Um pouco sobre o mercado da soja e o produtor brasileiro

Publicado em 23/03/2011 09:35
Por Ricardo Lorenzet, analista de mercado da XP Investimentos.
De fato iniciamos o ano cautelosos com a oferta sul-americana e uma demanda sólida nos EUA, o que manteve o fluxo especulativo ativo ao complexo soja na esteira de outras commodities. Mesmo assim, já nas primeiras sessões, observou-se um sentimento evidente de apreensão no mercado, tudo resumindo-se ao temor frente ao elevado saldo comprado de fundos que tornaria o mercado vulnerável a qualquer sinalização externa mais conturbada ou até mesmo a deterioração do cenário fundamental. Bom, não demorou muito para que os fatores sazonais intrínsecos e a incerteza externa resultassem em forte pressão de liquidação da posição comprada recorde de agentes não comerciais. O resultado todos conhecem: a soja testou 1270 no vencimento mais curto na semana passada, após trabalhar acima de 1460 em meados de fevereiro.

De fato o movimento de realização culminara com o final de ciclos técnicos (sim o nosso saudoso Elliot aqui novamente), além da movimentação de outras commodities, refletindo também aspectos específicos que ganharam importância no mercado: a expectativa de que políticas contracionistas nos emergentes reduziria o ritmo de expansão da demanda e a expectativa de uma boa safra na América do Sul, limitando a pressão sobre os estoques norte-americanos. Na última terça-feira, os fundos tradicionais haviam reduzido 50% de sua posição comprada no mercado.

Neste ínterim, a soja perdeu fôlego, especialmente frente ao mercado de milho e algodão e, como resultado, a redução da atratividade econômica da oleaginosa frente a estas culturas, gerando a expectativa de uma safra menor nos EUA na temporada 2011/12. Em meio às incertezas políticas recorrentes na Argentina e os eternos entraves logísiticos brasileiros, os EUA consolida-se como origem preferencial aos importadores mundiais e, com estoques baixos, uma safra menor realmente demanda atenção. A questão é que, inicialmente a expectativa do mercado era de uma leve queda na área de cultivo com a oleaginosa em 2011 nos EUA (ou até mesmo manutenção), mas nos últimos dias, o mercado tem sido literalmente “atingidos” por estimativas indicando a possibilidade de queda da ordem de 3% em relação a 2010, bem abaixo do que o próprio USDA estimara no Fórum Agrícola.

Assim sendo, a solidez fundamental do mercado torna-se plausível, o que justificaria preços sustentados, mesmo em patamares historicamente elevados como os atuais. Porém nem só de fundamentos vive o mercado e, com as incertezas políticas presentes, fundos ainda com elevado saldo comprado em várias commodities agrícolas, a volatilidade não apenas deve intensificar-se, mas dominar o mercado. Esteja preparado.

Com praticamente 60% da soja comercializada no momento, portanto bem posicionado nos atuais patamares de preços (embora grandes volumes tenham sido comercializado a níveis inferiores), este cenário de volatilidade tende a referenciar boas oportunidades ao produtor brasileiro à frente. Desta forma, gostaria de fazer referência a um aspecto extremamente relevante a cadeia produtiva da soja brasileira. Embora isso não seja novidade, como produtor, a indignação aumenta a cada safra. Além da extrema dificuldade em colher nas regiões do centro-oeste do país devido ao excesso de chuvas, uma das grandes preocupações da classe produtora permanece sendo o quadro logístico que, magnifica outro aspecto preocupante, até mais sério, a perda de competitividade pela moeda valorizada.

Nos detendo ao quadro logístico no momento, vamos dispor algumas comparações na tabela abaixo:

Pois é, enquanto o produtor brasileiro gasta U$ 135,00 para embarcar uma tonelada de soja, nos EUA, isto equivale a menos de U$ 23,00 para um produtor norte-americano. Com o preço de venda similar, o custo mais elevado fica exatamente no bolso do produtor. Comparativamente, o vizinho Argentino também evidencia perda de competitividade na análise relativa aos EUA, mas encontra-se em condição claramente mais favorável sob esta análise (o maior problema dos hermanos esta sim nas retenciones).

Além do maior custo, a capacidade dos portos deixa a desejar, resultando em atrasos nos embarques e mais custos aos exportadores (demurrages, que estão distantes de algo considerado barato, além de prêmios relativamente mais fracos pelos “custos” embutidos na negociação) o que mais uma vez repercute no bolso do produtor. A revolta fica maior quando compara-se os custos de logística interna brasileira com os custos de fretes marítimos para transportar por exemplo soja de Paranaguá para a China que atualmente ficam ao redor de U$ 71,00/t. e da Argentina U$ 66,00 ton. Haja competitividade no campo para compensar tudo isso. Me pergunto neste momento, até quanto isso continuará acontecendo, questão que vem em mente simplesmente pelo seguinte: o USDA estima que o Brasil irá exportar 49,5 mi. t de soja em 2020 ante os atuais 32 mi. t. estimados pela CONAB?

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Por: Ricardo Lorenzet
Fonte: Agroblog

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