Porto Primavera e Ilha Solteira, em São Paulo, e Furnas, em Minas Gerais.

Essas medidas, para permitir maior geração de energia ou mais armazenamento em determinadas regiões, precisam ser negociadas com órgãos como a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Ibama, por questões ambientais, e muitas vezes com políticos, devido ao turismo na região dos lagos.

O sucesso nessas tratativas é visto como essencial para garantir o atendimento à demanda em 2021, disseram à Reuters duas fontes com conhecimento do assunto.

"Racionamento de energia não está no cenário, mas se não acontecer a flexibilização da vazão, não tem jeito", disse uma das fontes, que falou sob a condição de anonimato devido à sensibilidade do tema.

"A situação é preocupante? É. Todos temos que estar preocupados e atentos. Mas é desesperadora? Não, não é, ainda temos a carta na manga que é essa flexibilização da vazão."

Uma segunda fonte foi na mesma linha. "Existe alerta, mas não pânico. Temos recursos desde que sejam flexibilizadas as restrições hidráulicas e as térmicas compareçam. É cedo para falar disso, mas a situação é de total atenção."

A fonte disse que "ANA e Ibama serão fundamentais", e que também é preciso alguma torcida por chuvas na região Sul.

"Estamos 'na mão' do Sul e de vencermos as flexibilizações hidráulicas", afirmou, também sob condição de sigilo.

Um racionamento de energia vivenciado pelo Brasil em 2001, que esfriou a economia e atrapalhou planos eleitorais de aliados do então presidente Fernando Henrique Cardoso, tornou discussões sobre o tema praticamente um tabu no Brasil desde então.

Mas o assunto volta ao radar de tempos em tempos, agora depois de o período entre setembro e maio ter registrado os piores níveis de chuvas em 91 anos de histórico no reservatório das hidrelétricas, principal fonte de geração do Brasil.

As flexibilizações na operação de usinas que o CMSE busca, no entanto, podem enfrentar alguma resistência por preocupações ambientais ou mesmo políticas, disse à Reuters um importante técnico do setor.

Medidas sobre vazões também poderiam ter efeitos danosos para setores como o de café, importante na área de Furnas.

"Sendo franco, essa questão vai ser muito difícil, é uma pauta antipática. Acho que vai dar briga, sempre deu", afirmou, ao lembrar que no passado o governo do presidente Jair Bolsonaro costurou acordos com políticos de Minas Gerais para manter um nível mínimo em lagos como Furnas, que fomentam o turismo.

Nesta sexta-feira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), criticou duramente o ONS, após a divulgação de informações sobre o pedido do CMSE para flexibilizar a operação de usinas incluindo Furnas.

"O ONS, vinculado ao Ministério de Minas e Energia, apoderou-se das águas brasileiras para o seu propósito único de geração de energia... a previsão de secar os reservatórios do sistema de Furnas, em Minas Gerais, é inaceitável, ainda mais depois dos acordos feitos com a bancada federal do Estado", escreveu ele no Twitter.

"Essa política energética sem ideias, que não planeja e não pensa em médio e longo prazo, reduz os níveis de água e sacrifica o abastecimento, o turismo, a navegação, a agropecuária, a piscicultura e o meio ambiente", atacou.

Procurado, o ONS não respondeu especificamente às afirmações do senador, mas disse que decisões sobre flexibilizações operativas serão tomadas pela ANA e encaminhadas ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), "por se tratarem de importantes iniciativas para manterem a segurança no abastecimento".

CENÁRIO DE ALERTA

O ONS também disse que "o cenário merece atenção", mas não vê risco de falta momentânea de oferta, ou déficit de potência, "considerando as medidas necessárias para a segurança e a continuidade do suprimento de energia que foram tomadas pelo CMSE".

O órgão do setor de energia também destacou que "vem reforçando a gestão de todos os reservatórios" e que trabalha junto ao Ibama e à ANA para "assegurar a governabilidade da operação hidráulica das principais bacias da região Sudeste".

Na quinta-feira, o CMSE alertou que medidas de flexibilização são necessárias para "mitigar o risco da perda do controle hídrico na bacia do rio Paraná".

A ANA disse em nota que "está realizando a análise da solicitação do CMSE", sem detalhar.

