Temer orienta equipe a ir para ‘o enfrentamento’ (no ESTADÃO)

Publicado em 19/05/2017 05:28 e atualizado em 19/05/2017 06:39
Presidente pediu ‘resistência’ aos partidos aliados durante reuniões ao longo do dia no Planalto e retocou discurso para enfatizar indignação (Por Vera Rosa, Tânia Monteiro e Carla Araújo, em O Estado de S.Paulo)

BRASÍLIA  O presidente Michel Temer orientou a equipe a “partir para o enfrentamento”, na tentativa de mostrar que não está acuado com as delações feitas pela JBS nem com o inquérito autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigá-lo.

Nas conversas desta quinta-feira, 18, em seu gabinete, no Palácio do Planalto, ele pediu “resistência” aos partidos da base aliada, do PSDB ao PP, e cobrou apoio à agenda das reformas.

Temer chegou a ser aconselhado a renunciar por pelo menos dois assessores de sua extrema confiança e reagiu com nervosismo. “Não sou homem de cair de joelhos. Caio de pé”, afirmou.

“Michel, você está passando pelo que eu passei. A diferença é que eu era senador e podia responder e você é presidente e não pode falar tudo o que pensa”, disse-lhe mais tarde o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). Presidente do PMDB, Jucá deixou o Ministério do Planejamento em maio do ano passado, após 12 dias no cargo, quando vieram à tona gravações em que ele dizia ser preciso impedir a “sangria” da Lava Jato.

A portas fechadas, Temer usou termos como “conspiração” e “ação orquestrada” para se referir ao vazamento das delações do empresário Joesley Batista e de ex-executivos da JBS. O governo responsabilizou a Procuradoria-Geral da República pela divulgação dos depoimentos. Irritado, Temer disse que toda vez que a economia dá sinais de recuperação, aparece delação.

Temer telefonou logo cedo para a presidente do STF, Cármen Lúcia, avisando-lhe de que pediria acesso aos áudios. A conversa entre os dois foi protocolar. Ao longo do dia, o presidente recebeu 14 dos 28 ministros e lamentou o destino do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG). “Sem o PSDB, o governo acaba”, disse um ministro ao Estado.

Discurso. Foi a equipe de comunicação que estipulou 16 horas como horário-limite do pronunciamento, porque pipocavam notícias sobre uma possível renúncia e o mercado estava agitado. “Não poderíamos deixar essa onda crescer”, disse Jucá.

O discurso passou pelo ministro-chefe da Secretaria-Geral, Moreira Franco, mas na última hora Temer fez retoques, reforçando o tom de indignação. Questionado se haveria clima para aprovar mudanças na Previdência e na lei trabalhista, Jucá disse que o governo votará as “reformas possíveis”. Apesar da tensão, um aliado não perdeu o bom humor e disse que era “mais fácil cair o Trump do que o Michel”.

Temer achou que Joesley 'parecia contar vantagem'

Em nota, Secretaria de Comunicação Social afirmou que presidente 'não poderia crer que um juiz e um membro do MP estivessem sendo cooptados'

BRASÍLIA - A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República divulgou um posicionamento do governo a respeito da divulgação das gravações envolvendo o presidente Michel Temer e o executivo da JBS, Joesley Batista. “O presidente Michel Temer não acreditou na veracidade das declarações. O empresário estava sendo objeto de inquérito e por isso parecia contar vantagem”, diz o texto da assessoria do Planalto.

A Secom informa ainda que “o presidente não poderia crer que um juiz e um membro do Ministério Público estivessem sendo cooptados”.

Bolsa derrete e valor das empresas recua R$ 219 bilhões após denúncia contra Temer

Índice Bovespa fechou em queda de 8,80%, a maior retração desde a crise financeira de 2008; ações de estatais foram as mais afetadas

No primeiro pregão após as denúncias que atingiram em cheio o presidente Michel Temer, o cenário foi de pânico. A Bolsa perdeu R$ 219 bilhões em apenas um dia. O anúncio do presidente na tarde desta quinta-feira, 18, de que não renunciaria ao cargo confirmou o tom de nervosismo nos negócios, e o dia foi de turbulência. O Índice Bovespa fechou em queda de 8,80%, aos 61.597,05 pontos – o maior recuo desde 22 de outubro de 2008, no rastro da quebra do banco americano Lehman Brothers.

