Artigo Jean-Pierre: Doha em 2010 e a reação da China

Publicado em 20/04/2010 12:05
Jean-Pierre Lehmann é professor de International Political Economy no IMD e é diretor fundador do Evian Group. Ele lecionará na sessão plenária matutina " Asian 21st Century " durante o programa Orchestrating Winning Performance (OWP), de 20 a 25 de junho, 2010.

<?xml:namespace prefix = o ns = "urn:schemas-microsoft-com:office:office" />

Grande parte do problema da Rodada Doha ocorre porque UE, EUA e Japão são reticentes em atender às demandas dos países menos desenvolvidos

Vivemos um momento emocionante e igualmente perigoso. A situação já era essa desde o início do milênio, e ficou ainda mais acentuada após a crise econômica global de 2008/2009. A crise, definitivamente, tem sido mais do que " apenas " econômica. É, acima de tudo, uma crise sistêmica.

Devido às profundas transformações na economia mundial - decorrentes de novos players no núcleo da economia de mercado e das novas e incríveis tecnologias de comunicação e informação - há uma necessidade indispensável de se ter uma administração global eficiente e justa, cooperação mundial sólida, instituições fortes, liderança e, especialmente, uma regulamentação global poderosa.

A crise econômica, a inatividade da Rodada Doha da OMC e a confusão em Copenhague demonstraram que o mundo não possui muito dessas características.

Embora seja necessário combater em muitas frentes, é especialmente importante concentrarmos esforço e energia na conclusão da Rodada Doha este ano e a China, particularmente, deveria incentivar essa realização.

O sistema comercial baseado em regulamentações multilaterais foi criado no fim da Segunda Guerra Mundial. A própria guerra havia sido precedida pela Grande Depressão, em 1929, e as intensas disputas comerciais que se seguiram nos anos 30. Não havia regulamentações internacionais e, portanto, a anarquia prevaleceu. A luta pelo poder geopolítico e militar seguiu uma luta pelo poder econômico, inclusive pelo acesso à energia e recursos naturais. Se um sistema global regulamentado teria evitado a guerra, nunca saberemos, mas o que foi criado após a Segunda Guerra Mundial foi baseado na ideologia de que o comércio aberto e justo entre as nações constituiria um meio de estabelecer a paz entre as nações e promover a prosperidade.

O sistema está longe de ser perfeito, mas em seus 60 anos de existência, tem sido um fator importante na busca pela paz e prosperidade e tem permitido, ou melhor, contribuído significativamente para o surgimento de novas potências comerciais, especialmente do Leste Asiático, como a Coreia do Sul e em particular, a China (a nação mais ativa em comercialização) - incluindo Hong Kong e Taiwan.

Por mais complicadas que tenham sido as rodadas passadas do Gatt (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, a instituição antecessora à OMC), nada se compara à bagunça da Rodada Doha

A Rodada foi inaugurada em Doha, capital do Catar, em dezembro de 2001, ano em que a China se juntou à OMC. Dois anos antes houve uma tentativa de se iniciar uma negociação, em Seattle, mas foi um enorme fracasso. Grande parte do problema decorre da postura reticente das potências comerciais estabelecidas, principalmente a UE, EUA e Japão, em atender às demandas do crescimento das novas nações comerciais ou dos países menos desenvolvidos que querem equilibrar o jogo. Infelizmente, a Rodada Doha do " Desenvolvimento " não diminuiu essa desigualdade.

Isso não quer dizer que a Rodada tenha saído completamente de pauta da agenda da política comercial global. Em todas as principais reuniões mundiais ou regionais, invariavelmente, a tradição é se comprometer de que a Rodada Doha será concluída. Dessa forma, o G20 começou onde o G7 terminou e, em seu encontro em Washington, em novembro de 2008, foi feito o compromisso de concluir a Rodada aquele ano. Fracassou. Novamente no encontro do G20 em Londres, em abril de 2009, comprometeu-se a concluir a Rodada em 2009. Quando o encontro em Pittsburgh foi convocado, em setembro, já estava claro que iria fracassar novamente; assim foi decidido que a Rodada deveria ser concluída até 2010.

Enquanto continua paralisada, aumenta a tensão no comércio mundial, principalmente entre a China e os EUA.

É essencial que a Rodada seja concluída, por duas razões principais:

1) precisamos de uma instituição sólida e regulamentação no comércio internacional, ou seja, a OMC deve exercer maior poder e nada melhor do que concluir, com êxito, a Rodada - quanto mais o tempo passa, mais se perde poder, 2) precisamos de uma administração cooperativa global mais forte: ao não cumprir seus compromissos, a própria legitimidade do G20 é colocada em dúvida, assim como a capacidade de cooperação dos paíse

O encontro do G20 será realizado em Seul, na Coreia do Sul, em novembro - antes do encontro do G20. Eu conheço bem a Coreia do Sul, estive lá pela primeira vez em 1967. Naquela época, era um dos países mais pobres do mundo. Sua ascensão à prosperidade tem sido notável, e é o comércio que o tem impulsionado. Seria muito conveniente que fosse anunciada a conclusão da Rodada Doha em Seul. Seria extremamente positivo e altamente reconfortante para o mundo. Enquanto a China continua tentando levar prosperidade a todo seu povo, um sistema comercial global regulamentado estável, sólido e dinâmico é de suma importância. A China deve se empenhar ativamente em concluir a Rodada Doha em 2010.

O Evian Group, do IMD, em associação com a ICC Research Foundation e a Garnet Network, promoveu um workshop para avaliar os custos do impasse na OMC e da não-conclusão da Rodada Doha. Com a participação de negociadores comerciais da maioria das economias do G20, bem como executivos, representantes de organizações internacionais e acadêmicos, o encontro teve como objetivo questionar a autenticidade das repetidas promessas feitas por líderes mundiais em consecutivas reuniões do G20 para completar a Agenda Doha de Desenvolvimento de 2010.

Como as negociações completarão 10 anos em breve, torna-se prudente não só avaliar os benefícios da conclusão da Agenda Doha, mas também antecipar os custos de seu possível fracasso.

Em um ambiente de mal-estar econômico global, o sistema baseado em regulamentações multilaterais da OMC é uma necessidade absoluta para o mercado global permanecer aberto e robusto. Não se trata apenas do reforço das instituições, mas do equilíbrio entre os interesses nacionais e o bem-estar público, que não devem entrar em conflito. Se as declarações do G20 não forem respeitadas, surgirão sérias dúvidas a respeito da credibilidade e legitimidade da administração e liderança global.

 

Tags:

Fonte: Valor Econômico

NOTÍCIAS RELACIONADAS

A Moratória da Soja e a distopia do fim do mundo, por Lucas Costa Beber
CCAS: Riscos da política ambiental como barreira comercial: a polêmica da reciprocidade no comércio internacional, por
Milho segunda safra tem potencial para dobrar a produtividade no Brasil
Intervenções do Bacen no câmbio funcionam? Por Roberto Dumas Damas
Abacaxi no Maranhão: Principais pragas, manejo integrado e uso correto e seguro de pesticidas agrícolas
Smart farming: como a IoT pode destravar o problema de conexão rural no Brasil?
undefined