O STF armou, desde o início, o imbróglio da prisão após condenação em segunda instância, sem trânsito em julgado

Publicado em 16/10/2019 08:27
por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

O ioiô jurisprudencial sobre o cumprimento de pena  condenatória, antes de esgotados os recursos judiciais postos à disposição dos acusados no processo criminal, é absurdo e infantil. 

O "debate"  não ocorreria se o Supremo Tribunal e demais tribunais da República, julgassem com presteza e eficiência os recursos criminais. 

O dilema  "trânsito em julgado versus execução da pena" é absolutamente falso. Sua simples existência exclui a grave responsabilidade do judiciário pela própria morosidade no cumprimento da prestação jurisdicional.  

Não fosse a morosidade, não haveria qualquer discussão a respeito da cláusula pétrea constitucional da presunção de inocência.

A insistência persecutória em prender antes de esgotados os recursos e a persistência garantista de manter a liberdade quando a prisão se faz necessária, convergem para o mesmo diagnóstico: nosso poder judiciário está obsoleto, perdeu sua capacidade implementadora, não atende mais à aplicação da lei penal. Da mesma forma a Constituição que o sustenta.

Essa é a verdade que ninguém quer enxergar. 

O pior é essa discussão se desenrolar com o único intuito de beneficiar acusados  no bojo da Operação Lava-Jato - em especial o ex-presidente Lula. 

O preço do embuste é pesado para a cidadania - fere o direito, a democracia e joga  no lixo dos debates obscuros o caro princípio da presunção de inocência.


Presunção de Inocência é milenar


A presunção de inocência não é assunto novo. Ela foi alegada em favor de Jesus por um atônito Pôncio Pilatos, que não via nele qualquer culpa. 

O episódio é revelador do conflito milenar entre Justiça e Política. Embora juridicamente exigisse dos saduceus e fariseus que formalizassem suas acusações e submetessem o acusado a julgamento conforme a lei judaica, o governador romano cedeu politicamente à pressão dos fanáticos e crucificou Jesus, sem que delito algum houvesse ele cometido contra a lei romana ou mesmo houvesse sido julgado pela lei da judeia. 

Ulpiano, doutrinador romano, duzentos anos antes de Cristo, lecionava que "É preferível deixar impune o delito praticado por um culpado que condenar um inocente". (*1)

Essa máxima foi incorporada na doutrina cristã, e sobreviveu ao longo dos séculos - ainda que o "nocemtem absolvere satius est quam innocentem damnari" (*2) encontrasse ouvidos moucos na santa inquisição da Baixa Idade Média... (*3) 

A justiça católica e medieval justificou o resgate da presunção de inocência pelo iluminismo. Esse resgate constituiu um dos princípios da Revolução Francesa e foi sintetizado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, cujo artigo 9º expressou: 
 

"Todo homem é presumido inocente até ser declarado culpado. No caso de se julgar indispensável sua prisão, qualquer excesso desnecessário para se assegurar de sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei."


A Declaração Universal dos Direitos do Homem,  proclamada pela Resolução n. 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948,  reconheceu o princípio da presunção de inocência como necessária e inerente ao exercício pleno de defesa, rezando o art. 11 que: 

“§1.Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.”


Seguiu-se a Convenção Europeia para Proteção dos Direitos dos Homens, de 1950, o Pacto internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966 e a Convenção Americana sobre os Direitos Políticos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, em vigor desde 1978 - esta última  ratificada pelo Brasil em 1992, positivando expressamente o princípio da presunção de inocência. 

O princípio, como se vê, é claro e expresso  e pressupõe o devido processo legal  para a formação da culpa. 

No entanto, no Brasil, sua expressividade é literal, mais abrangente e não deixa margem a qualquer dúvida, como adiante se verá.  


A  Constituição Federal é taxativa


Reza, a propósito do tema, o art. 5º da Constituição Federal: 
 

"LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
 LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 
(...)
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória."


A Constituição dispensa "interpretações iluminadas" quando expressa as garantias fundamentais, por definição auto aplicáveis. 

A prisão só pode ocorrer no bojo do devido processo legal. O acusado tem assegurada sua defesa com os meios e recursos a ela inerentes e a culpa só existe após trânsito em julgado da sentença penal condenatória - vale dizer, esgotados "os meios e recursos" inerentes á defesa. 