Com a abertura das negociações na Bolsa, o Ibovespa chegou a cair mais de 10% e o circuit breaker foi acionado, por volta das 10h20, durante 30 minutos. Esse mecanismo trava as negociações diante de fortes oscilações no mercado e não era utilizado também desde 2008, durante a crise financeira que eclodiu nos Estados Unidos.

“O nervosismo de hoje foi só o começo. Enquanto não se perceber uma saída para a crise política, o mercado ficará ao sabor das notícias de boatos. Nesse contexto, o investidor não toma decisões, assume postura defensiva e o Brasil vai parar”, analisa Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria. “Quanto mais tempo o governo prolongar essa fase agônica, pior. O mínimo que se espera é uma solução constitucional, para que o País caminhe até 2018.”

O economista lembra que, ainda que o mercado não desse como garantida a aprovação de reformas, os preços dos ativos refletiam otimismo. “Os últimos acontecimentos são uma ducha de água fria. Qualquer que seja a solução constitucional adotada, é preciso garantir que haverá clima político para retomar as reformas antes que o novo governo assuma o Planalto, em 2019.”

As ações das estatais, que refletem em grande parte o risco político do País, tiveram as maiores quedas hoje. Eletrobrás ON perdeu 20,97%, Cemig PN caiu 20,43%, enquanto Banco do Brasil ON derreteu 19,91%. As ações da Petrobrás perderam 11,37% (ON) e 15,76% (PN). Com o resultado de ontem, o Ibovespa anulou os ganhos de maio e agora contabiliza perda de 5,82% no mês e alta de 2,27% desde o início do ano.

A Petrobrás teve a maior perda de valor de mercado em um dia, de R$ 27,4 bilhões. Em seguida, aparecem Itaú Unibanco (R$ 26,7 bilhões), Bradesco (R$ 24,4 bi) e Banco do Brasil (R$ 18,7 bi), segundo cálculos da consultoria Economática. No centro do escândalo das delações, a JBS teve uma desvalorização de R$ 2,5 bilhões ontem.

As quedas foram generalizadas na Bolsa, só poupando ações de empresas exportadoras, que refletiram a alta de 8,07% do dólar ante o real. Fibria ON (+11,48%) e Suzano PNA (+9,86%) foram as principais altas do dia. Vale ON e PNA subiram 0,07% e 0,39%, respectivamente, também refletindo a valorização do dólar.

Os fundos ligados ao Brasil nos Estados Unidos despencaram em Nova York, chegando a cair quase 50%, e fecharam o pregão entre os piores desempenhos do dia em Wall Street. Entre os ETFs (fundos de índice) ligados a papéis brasileiros, o Direxion Daily Brazil Bull encerrou o dia com perda de 48,3%.

“Incerteza” foi a palavra que definiu o clima nos negócios durante todo o dia. Na percepção de analistas, a saída espontânea do presidente seria a maneira mais rápida e menos traumática de resolver a crise. O anúncio de Temer, de que ficaria no cargo, frustrou essas expectativas.

Renúncia.Na avaliação de economistas e analistas das corretoras, o mercado entende que o governo “acabou” e Temer perdeu condições mínimas de permanecer no cargo com força suficiente no Congresso para aprovar as reformas de que o País precisa, como a trabalhista e a da Previdência.

“O discurso de Temer não contribuiu para reduzir esse cenário, uma vez que não ficaram claros nem mesmo os motivos da sua decisão de não renunciar”, disse Leandro Martins, analista da Nova Futura. Segundo ele, a melhora de alguns papéis ao longo do dia mostra que há investidores olhando oportunidades para o médio prazo.

“O lado bom é que tanto a Bolsa quanto o dólar tinham subido demais nos últimos meses. Esse efeito político extremo acaba forçando uma realização maior”, diz André Perfeito, da Gradual Investimentos.

Tesouro direto. Em reação à turbulência, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, acertaram uma ação conjunta para acalmar os mercados. Numa primeira ação, o Tesouro anunciou cancelamento de leilões de títulos do Tesouro, programados para ontem. Pouco mais tarde, o Tesouro comunicou que realizaria leilões extraordinários a partir desta sexta-feira, 19, até o dia 23 – um tipo de operação que só é feita em situações de altíssima volatilidade do mercado, quando os preços dos ativos perdem referência. É justamente para dar referência de preços que esses leilões são feitos.

