Nojo grande, política pequena, por VINICIUS TORRES FREIRE

Publicado em 01/02/2015 06:18
colunista da Folha de S. Paulo, em artigo na edição deste domingo

VINICIUS TORRES FREIRE

Nojo grande, política pequena

Ignora-se ainda o tamanho da crise e da revolta, mas sabe-se que faltam alternativas políticas

AINDA NÃO É possível estimar o nível e as consequências da desmoralização de PT e PSDB, se por mais não fosse porque seus governos principais começam a se esboroar apenas agora. Ou melhor, seus escombros apenas começam a cair na cabeça da pessoa comum das ruas.

Apesar da desordem que a falta d'água e luz pode causar, a catástrofe é incerta. Mesmo racionamentos duros podem causar raiva cotidiana difusa, mas não explosiva. Parte de seus efeitos talvez apareça de modo indireto, como economia ainda mais lerda, em vez de colapso generalizado e agudo.

No apagão de 2001, não houve breu. A crise se traduziu em perdas de pontos do PIB (quatro ou cinco, em dois anos), desgraça que, porém, não afeta todos e quaisquer de modo concreto, cotidiano e revoltante.

Pelo menos ainda não há colapso socioeconômico, apesar da administração econômica ruinosa dos últimos quatro anos. Ao contrário. Os colchões sociais criados nos anos petistas existem como nunca antes neste país. O desemprego aumentará em 2015, mas a taxa ainda estaria entre as quatro mais baixas em vinte anos ou mais.

Nos fatos nus, não há crise aí, por mais que o relativo conforto no mundo do trabalho derive de gastos e políticas que se esgotaram, estouraram as contas públicas e produziram um equilíbrio ruim. Isto é, o crescimento do número de trabalhadores tem sido pequeno, nulo nas metrópoles, e se dá cada vez mais por ocupações de baixa produtividade e salários.

Programas bancados por meio de dívida pública contribuíram para manter baixo o desemprego. Por exemplo, subsídios para empresas (juro quase zero) e gastos tributários ("desonerações"). Aumento rápido de gastos sociais e salários, em especial do mínimo (tais aumentos permitiram que um mais integrantes das famílias se retirassem do mercado de trabalho). Aumento do crédito via bancos públicos. Protecionismo.

A injeção de doses extras desses anabolizantes causaria danos colaterais críticos e imediatos. Até Dilma Rousseff percebeu.

A renda das famílias cresceu mesmo em 2014 mais que a economia. Mas o ritmo das melhorias tende a zero desde o ano passado. Virá a segunda fase da recessão, com o "ajuste". O Petrolão nem estourou de vez.

Os estelionatos dos governos federal e paulista, além da corrupção ciclópica, causam escárnio, cinismo ou nojo deprimido entre elites diversas, petistas, tucanas, neutras ou indiferentes a partidos. Mas nada sabemos como o grosso do povo ou os centros nervosos e neuróticos do país (como São Paulo) vão reagir à primeira crise socioeconômica duradoura dos anos petistas, de resto simultânea a um pico alto de desfaçatez dos governantes e à degradação íntima da vida cotidiana.

De resto, apesar dos colchões sociais, as expectativas de melhorias foram infladas neste século, por melhoras reais e promessas exageradas e ignorantes.

Nem sabemos o que fazer da provável revolta, maior ou menor. Não temos Syriza, Podemos ou mesmo neofascistas, alternativas europeias que brotaram de uma crise que ainda não vivemos. Afora PT e PSDB, em putrefação, há PMDBs e nenhum movimento social ou político grande ou em formação para captar e dar forma à onda de indignações.

 

HENRIQUE MEIRELLES

O país do futuro

Levei uma autoridade europeia para visitar um ministro em Brasília. Conversando sobre planejamento econômico, o visitante mencionou que alguns países asiáticos conseguiram altas taxas de crescimento mantendo o foco num horizonte de cinco a dez anos à frente.

Questionado sobre o nosso país, o ministro disse que o foco do planejamento do governo era de alguns meses. Diante da surpresa do visitante, o ministro se apressou em explicar os problemas importantes e urgentes de curto prazo, como o ajuste fiscal em andamento, a inflação alta, a necessidade de reajustar preços represados e controlar bancos públicos. Problemas mais estruturais de longo prazo, explicou o ministro, só poderiam ser tratados depois dos ajustes.

Esta conversa parece atual, mas aconteceu há algumas décadas. E evidencia que os problemas de curto prazo se repetem e só serão superados com planejamento e ações consistentes focados num horizonte mais longo.

O Brasil inicia agora mais um ajuste fiscal e mais um aperto monetário com a economia já estagnada, o que deve gerar contração em 2015. Mas, com persistência e aplicação integral das medidas necessárias, a confiança poderá ser restaurada e puxará investimentos e consumo, fazendo com que, no seu devido tempo, a contração seja total ou parcialmente compensada, abrindo caminho para a retomada do crescimento.

As incertezas, porém, são consideráveis e passam pelos efeitos da Operação Lava Jato nas grandes construtoras, em concessionárias e na própria Petrobras, ameaçando investimentos indispensáveis em infraestrutura. E há ainda a possibilidade de falta de energia e de água.

