Forward guidance ajudou pouco, por Roberto Padovani
Uma das novidades na gestão monetária no Brasil neste ano foi a adoção do forward guidance (FG), traduzido por aqui como prescrição futura de política. O instrumento, no entanto, teve vida curta e tudo sugere que a experiência trouxe ganhos modestos.
A inovação não foi uma particularidade brasileira. O choque global de 2020 levou a um forte ativismo da política econômica em todo o mundo, incluindo várias mudanças institucionais 1.
No Brasil, o FG fez sentido quando foi anunciado em meados de setembro. Isso porque a elevada ociosidade e as expectativas de inflação significativamente abaixo da meta abriam espaço para novos cortes. Por outro lado, havia limites dados pelas preocupações com a rolagem da dívida pública e com eventuais pressões adicionais sobre a taxa de câmbio, o que foi sinalizado pelo Banco Central (BC) como questões “prudenciais e de estabilidade financeira”.
A saída foi o FG, instrumento utilizado pelos bancos centrais das economias desenvolvidas quando há pouco espaço para reduções adicionais dos juros. No caso brasileiro, respeitadas as condições de (a) expectativas ancoradas de inflação para 2021 e 2022, (b) projeções de inflação do cenário básico do BC ao redor da meta e (c) manutenção do atual regime fiscal, o compromisso forte de manter os juros estáveis poderia evitar altas nos mercados futuros e, com isso, preservar a continuidade dos estímulos monetários, mesmo sem novas reduções da taxa básica.
Como alertado pelo próprio BC, a dúvida em se adotar o instrumento estava no risco de se fazer compromissos mais fortes e longos de política em ambientes com histórico de instabilidade econômica, política e institucional.
E, infelizmente, foi o que aconteceu. Justamente quando o FG foi adotado, o balanço de riscos mostrou pioras adicionais com os ruídos fiscais e os diversos choques inflacionários. O IPCA acumulado em 12 meses saltou de 2,4% em agosto para 4,3% em novembro. O resultado foi o aumento generalizado das taxas futuras de juros.
Esta preocupação reforçou a leitura já presente de que dificilmente o FG poderia ser mantido por muito tempo. Como as expectativas para a inflação de 2022 sempre estiveram na meta, sabia-se que em algum momento os juros deveriam convergir para seu nível neutro, algo estimado ao redor de 6,0% 2. E dadas as defasagens dos impactos de política, este início de normalização poderia acontecer ao final de 2021. De fato, no início de setembro deste ano a mediana das expectativas já apontava para o começo do processo de normalização de juros a partir de outubro de 2021.
Neste cenário de mercado, faria sentido supor que o BC passasse a comunicar sua estratégia de modo gradual, primeiro retirando o FG e depois sinalizando a alta de juros. Como se conhece pouco o novo instrumento e se sabe apenas que não existe uma relação automática entre fim do FG e início de um ciclo de alta de juros, uma hipótese poderia ser que estes movimentos acontecessem, respectivamente, no segundo e terceiro trimestres de 2021.
Na melhor das hipóteses, portanto, o FG brasileiro teria uma validade próxima a dois trimestres. Mas o que chamou atenção foi a rapidez com que se comunicou a retirada do instrumento 3. Passadas apenas duas reuniões, já houve a indicação de que, “em breve”, as condições para a manutenção do FG talvez não sejam mais satisfeitas.
Esta decisão dificilmente pode ser explicada por uma mudança no quadro econômico. O regime fiscal não foi alterado e tanto as projeções do BC quanto as expectativas de mercado para 2021 e 2022 não mostraram variações significativas. Talvez a única mudança tenha sido a menção ao horizonte relevante de política, algo que se esperava ver somente no segundo trimestre de 2021 4.
De fato, a mediana das expectativas para 2022 não se alterou e para 2021 houve uma leve alta pontual, de 3,0% no início de setembro para 3,3% em dezembro, mantendo distância relevante em relação à meta. Da mesma forma, as variações nas projeções do próprio BC foram pouco importantes.
Como o anúncio do fim do FG não atendeu plenamente as condicionalidades anunciadas, uma leitura possível é que a decisão se justifica mais por uma nova avaliação do balanço riscos que por mudanças no cenário central de inflação. O BC pode ter julgado necessário maior liberdade de ação em um contexto de incertezas mais elevadas.
Chama atenção também o fato de a comunicação da retirada do FG não ter gerado efeitos relevantes sobre os mercados, com a autoridade monetária apenas sancionando os prêmios de mercado e os cenários de alta de juros em 2021 5 já existentes. Isso sugere certo consenso de que o instrumento ajudava pouco, dado que em nenhum momento o compromisso formal de não elevação dos juros evitou altas nos mercados futuros 6.
Como previsto, portanto, as instabilidades do País não permitiram que o FG produzisse ganhos importantes em relação ao regime de metas de inflação. Ao contrário, pode ter piorado a qualidade da comunicação e, com isso, atrapalhado a capacidade de se guiar as expectativas de mercado.
Ou seja, tudo indica que o FG apenas adicionou ruídos em um ambiente já bastante ruidoso.
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1 Nos Estados Unidos, por exemplo, o destaque foi a adoção de uma média de inflação como meta de política, permitindo que anos de inflação baixa possam ser compensados por períodos de inflação mais alta. Na prática, formalizou-se uma maior tolerância com inflação, sinalizando que as políticas serão mantidas por um período mais longo de tempo.
2 Pela tradicional regra de Taylor, a convergência da inflação para a meta e a volta do crescimento para seu nível potencial implicam juros mais próximos de seu nível neutro. Como o juro de equilíbrio não é uma variável observável, a mediana das expectativas de mercado pode ser uma referência e indica, neste momento, um valor estável de 6,0% a partir de 2023.
3 Mesmo que o FG ainda não tenha sido abandonado, a sinalização de que isso acontecerá em breve é uma comunicação importante, guiando as expectativas e, com isso, produzindo impactos imediatos.
4 A experiência de 2020, por exemplo, mostra que o BC só passou a considerar plenamente o ano de 2021 na formação de suas estratégias a partir de maio. É difícil avaliar qual o horizonte relevante ideal, principalmente em economias instáveis. Uma referência talvez seja o espaço um pouco mais amplo que aquele sugerido pela defasagem dos efeitos de política sobre a inflação, tradicionalmente estimada em três trimestres. Seja como for, já sinalizar alguma preocupação com 2022 ao final de 2020 parece uma cautela excessiva.
5 Diferentemente do BC, os mercados sempre consideram o balanço de riscos na formação de preços, mesmo em situações como a atual, com elevada ociosidade e expectativas de inflação abaixo do centro da meta.
6 O BC mostrou em seu Relatório Trimestral de Inflação de dezembro de 2020 que a adoção do FG pode ter sido equivalente a um corte adicional da taxa básico no momento de seu anúncio. Pode-se também argumentar que, diante do aumento dos riscos fiscais e inflacionários, o FG teria evitado altas ainda mais expressivas nos mercados futuros.