Pelo Twitter, o Tesouro anunciou a suspensão das operações do Tesouro Direto, de venda de títulos pela internet para pessoas físicas. O objetivo é “garantir transações a taxas justas e alinhadas às praticadas no mercado”./ (por DOUGLAS GAVRAS, PAULA DIAS, ALTAMIRO SILVA JÚNIOR e MURILO RODRIGUES ALVES, de O Estado de S. Paulo).

A hora da responsabilidade (EDITORIAL DO ESTADÃO)

Nesse clima de fim de mundo, revoam os urubus. Parlamentares e líderes políticos, uns mais criativos que outros, propõem as soluções mais estapafúrdias para uma crise que só existe porque grassa a insensatez entre aqueles que deveriam preservar a estabilidade no País

Este grave momento da vida nacional deverá passar à história como aquele em que a irresponsabilidade e o oportunismo prevaleceram sobre o bom senso e sobre o interesse público. Tudo o que se disser agora sobre os desdobramentos do terremoto gerado pela delação do empresário Joesley Batista, em especial no que diz respeito ao presidente Michel Temer, será mera especulação. Mas pode-se afirmar, sem dúvida, que a crise é resultado de um encadeamento de atitudes imprudentes, tomadas em grande parte por gente que julga ter a missão messiânica de purificar a política nacional. A consequência é a instabilidade permanente, que trava a urgente recuperação do País e joga as instituições no torvelinho das incertezas – ambiente propício para aventureiros e salvadores da pátria.

O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado os votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência. Implicar Temer em uma trama para subornar o deputado cassado Eduardo Cunha a fim de mantê-lo calado, como fez o delator, segundo o pouco que chegou ao conhecimento do público, seria suficiente para justificar seu afastamento e a abertura de um processo contra o presidente – o Supremo Tribunal Federal já autorizou a instauração de inquérito.

É preciso destacar, no entanto, o modus operandi do vazamento. A parte da delação que foi divulgada não continha senão fragmentos de frases transcritas de uma gravação clandestina feita por Joesley Batista em uma conversa com Temer. Não se conhecia o contexto em que o diálogo se deu, porque a gravação não foi tornada imediatamente pública. Durante as horas que se seguiram à divulgação da existência do explosivo material, mesmo que não se soubesse o exato teor do que disse Temer, criou-se um fato político gravíssimo. A demora em tornar pública a gravação se prestou, deliberadamente ou não, a prejudicar o acusado, encurralando-o. A versão que certamente interessava ao vazador, portanto, se impôs.

Até mesmo uma conversa informal, na qual Temer teria confidenciado a Joesley Batista que a taxa de juros estava para cair – o que qualquer pessoa medianamente inteirada da conjuntura já imaginava –, está sendo interpretada como tráfico de informação privilegiada. O Banco Central informou o óbvio – que não há possibilidade de que Temer tenha tido conhecimento antecipado de uma decisão sobre juros –, mas, num momento em que o debate político se resume ao disse que disse frívolo das redes sociais, prevalece não a verdade, mas o rumorejo.

Não é de hoje que há vazamentos desse tipo – e isso só pode ser feito por quem tem acesso privilegiado a documentos sigilosos. Ao longo de toda a Operação Lava Jato, tornou-se corriqueira a divulgação de trechos de depoimentos de delatores, usados como armas políticas por procuradores. O vazamento a conta-gotas das delações dos executivos da Odebrecht que envolvem quase todo o Congresso Nacional, mantendo o mundo político em pânico em meio a especulações sobre o completo teor dos depoimentos, foi um claro exemplo desse execrável método.

Enquanto isso, fica em segundo plano o fato de que Joesley Batista e outros delatores sairão praticamente livres, pagando multas irrisórias, embora tenham cometido – e confessado! – cabeludos crimes. Para honrar tão generoso acordo com o Ministério Público, o empresário saiu por Brasília a armar flagrantes, com gravador escondido no bolso, a serviço dos que pretendem reformar a política na marra.

Nesse clima de fim de mundo, revoam os urubus. Parlamentares e líderes políticos, uns mais criativos que outros, propõem as soluções mais estapafúrdias para uma crise que só existe porque grassa a insensatez entre aqueles que deveriam preservar a estabilidade no País.

Resta demandar que a Constituição não seja rasgada ao sabor das conveniências daqueles que lucram com o caos.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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