As reformas valeram a pena, por Roberto Padovani

Publicado em 01/04/2020 12:05
Ajustes feitos ao longo dos últimos três anos permitem, agora, uma forte resposta de política ao choque econômico gerado pela pandemia global

Depois de uma reação inicial tímida, o governo finalmente apresentou seu arsenal para combater o choque gerado pela pandemia global. A adoção de políticas anticíclicas, no entanto, só foi possível após três anos de reformas e responsabilidade econômica.

O choque talvez seja um dos maiores da história recente. A economia mundial mostra uma rara e simultânea parada súbita. Os poucos indicadores de indústria e serviços já divulgados na Ásia e Europa, epicentros do contágio até o momento, impressionam.

Caso o Brasil tenha um desempenho parecido, a retração do PIB no segundo trimestre não terá precedentes. Ainda que haja muitas incertezas e dispersão das projeções, o que já se sabe é que os serviços, que representam cerca de 70% do PIB, é o setor mais atingido. Além disso, o emprego por conta própria e as micro e pequenas empresas¹ são segmentos mais expostos à queda do faturamento² em uma situação de maior aversão a risco do sistema bancário. Com tudo isso, é fácil transformar a pandemia em uma crise financeira, política e de confiança.

Diante deste colapso, o consenso é que as respostas de política precisam ser rápidas e fortes, permitindo que o dano econômico causado pelo surto seja tão temporário quanto o próprio ciclo epidemiológico³.

Diferentemente de uma crise bancária, cujos efeitos necessariamente se espalham no tempo, o choque de oferta e de demanda gerado pelas quarentenas tende a ser intenso e de curto prazo. Por isso, os estímulos devem também ser fortes e rápidos para evitar a quebra de empresas e o aumento do desemprego, favorecendo a retomada após a superação do surto. O desafio é achatar ao mesmo tempo a curva do contágio, preservando o sistema de saúde, e a curva do desemprego, suavizando a recessão.

O lado bom da história é que o Brasil, depois de três anos de reformas e responsabilidade econômica, resgatou seus instrumentos de gestão e pode, agora, voltar a usar políticas anticíclicas, como em 2008.

O teto de gastos aprovado em 2016, a retomada do programa de concessões, a reforma da previdência e o processo de redução do tamanho do Estado foram fundamentais para reverter a trajetória de contínua deterioração das contas públicas e estabilizar a dívida pública. Além disso, esta crise explicitou o consenso político e econômico de que as regras fiscais não devem ser alteradas, contribuindo para manter as expectativas ancoradas.

Diante disso, as respostas fiscais exigidas pela natureza do choque puderam ser expressivas e incluem o diferimento do pagamento de dívidas e impostos, além da antecipação e ampliação de benefícios sociais e estímulos ao crédito consignado. Recursos estão sendo destinados para saúde, auxílio emergencial para trabalhadores informais, governos regionais e financiamento da folha de pagamento das pequenas e médias empresas.

No lado monetário, a reconquista de reputação tem contribuído para ancorar as expectativas de inflação, mesmo com os sucessivos choques de preços sofridos nos últimos dois anos. Como resultado, a ociosidade mantém a oportunidade para reduzir compulsórios e testar níveis ainda mais baixos de juros, ajudando a própria dinâmica das contas públicas. Por último, a solidez do sistema bancário público e privado foi reforçada e torna possível preservar o canal de crédito para as empresas de menor porte.

Todas as medidas fiscais, além da esperada queda na arrecadação, devem produzir um déficit primário nas contas públicas próximo a 6,0% e fazer com que a dívida bruta do governo salte de um patamar de 76% do PIB para algo acima de 80%.

O mais importante e notável, no entanto, é que apesar desta aguda deterioração, as regras fiscais, a responsabilidade da gestão e os juros em patamares baixos controlam os riscos de insolvência. Não estão sendo criados gastos permanentes, mas apenas despesas emergenciais com o objetivo de resgate da economia, fazendo com que as agências de classificação de risco não penalizem o País neste momento. Como resultado, os expressivos estímulos fiscais e monetários não afetam a estabilidade econômica e permitem que a previsibilidade favoreça a confiança e a recuperação após o confinamento.

Esta crise, portanto, está mostrando a importância das reformas. Ainda que seus efeitos sejam normalmente de longo prazo e pouco mensuráveis, principalmente sobre produtividade e crescimento, o que se vê é que elas ajudam a ancorar as expectativas e a garantir instrumentos para administrar os ciclos econômicos. O resultado prático é uma economia mais resistente, capaz de evitar que choques temporários se transformem em permanentes.

Roberto Padovani é Economista-Chefe do Banco BV

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1 Algumas estimativas mostram que as micro e pequenas empresas respondem por cerca de 27% do PIB e por 70% do emprego. 

2 Várias pesquisas mostram que as pequenas empresas não têm folego financeiro para enfrentar uma paralisação superior a um mês. Ver também JPMorgan Chase Institute, “Cash is king: flows, balances and buffer days”, Sept/2016.

3 Baldwin, R. e Di Mauro, Beatrice W. “Mitigating the covid economic crisis: act fast and do whatever it takes”, CEPR Press, Mar/2020

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Por: Roberto Padovani

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