A ajuda que vem de fora, por Roberto Padovani

Publicado em 10/06/2020 09:11
Apesar de todas as incertezas locais, o quadro de retomada global com elevada liquidez pode beneficiar a recuperação da economia brasileira em 2021. Roberto Padovani é Economista-Chefe do Banco BV

Apesar de todas as incertezas do momento, a recuperação econômica no Brasil tende a ser beneficiada pela melhoria do quadro externo, principalmente em 2021.

A relação estatística entre crescimento local e externo não é óbvia. Embora a história econômica brasileira tenha sido marcada pela produção de matérias primas voltada para a exportação, o fato de o Brasil ser uma economia relativamente fechada 1 faz com que o comportamento dos termos de troca 2 ao longo dos últimos 120 anos não seja uma variável estatisticamente significante para explicar os ciclos de crescimento.

No entanto, quando se olham os casos pontuais de aceleração e desaceleração do pós-guerra, a correlação entre termos de troca e crescimento aumenta de modo importante, ainda que sem uma causalidade bem definida 3.

De fato, os termos de troca mostraram uma alta próxima a 60%4 entre 1940 e 1973, fase que coincidiu com os anos JK e o período do milagre econômico do regime militar, quando o crescimento anual médio alcançou 7,0%, com pico de 14% em 1973.

O período seguinte foi marcado pela queda dos preços de matérias primas. Entre 1974 e 1986 os termos de troca recuaram cerca de 30% e, ao mesmo tempo, a expansão econômica local perdeu fôlego. Entre 1974 e 1992, houve cinco recessões5 e o crescimento anual médio se aproximou de 3,5%.

A última fase de expansão dos termos de troca teve início em meados dos anos 80 e durou até o início dos anos 2010. A alta de 45% na relação entre preços exportados e importados ajudou a explicar a aceleração do PIB entre 1987 e 2010, que apresentou uma taxa anual média de 3,1% e pico de 7,5% em 2010. Foi o período marcado pelo boom de preços de commodities e pelo aumento da influência da economia chinesa sobre o Brasil 6.

Por último, a desaceleração da economia chinesa a partir de 2011 trouxe nova reversão nos termos de troca, coincidindo com o menor crescimento no Brasil. Entre 2011 e 2020, foram três anos de recessão, com o PIB se expandindo a um ritmo anual médio de 0,7%.

A correlação entre termos de troca e crescimento se processa pelos canais de comércio e capital. Além de influenciar a balança comercial, o impulso externo ocorre principalmente pelos fluxos financeiros. Um alívio nas condições financeiras globais reduz os spreads de crédito, favorece o risco soberano e atrai capitais, o que valoriza o câmbio e ajuda a controlar a inflação e a melhorar a confiança dos agentes, variáveis importantes para explicar os ciclos de curto prazo.

As respostas do PIB aos impulsos externos, no entanto, não são mecânicas e variam de acordo com as condições locais. Enquanto o Brasil contava com boa oferta de mão de obra, como no período pós-guerra, a resposta à expansão global foi elevada. Mas à medida em que a incorporação de novos fatores de produção se esgotou, o País passou a depender mais de avanços na produtividade e a reagir menos aos impulsos externos.

Para piorar, é possível que os diversos choques adversos sofridos nos últimos anos possam ter agravado os problemas estruturais, como a qualidade da mão de obra, a infraestrutura e o ambiente de negócios. Por outro lado, estes fatores não têm impedido uma retomada cíclica em função da combinação de elevada ociosidade doméstica, estímulos monetários e responsabilidade econômica.

Diante deste padrão, faz sentido imaginar que a retomada econômica no Brasil em 2021 possa ser ajudada pela elevada liquidez internacional e pelo crescimento esperado para a economia mundial, em particular a chinesa 7. Diferentemente do fim de ciclo global observado em 2018 e 2019, o impacto do atual choque ajusta o mercado de trabalho e corrige custos em um ambiente de fortes estímulos fiscais e monetários. Mesmo que muitas econômicas não retomem rapidamente os níveis de produção e consumo anteriores à pandemia, há espaço para a recuperação dos preços de commodities e alívio nas condições financeiras internacionais 8.

Ou seja, apesar das conhecidas dificuldades estruturais locais e de todas as incertezas políticas e fiscais presentes, a ociosidade doméstica e a manutenção de uma agenda econômica responsável podem permitir ao Brasil acompanhar o quadro de retomada global em 2021.

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1 A participação da soma de importações e exportações no PIB brasileiro tem oscilado ao redor de 18% ao longo dos últimos 30 anos.

2 Abreu, Marcelo de Paiva. “A ordem do progresso – dois séculos de política econômica no Brasil”. Editora Elsevier, 2014. As séries de 1901 foram encadeadas, a partir de 1979, com os números da Funcex.

3 As séries históricas do último século não confirmam a existência de uma tendência de deterioração dos termos de troca. Ao contrário, a relação entre preços de exportação e importação oscila ao redor de uma média estável, influenciando positiva ou negativamente os ciclos econômicos locais.

4 As variações são consideradas a partir de uma curva suavizada (filtro HP). 

5 O período foi marcado pelas recessões de 1981, 1983, 1988, 1990 e 1992.

6 A partir dos anos 80, o PIB de China e Brasil passam a ser altamente correlacionados e com uma causalidade bem definida, com a economia chinesa influenciando o desempenho da economia brasileira.

7 O FMI projeta taxas de crescimento para 2020 e 2021 na China de, respectivamente, 1,2% e 9,2%. Para o crescimento global, as projeções respectivas são de -3,0% e 5,8%.

8 Importante lembrar que os fluxos de capitais costumam ser pró-cíclicos. Dificilmente uma retomada econômica internacional não trará benefícios financeiros ao País.

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Fonte: Roberto Padovani

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