A violência no campo (Artigo), por Humberto Baenna

Publicado em 25/12/2009 14:17 e atualizado em 25/12/2009 16:13
Há quase 25 anos, o Conselho Federal da OAB promoveu o I Encontro sobre a Violência no Campo e Direitos Humanos. O objetivo era o de debater os conflitos no meio rural, especialmente em Imperatriz, no Maranhão, Marabá, no Pará, e Araguaína, em Goiás.

Naquele ano de 1985, o ex-presidente Tancredo Neves tinha acabado de morrer. Foi empossado em seu lugar o atual senador José Sarney. O Brasil tinha saído do regime militar.

Na Fazenda Princesa, em Marabá, houve uma chacina contra posseiros assentados nas sobras das terras definidas pelo Incra. A ação de delinquentes contra os assentadores, a mando de proprietários, aconteceu também em outras áreas, na região. Os homens pagos para atuar violentamente no campo não sofriam, nem sofreram punições.

Movimentavam-se livremente pelo rio Tocantins para fugir das ações judiciais. Os fatos foram amplamente denunciados. Isso continuou acontecendo durante muito tempo.

Atualmente, muita coisa mudou.

A situação dos trabalhadores rurais evoluiu. Mas a questão ainda é a mesma, quando se fala em desrespeito aos que produzem na terra. Apesar de o Estado de direito estar consolidado, com a democracia, o direito opressor ainda existe.

Exercido contra muitos para a manutenção do privilégio de poucos.

A sociedade continua desigual.

Participei recentemente, junto com o presidente da Comissão de Ética Pública do governo Lula, Sepúlveda Pertence, do XVI Congresso Internacional sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública (Clad), em Salvador.

Dois painéis foram coordenados por membros da comissão que estavam lá. Além de mim e do ministro Sepúlveda, o padre José Ernanne Pinheiro, o senador Romeu Tuma, entre outros, também estavam lá.

O primeiro tema do encontro foi Valores, normas e instrumentos da ética pública na rede de instituições de governo nas Américas e o segundo, A ética sob a perspectiva dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Depois de amplas discussões, chegamos todos à conclusão de que tudo isso é muito importante para o fortalecimento do Estado democrático de direito.

A questão da ética pública não se esgota apenas em um congresso como esse.

Há uma preocupação mundial sobre os efeitos negativos da falta desse valor universal tão necessário para o progresso da civilização.

O Estado de direito - tema constante da preocupação de advogados, militantes, estudantes, professores, profissionais liberais e políticos que lutaram pela redemocratização do país nos anos 80 e contra a violência no campo - é uma das formas democráticas mais importantes do mundo atual. No que se refere ao trabalho rural, o direito deve ser usado como instrumento de libertação dos que vivem e produzem no campo.

Não se pode admitir o direito à propriedade, em detrimento do direito à vida.

É preciso que todos reflitamos com lógica e sem paixão sobre o fato de que cidadãos que trabalham e se sacrificam tenham que levar uma vida desumana.

Eu questiono e lanço esses pontos para discussão . Nossa luta não é individual. É em torno das ideias, dos princípios.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos fala sobre os direitos do homem, os direitos civis, os direitos políticos, os direitos sociais, econômicos e culturais. A própria ONU e a OEA reconheceram. Todos nós, possuamos propriedades ou não, temos esses direitos econômicos e culturais, que não podem ficar apenas declarados no papel.

Têm que ser cristalizados. Não é possível uma democracia onde uma pequena parcela da sociedade brasileira disponha de tudo e a grande maioria não tenha nada.


Hermann Baeta

ADVOGADO

Hermann Baeta é ex-presidente do Conselho Fedaral da OAB e integra a Comissão de Ética do governo Lula.

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Fonte: Jornal do Brasil

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