Fitch vê incerteza na recuperação e mantém Brasil em grau especulativo (FOLHA)
A agência de classificação de risco Fitch manteve nesta sexta-feira (19) a nota de crédito do Brasil em grau especulativo, citando incertezas na recuperação da economia, preocupações políticas e fraqueza estrutural das finanças. Já a agência Moody's afirmou que a crise envolvendo o governo pode afetar, sim, o rating do país.
Na Fitch, a nota foi mantida em "BB", segundo degrau abaixo do grau de investimento (categoria atribuída a países considerados de menor risco de calote, que, por isso, obtêm financiamento com juros menores).
A perspectiva continua negativa, o que significa que pode haver rebaixamentos do rating nos próximos meses se a agência entender que as condições apontadas não melhoraram.
A manutenção ocorre um dia depois de os mercados reagirem com pânico à divulgação de notícias indicando que o presidente Michel Temer teria dado aval ao pagamento de propina para silenciar o ex-deputado Eduardo Cunha.
Segundo a Fitch, a manutenção do rating é justificada pelo crescente endividamento do governo, que compromete as finanças públicas, perspectivas fracas de expansão e indicadores de governança mais enfraquecidos em comparação com países de mesmo porte que o Brasil. Esses fatores, junto com o que a agência chama de "repetidos episódios de instabilidade política", têm implicações negativas para a economia brasileira, complementa.
A agência vê melhora nas políticas econômicas e considera que o ajuste nos mercados externos, a inflação e o melhor ancoramento das expectativas de preços e também a aprovação do teto de gastos poderiam facilitar a consolidação fiscal.
A perspectiva negativa, prossegue, reflete incertezas para a recuperação da economia brasileira, as perspectivas para a estabilização da dívida pública a médio prazo devido aos desequilíbrios fiscais e a evolução da agenda legislativa, especificamente no que diz respeito à reforma da Previdência.
A Fitch estima que a economia brasileira crescerá 0,5% neste ano e 2,5% em 2018, apesar de enxergar riscos a essas projeções, como o desemprego elevado e incertezas políticas e fiscais permanentes.
O crescimento para 2018 poderia ganhar força com a ajuda da política de queda de juros do Banco Central, e também com a contribuição do exterior.
"Volatilidade financeiro alta no exterior e no cenário doméstico, um recuo na agenda de reforma que possa prejudicar a confiança e um impacto menor do afrouxamento monetário sobre a demanda doméstica continuam representando riscos de baixa para o panorama de crescimento", afirma a Fitch no comunicado.
INCERTEZA POLÍTICA
Segundo a Fitch, o cenário político continua desafiador, apesar do alívio provocado pelo encaminhamento das reformas e pelo apoio na base do governo. "A aprovação de algumas reformas atesta a forte coalizão da base da administração Temer. No entanto, governabilidade ampla e o processo de reforma continuam vulneráveis pela ampliação do escopo das investigações da Lava Jato, que agora envolve lideranças políticas", indica o comunicado.
As eleições presidencial e para o Congresso em 2018 são citadas como focos de incerteza.
Também nesta sexta, a agência de classificação de risco Moody's indicou que as alegações envolvendo Temer "prejudicam a perspectiva de crédito do Brasil ameaçando paralisar ou reverter o positivo momento político e econômico observado recentemente".
"Elas também desviam o foco dos esforços para a promoção das reformas fiscais. Estas reformas, que são críticas para a melhora da força fiscal do país, provavelmente serão interrompidas", prossegue a agência, em comunicado..
Para a Moody's, ainda é cedo para avaliar os desdobramentos das revelações.
"No entanto, nossa visão sobre o que pode ameaçar a perspectiva estável do rating Ba2 continua sendo aquela refletida em nossa ação de rating de março de 2017: 'Um ressurgimento da desarticulação política e, ainda, a interrupção do momento favorável às reformas que ameace a implementação das reformas fiscais e o cumprimento do teto dos gastos públicos – especialmente atrasos na aprovação da reforma da previdência – exercerão pressão negativa sobre os ratings'".
Na quinta-feira, o apoio ao governo Temer ficou em suspenso, após o presidente ser gravado pelo empresário Joesley Batista, presidente da JBS, em conversas que indicam que ele tomou conhecimento de um plano para destituir um procurador da República que investigava o grupo.
O Planalto confirmou encontro com Joesley, mas Temer diz que "jamais solicitou pagamentos para obter o silêncio" de Cunha.
REAÇÃO
O Ministério da Fazenda soltou nota nesta sexta (19) para comentar a manutenção da nota de crédito pela Fitch, ressaltando que a agência de classificação de risco reconhece pontos fortes na economia brasileira.
"A Fitch reconhece que a diversidade da economia brasileira, o volume expressivo de reservas internacionais e a capacidade do mercado doméstico de dívida pública de financiar os déficits fiscais nos últimos anos constituem pontos fortes do país", diz o texto.
A pasta, que ainda não se pronunciou oficialmente sobre os possíveis impactos da crise política na economia, destaca que a agência aponta em sua análise a importância da aprovação das reformas.