Somadas, essas incertezas geram grandes divergências de projeção econômica e afetam o planejamento de investimentos.

O desempenho do país será um com racionamento de energia e outro sem ele. Já o impacto da falta de água é menos conhecido, gerando maior divergência de projeções e menor capacidade de planejamento.

Essa crise dupla de energia e água, aliada às questões macroeconômicas endereçadas pelo ajuste, revela como a falta de visão e planejamento de longo prazo é o problema grave a ser enfrentado pelo Brasil.

Os problemas urgentes de hoje são praticamente os mesmos de décadas atrás, quando daquela conversa em Brasília. É preciso de fato equacioná-los no curto prazo, mas sua recorrência mostra que eles só deixarão de limitar a economia e o padrão de vida dos brasileiros com reformas e programas sustentáveis de crescimento visando o longo prazo.

Entre tantos desafios, a crise atual revela sobretudo que o hábito de pensar e planejar o futuro precisa ser mais demandado dos governantes e fazer parte da reforma educacional do país.

 

SAMUEL PESSÔA

A questão do juro

Recuperar a poupança pública é o único caminho para conseguirmos baixar os juros

Estamos no meio da travessia do deserto. O maior objetivo é a recuperação da capacidade fiscal do Estado brasileiro.

No entanto também vivemos o problema inflacionário. É necessário recolocar a inflação na meta. Por esse motivo, a taxa básica de juros, determinada pelo Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, a Selic, tem subido.

Retorna à pauta o tema dos juros elevados de nossa economia. Enquanto as economias desenvolvidas têm vivenciado juros reais (isto é, que descontam a inflação) negativos e os emergentes em geral convivem com juros reais na casa de 3% ao ano ou menos, nossa inflação tem resistido mesmo com juros reais próximos a 6% ao ano.

Qual é a causa de termos juros reais tão elevados? O texto "The Puzzle of Brazil's High Interest Rates" ("O Quebra-Cabeças das Altas Taxas de Juros do Brasil"), do pesquisador do FMI Alex Segura-Ubiergo, publicado em fevereiro de 2012, sugere que a baixa taxa de poupança é o fator mais importante a explicar o enigma dos juros elevados.

Adicionalmente, o estudo documenta que o impacto da baixa taxa de poupança do setor público é ainda maior do que o impacto da baixa taxa de poupança do setor privado.

Entende-se a maior importância relativa da taxa de poupança do setor público. A maior poupança pública reduz o risco soberano do país, isto é, o risco de que o Brasil dê um calote em sua dívida externa, o que diminui o custo de capital de todas as empresas brasileiras e, portanto, os juros.

Um dos maiores motivos para toda a mudança de rota da política econômica entre Dilma 1 e 2 foi o risco de perda do grau de investimento conferido pelas agências inter- nacionais de rating à dívida soberana brasileira. A presidente entendeu que o impacto dessa perda sobre o custo de capital do Tesouro e, principalmente, das empresas seria muito ruim para o desempenho da economia.

E não é por outro motivo que o principal objetivo da alteração de rota da política econômica é recuperar a capacidade de poupança do setor público.

No entanto, no debate público brasileiro a vinculação entre baixa taxa de poupança e elevados juros não é bem compreendida. Há toda uma escola de pensamento heterodoxa que acredita que vincular juros reais de equilíbrio elevados à baixa poupança é equivalente a considerar que a decisão de poupar, isto é, de abster-se de consumir, é prévia ao investimento.

Meu colega Marcelo Miterhof, que escreve neste espaço às quintas-feiras, afirmou: "Há uma controvérsia teórica: a ortodoxia entende que a poupança precisa ser acumulada previamente ao investimento".

Essa afirmação de Marcelo está errada. Não há essa controvérsia teórica. Os modelos macroeconômicos padrão empregados pelos bancos centrais mundo afora, para auxiliar na tomada de decisão da política monetária, não supõem que seja necessário haver poupança prévia. Em jargão técnico, esses modelos supõem que os preços são rígidos. Portanto, o princípio da demanda efetiva de Keynes se aplica a esses modelos ortodoxos.

A divergência ocorre na forma como o princípio da demanda efetiva é solucionado. Os ortodoxos pensam que muitas vezes a elevação dos gastos gera aceleração da inflação e/ ou aumento do deficit externo e são, portanto, insustentáveis.

Ou seja, a divergência entre a ortodoxia e setores da heterodoxia que abraçam essa leitura extremada da contribuição de Keynes não é se, numa economia monetária, o investimento determina a poupança ou vice-versa. Todos sabemos que, na relação entre poupança e investimento, este é soberano.

A divergência é a forma como esse princípio é solucionado. Se olharmos a experiência brasileira, em geral ele foi solucionado por meio de aceleração inflacionária e aumento do deficit externo. Esse foi o caso do Plano de Metas de JK, do 2º PND de Geisel e do período Lula.

Não há alternativa para arrumarmos a casa que dispense a recuperação da poupança pública. Este é o único caminho para conseguirmos baixar os juros.

Fonte: Folha de S. Paulo

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