Enfim, a Justiça para Haroldo Uemura!

Publicado em 16/04/2010 14:13

Um caso absurdo de abuso de poder e linchamento ante a opinião pública teve um desfecho justo – ainda que tardio – este mês. Trata-se da vitória do agricultor do município de Formosa do Rio Preto, no Oeste da Bahia, Haroldo Hidekazu Uemura, contra a União e o IBAMA, obtida no dia 10 de março último por meio de Sentença de Mérito proferida pela juíza federal substituta da 17ª Vara de Brasília, Cristiane Pederzolli Rentzsch. Em uma argumentação que será sempre referência de coerência e probidade, ela julgou procedente a defesa de Uemura, restituindo a este agricultor as terras e as máquinas confiscadas de maneira inconstitucional, além de parte da dignidade, já que os estragos de uma mentira dificilmente se reparam.<?xml:namespace prefix = o ns = "urn:schemas-microsoft-com:office:office" />

 

Para entender o que significa esta vitória, é preciso voltar a 6 de novembro de 2008, quando a fazenda de Uemura foi, literalmente, tomada de assalto pelo então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Em uma ação planejada sorrateiramente e executada com requintes midiáticos de produção hollywoodiana, Minc, acompanhado da Policia Rodoviária Federal e do IBAMA, além de equipes de jornais e TVs da Bahia e de Brasília, desembarcou de helicóptero na propriedade de Uemura, e, alegando que a fazenda se encontrava nas áreas do Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, confiscou máquinas, a safra e embargou as terras do agricultor, que estava sendo preparada para o plantio da safra 2008/09. Uemura, por manter no local uma arma para a segurança da fazenda, foi condenado a passar a noite na cadeia.

 

Mas, a cadeia mais severa que ele amargou foi a de TV, na qual as imagens foram replicadas à exaustão em matérias que denegriram a sua honra e que até hoje são exibidas pelo IBAMA, para os mais diversos públicos e ocasiões, como um troféu arrogante de sua autoridade e poder. O site do Ministério do Meio Ambiente também estampou orgulhosamente a empreitada.

O problema é que Haroldo era INOCENTE e, como tal, não hesitou em trabalhar para provar isso. O ex-ministro Carlos Minc e o IBAMA, se não o sabiam, só reforçaram as suas falhas, dentre elas, as de conhecimento de Geografia. Senão, vejamos: depois de dormir na cadeia e enfrentar o dedo em riste do ministro Minc em seu nariz diante das câmeras, Uemura foi solto e descobriu o mais inacreditável dos muitos erros de todo este processo: o Auto de Infração e a real localização da fazenda Mauá não coincidiam. O auto lavrado em 27 de maio de 2003 referia-se às coordenadas 10º, 10´, 45.2" – 45º, 38', 04.2". Já o assinado de próprio punho pelo ministro naquele dia fatídico se referia às coordenadas 10º, 10´, 45.2" – 45º, 35', 04.2", que se localiza fora da propriedade da família Uemura, a seis quilômetros do alvo do ministro.

 

Relembrando a história, ele foi acusado de voltar a desmatar uma área pela qual, no passado, sofreu uma autuação de validade duvidosa, já que sua propriedade, assim como a de outros produtores, havia sido excluída da área do Parque por sentença da 17ª Vara Federal de Brasília. Porém, esta decisão foi contestada pelo IBAMA, através de recurso que tramita hoje no Superior Tribunal Regional, concluso para novo julgamento. Vale ressaltar que, desde a primeira autuação, Haroldo Uemura não descumpriu o embargo.

Em sua sentença, a juíza Cristiane Pederzolli Rentzsch considera a falta de embasamento legal para a desapropriação das terras, alegando que ele não poderia ser desapossado já que a terra lhe pertencia, jamais houve qualquer processo oficial de desapropriação e, consequentemente, Haroldo Uemura nunca recebeu qualquer indenização por isso. Segundo a juíza, houve, portanto, ofensa ao direito de propriedade e à dignidade da pessoa humana.

 

Escreveu a juíza:

 

“Desse modo, permitir aos réus, fundados em direito precário, desapossar os autores de suas terras e impedi-los de realizar o plantio da lavoura, que, para tanto, despenderam vultosos recursos econômicos, ensejaria grave afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, inciso III, da CF/88.

A dignidade da pessoa humana é fundamento do próprio Estado Democrático de Direito que constitui a República Federativa do Brasil e tem preferência sobre os demais bens juridicamente tutelados”.

 

O que se pode prever a partir deste fato é o surgimento de um novo passivo, dessa vez não o ambiental, mas o indenizatório. Este também será fruto da inoperância dos órgãos ambientais, mas, quem pagará por eles mais uma vez não serão os culpados e sim toda a sociedade brasileira, fonte (já tão depauperada) dos recursos para cobrir as indenizações. Então, pelo menos para poupar o cidadão pagador de impostos, é preciso que os órgãos ambientais repensem seus processos.

 

Por fim, que se cumpra a lei e que a sociedade brasileira fique atenta: Uemura foi o Davi a acertar com uma pedrinha a testa do gigante. Mas é um começo.

 

 

* Sérgio Pitt é economista, administrador, produtor rural e vice-presidente da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba).

 

Tags:

Fonte: Sérgio Pitt

NOTÍCIAS RELACIONADAS

A Moratória da Soja e a distopia do fim do mundo, por Lucas Costa Beber
CCAS: Riscos da política ambiental como barreira comercial: a polêmica da reciprocidade no comércio internacional, por
Milho segunda safra tem potencial para dobrar a produtividade no Brasil
Intervenções do Bacen no câmbio funcionam? Por Roberto Dumas Damas
Abacaxi no Maranhão: Principais pragas, manejo integrado e uso correto e seguro de pesticidas agrícolas
Smart farming: como a IoT pode destravar o problema de conexão rural no Brasil?
undefined