Ignorância solar..., por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Publicado em 14/01/2020 13:13

O presidente Jair Bolsonaro declarou no penúltimo domingo (5 de janeiro de 2019), que não pretende tributar a geração de energia solar no país.  Afirmou, porém, que a palavra final caberia à ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica, "que é autônoma".   Embora sua postura contra a tarifa era a posição “do presidente da República”, Bolsonaro afirmou, pelo twitter, que  os integrantes da agência reguladora é que teriam a decisão final, pois “têm mandato”. 

Encerrando a questão, o Presidente determinou que ninguém do governo iria mais discutir o assunto.

O problema originou-se em 2012,  quando a ANEEL estabeleceu que as instalações domésticas dos painéis solares não pagariam encargos, subsídios e tributos pela produção, pelo consumo ou pela distribuição do excedente de energia. O objetivo do governo, à época, era incentivar a geração de energia solar. 

A agência agora, entende que não há mais necessidade de incentivar a inclusão da energia solar no smart grid, pois esta já atingiu, segundo ela,  um custo viável no mercado. A nova resolução, portanto, poria fim à isenção de taxas. 

Os protestos não tardaram a ocorrer, e ante a grita geral do setor,  o chefe do executivo federal adotou o mote "tarifa-zero", contrariando o entendimento da ANEEL.  Porém, Bolsonaro  compreendeu que a saída seria estabelecer a isenção por meio de um novo marco legal, votado no parlamento. Remetendo a questão para o Poder Legislativo e declarando o caso encerrado.  

Assunto encerrado?  Entendimento correto? Claro que não!

A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal (grifamos). Essa subordinação às diretrizes do governo implica, inclusive na necessária articulação com a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, quando o assunto for a tarifação do uso dos sistemas de transmissão e distribuição que impliquem alteração nas regras de concorrência, ou seja - justamente o que instrui a resolução atacada pelo Presidente no Twitter.

Por sua vez, o Ministro de Minas e Energia comanda o Conselho Nacional de Política Energética-CNPE, cuja atribuição é justamente estabelecer as diretrizes do governo para programas específicos, como os de uso da energia solar e outras fontes alternativas. 

Ou seja,  é o CNPE -  que analisa e baixa a diretriz conforme a qual deve a ANEEL agir. 

Com efeito,  estando a ANEEL  legalmente vinculada ao Ministério de Minas e Energia, sua autonomia não a autoriza refugir às diretrizes de governo e, ainda que o fizesse, o próprio governo teria instrumentos postos no Ministério da Justiça e no Conselho Nacional de Política Energética para barrar  o entendimento contrário.  Por último, o próprio Presidente poderia, por decreto, baixar  uma diretriz.

Essas atribuições e conformações encontram-se todas previstas pela Lei Federal 9.427 de 1996 (art. 2º, art. 3º - incisos IX, XVIII, § 1º e § 7º, art. 4º - §3º),  Decreto Presidencial 3.520 de 2000 (art. 1º, IV),  dentre outras normas e portarias.  Basta um esforço de compreensão teleológica e aplicação deontológica, que a questão se encerra dentro dos parâmetros legais, no campo decisório do próprio governo federal. 

Assim, antes de tuitar e decidir que o assunto não era da sua alçada,  deveria o Presidente Bolsonaro  observar o quadro legal que o ampara. 

Várias perguntas permanecem no ar, senão vejamos:  

Por que o presidente, antes de se pronunciar, não contatou seu Ministro de Minas e Energia? Por que não entrou em contato com o presidente da ANEEL? Por que não ouviu sua assessoria jurídica?

Se a ANEEL não é um alienígena na Administração do Executivo Federal e está adstrita legalmente à diretriz governamental.  Se está na regra do Decreto que o CNPE, presidido pelo Ministro de Estado de Minas e Energia, é órgão de assessoramento do Presidente da República para formulação de políticas e diretrizes de energia, por que o próprio Ministro não convocou o Conselho Nacional de Política Energética quando surgiu a polêmica sobre a tarifação "solar"?  Por que não firmou a diretriz "tarifa-zero"? 

Por fim, se  o presidente afirma que seus ministros estão proibidos "de falar no assunto"  e transfere um conflito, cuja atribuição de resolver lhe compete, para o Poder Legislativo, o que  se passa no governo federal?  

Com todo o respeito devido ao nosso presidente, algo está errado, nesse episódio, com a sua governança.  

Está claro que ninguém instruiu o chefe de estado adequadamente para lidar com o assunto. A impulsividade do Presidente não impede que seus auxiliares lhe encaminhem um paper, um memorando ou um roteiro básico que oriente a tomada de decisão. 

O que se viu do episódio foi uma desconexão da chefia do estado com a máquina administrativa que lhe é subordinada. Nesse sentido, ao ser incumbido pelo presidente da república, de resolver a regulação tarifária,  o Poder Legislativo ganha status de "tutor" dos conflitos internos do governo, com responsabilidade de "corrigir" as agências reguladoras, como se o executivo não tivesse autoridade sobre a própria máquina administrativa.

Não foi por outro motivo que, pela mesma rede social, o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ), endossou a posição de Bolsonaro, afirmando que  “vamos trabalhar juntos no Congresso, se necessário, para isso não acontecer”...

Visto por esse aspecto, a atitude presidencial traduziu-se  em um deleite para qualquer lobista da esquina (se esquinas houvessem em Brasília... ).

Me sinto na obrigação de falar, como apoiador de primeira hora de Bolsonaro. O episódio revelou um sério problema de governança, que precisa ser urgentemente corrigido. 

Energia solar envolve, hoje, todo um ciclo econômico, que está fragilizado pela insegurança regulatória - isso é problema do governo, jamais do parlamento.  

Acreditei que o governo iria interferir eficazmente no debate, pondo as coisas no lugar. Mas não. O palácio, no episódio, deixou transparecer que desconhece como funciona o ambiente de regulação ou, ciente de como funciona, optou por se omitir.
 

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Por: Antonio Fernando Pinheiro Pedro

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