"A decisão da agência faz menção, em seu relatório, à importância e ao desafio da aprovação das reformas em curso, as quais ajudarão na reversão do cenário fiscal, contribuindo para uma trajetória benigna de endividamento público", diz a nota da pasta.
No texto, o Ministério da Fazenda diz que a agência destaca a reforma da Previdência como um fator fundamental para o cumprimento dos gastos públicos.
"A avaliação da agência reforça a importância das iniciativas que visam à recuperação da economia brasileira e à construção das bases para o crescimento sustentado. O Ministério da Fazenda reafirma seu compromisso com a busca da consolidação fiscal do país e a sustentabilidade da dívida pública".
'O mercado quer alguém, não sei quem, com capacidade para tocar as reformas' (FOLHA)
Não está claro como as delações que atingiram o presidente Michel Temer afetarão a capacidade de articulação política do governo, mas há a percepção de que as reformas trabalhista e da Previdência podem ficar para depois das eleições presidenciais de 2018, diz o diretor de pesquisas para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos. Segundo ele, o mercado não personifica a questão. "Isso não é um 'love affair'."
*
Folha - O risco de as reformas não saírem ou serem diluídas é maior com ou sem Temer?
Alberto Ramos - Num cenário com Temer, a capacidade de articulação política diminui? Depende. Estamos falando das primeiras 48 horas do evento. Se a governabilidade tiver sido diluída de maneira irreversível, reduz-se a chance de aprovar as reformas ou de lutar por uma reforma com conteúdo robusto. Mas, num cenário alternativo, nada garante que o que vem depois [do governo Michel Temer] consiga tocar essas reformas.
Há a possibilidade de que elas só venham a acontecer depois de uma nova eleição, com mandato conferido nas urnas, e possivelmente se tenha que esperar até 2019.
O mercado já sabe o que seria melhor?
Essa é a pergunta que todo o mundo faz. O mercado não personifica a questão. Isso não é um "love affair".
O que o mercado quer é governabilidade –alguém, não sei quem, que tenha capacidade de tocar as reformas. Se essa capacidade é melhor com Temer ou sem Temer, o tempo dirá. A incerteza acaba impactando o próprio Congresso, que fica hoje mais focado em outros temas. No mínimo, essas reformas vão sair com algum atraso, o que em si já é um custo.
Como ficaria a economia sem as reformas ou se a sua discussão no Congresso for adiada por muito tempo?
Ficaria pior. As reformas são críticas para conter a expansão do gasto público. Sem elas, o teto do gasto vai ser difícil de ser observado. Hoje, há uma equipe econômica determinada a manter o fiscal bem disciplinado. Até que ponto a perda de governabilidade vai erodir essa determinação no dia a dia?
As incertezas sobre o futuro das reformas podem afetar as expectativas para a alta do PIB neste ano?
Esperava alta de 1,1%, e isso embutia um segundo semestre razoável. A crise política pode contaminar até parte do segundo trimestre. Não há dúvida de que um cenário diferente para câmbio, juros, indicadores de confiança e possivelmente o fiscal muda o cenário. Mudará muito mais 2018 e 2019, mas contamina 2017. A ver.
Meirelles deve ficar em eventual transição e surge como presidenciável
Pedro Ladeira/Folhapress | ||
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles |
BRASÍLIA - Atracado ao cargo, o presidente Michel Temer mostra-se mais aguerrido do que se poderia imaginar na defesa de seu mandato. Há motivos óbvios, vale mencionar a proteção do foro especial.
O peemedebista diz que fica, e a crise faz a economia sangrar. Aliados próximos dizem que essa gestão não tem mais como levar adiante a agenda de reformas no Congresso. O Palácio do Planalto vinha contando diariamente os votos para a nova Previdência sem a convicção de ter atingido o número necessário até então. Agora, não há o que contar: o relator da proposta diz que inexiste espaço para avanço legislativo.
A máquina pública, já em ritmo lento por causa dos solavancos provocados a cada delação envolvendo ministros e parlamentares, agora para. Dela dependem importantes iniciativas para viabilizar concessões e (parcos) investimentos públicos.
A volatilidade nos preços dos ativos financeiros (embora mais contida na sexta) encarece o custo das empresas, e a perspectiva de crédito para negócios e famílias tende a piorar com a estridência das incertezas. A chance de a atividade seguir para o terceiro ano de recessão é concreta.
Na quinta-feira apocalíptica, Henrique Meirelles (Fazenda) tentou serenar investidores. Houve a sinalização de permanecer na condução da política econômica caso o presidente seja obrigado a deixar o Jaburu. Políticos da confiança de Temer desenham cenários sucessórios diversos, com a figura de Meirelles sempre central na economia.
O ministro também é queridinho do mercado e dos donos do PIB para o Planalto no caso de eleição indireta. Há quem ache que ele teria estatura política suficiente para uma candidatura se o pleito se der com a escolha da população.
Temer é investigado por obstrução de Justiça, corrupção e organização criminosa. Sem uma solução rápida, a economia pode colapsar. Independentemente do desfecho, parece estar claro quem fica.