Já o Ministério de Minas e Energia afirmou que "a situação atual é desafiadora" e que trabalha com foco em "manter o máximo possível de água nos reservatórios" das hidrelétricas.

"O objetivo é garantir que, mesmo com poucas chuvas, seja mantido um volume de água suficiente tanto para geração de energia elétrica quanto para os demais usos da água. Sem um controle adequado das vazões, podem ocorrer impactos a todos os usuários", afirmou a pasta em nota à Reuters.

As preocupações com o suprimento vêm 20 anos depois do racionamento histórico de 2001, e assim como naquela ocasião também um ano antes de uma eleição, quando geralmente há incentivos à economia em qualquer governo, pontuou a especialista Leontina Pinto, da Engenho Consultoria.

Ela ainda disse que esforços para evitar a qualquer preço uma crise de energia, que incluem o uso em massa de térmicas, mais caras, podem gerar uma pesada conta quando os custos forem repassados à tarifa, o que ocorreu em 2015, após o país ter enfrentado riscos de oferta no ano anterior.

"Meu nível de preocupação é muito alto. A gente consegue uma retomada econômica sem energia? Ou com energia a preços estratosféricos?", questionou ela.

"Eu tenho um programa aqui de simulações, eu chamo de racionômetro. Brinco que já está no momento de 'ligar' ele de novo."

Governo busca aumentar oferta de energia, mas não prevê contratação emergencial

ÃO PAULO (Reuters) - O Ministério de Minas e Energia disse nesta sexta-feira que tem buscado ampliar a oferta de energia no Brasil, em meio a uma seca histórica na região das hidrelétricas, mas descartou a realização de processo emergencial para contratação de nova capacidade.

A afirmação da pasta, que vê uma situação "desafiadora" no suprimento de energia, vem após o Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) ter emitido na quinta-feira um alerta de emergência hídrica para o período de junho a setembro na importante bacia do Paraná.

Antes, as chuvas registradas entre setembro e maio já haviam registrado os piores níveis em 91 anos na área das usinas hídricas.

Especialistas e técnicos do setor disseram à Reuters que a situação gera preocupação e exigirá manobras na operação do sistema para evitar riscos de racionamento ou falta de energia, incluindo a flexibilização de limitações operativas de algumas hidrelétricas, o que deve gerar uma certa "disputa pela água".

"Atualmente, nossa matriz é mais diversificada, com usinas eólicas, solares e termelétricas. Além disso, o intercâmbio de energia pelo Sistema Interligado Nacional (SIN) entre regiões também cresceu consideravelmente. Entretanto, a situação atual é desafiadora, pois os níveis dos reservatórios de cabeceira das Bacias do Rio Grande e Paranaíba estão baixos", disse o ministério em nota à Reuters.

"Nesse sentido, o foco do trabalho do Ministério de Minas e Energia (MME) é manter o máximo possível de água nos reservatórios."

Na véspera, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), liderado pela pasta, destacou a importância de flexibilização em algumas restrições à operação de hidrelétricas, o que precisa ser discutido com órgãos como a ANA e o Ibama.

A decisão do CMSE será encaminhada ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), no qual têm assento diversos ministros, incluindo o do Meio Ambiente.

"O objetivo é garantir que, mesmo com poucas chuvas, seja mantido um volume de água suficiente tanto para geração de energia elétrica quanto para os demais usos da água. Sem um controle adequado das vazões, podem ocorrer impactos a todos os usuários", disse o ministério de Energia.

Além disso, estão sendo tomadas ações para aumentar a disponibilidade de geração termelétrica a gás, a óleo e a biomassa, apontou a pasta.

"Deste modo, não existe previsão de contratação emergencial de energia. O que se pretende é buscar a redução dos custos de geração do sistema, de forma a gerar o menor impacto possível aos consumidores".

O ministério defendeu ainda que "tem trabalhado diuturnamente para manter o fornecimento de energia elétrica neste cenário desafiador, que exige a tomada de ações de gerenciamento da pouca água disponível".

A ANA disse em nota que recebeu um pedido do CMSE para reconhecimento da situação de escassez hídrica na região da bacia do Paraná e que tem avaliado a solicitação.

Fonte: Reuters

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