A Constituição de 1988 é extremamente garantista. Os termos postos sobre a presunção de inocência jamais constaram com similar expressividade nas Cartas anteriores.  

A culpa, aqui, pressupõe condenação. Esta só se processará no campo penal após transitada em julgado. Assim,  a menos que incorra nos motivos  justificadores da prisão preventiva, o acusado não será recolhido à prisão antes de esgotados os meios e recursos inerentes à sua defesa. 

A regra foi reforçada infraconstitucionalmente em 2011 com a alteração do art. 183 do Código de Processo Penal, instituindo as mesmas condições para a prisão.  

Essa alteração partiu de um projeto de adequação do CPP às normas constitucionais, proposto por juristas de escol capitaneados pela Professora Ada Pellegrini Grinover, dez anos antes de sua aprovação. 

O Estado deveria ter implementado a regra agilizando a justiça. Mas ocorre o contrário: julgadores estão suprimindo direitos para manterem-se em dia com o atraso. 

Antecipar a execução da pena nessas condições postas pelos marcos legais, é tratar como culpado quem é presumidamente inocente. Isso afronta expressamente o texto constitucional. 


A falácia da impunidade


A verdadeira saída que ninguém quer convenientemente enxergar é essa: não se deve mudar a norma e, sim, quem a aplica. 

O STF mudou... e se enrolou.  O "rolo" é escamoteado acintosamente nos debates jurídicos e na imprensa. 

A falta de memória nesse campo é de fato criminosa. 

Uma coisa é certa: O dispositivo constitucional nunca impediu a prisão de quem deveria permanecer preso, ainda que no curso do processo. 

Quem determina a expedição imediata do mandado de prisão, considerando a periculosidade do agente, a gravidade dos fatos imputados e o risco à Ordem Pública,  é o magistrado. 

Essa decisão pode ocorrer no recebimento da denúncia, durante o processo e no dispositivo final da sentença.  

Entendendo presentes os mesmos requisitos que justificariam a prisão preventiva, o magistrado ou o tribunal deve baixar o decreto de constrição. Simples assim. 

Portanto, é preciso sair da esfera do faz de conta e encarar a realidade. 

Era e é possível a prisão ser decretada no curso do processo, na prolação da sentença e mesmo na pendência de recurso, nos termos postos pela lei. Basta o magistrado se esforçar e o tribunal compreender se assim for necessário.

O problema, destarte, não está no critério constitucional. Está na lassidão burocrática que contamina todo o judiciário brasileiro -  uma máquina que não agiliza os processos, muito menos os recursos. 

Esses dois elementos - operosidade e atenção, parecem não existir nas instâncias recursais superiores. 

Se somarmos essa inoperância à confusão de ativismos, punitivismos, garantismos, açodamento, preguiça e assoberbamento de demandas na justiça criminal, compreenderemos onde está a causa da impunidade. 

Aliás, a impressionante produtividades do juízo de Sérgio Moro no bojo da Operação Lava-Jato, demonstra exatamente isso: quando se quer, se julga e se prende. 

O resto, é falácia.

Há quem queira mais

Assim é a demanda provocada pelos próprios procuradores envolvidos na operação Lava-Jato.  Eles elaboraram uma proposta de alteração da execução provisória da pena para atender justamente a demanda persecutória face à morosidade da justiça. 

Obviamente, a demanda persecutória da força-tarefa guarda características únicas - tamanha a dimensão do fenômeno criminológico ali combatido.  Daí a prudência e a jurisprudência agirem para conter ânimos e produzir, com serenidade, a Justiça. 

O fator Teori 

Prudência, porém, não foi o que ocorreu em 17 de fevereiro de 2016, quando por maioria dos votos no Plenário a Suprema Côrte decidiu contra a Constituição, admitindo sem ressalvas o cumprimento de sentença condenatória após a prolação de acórdão condenatório de 2º grau. 

Mais uma vez, o pivô da distorção foi Lula e os pistolões da República encalacrados na Operação Lava-Jato.

A pressão por manter Lula na prisão nublou o raciocínio da côrte, que poderia ter mantido a postura anterior à primeira decisão equivocada do Tribunal, permitindo ao juízo elencar os fundamentos para a manutenção do réu preso e, assim, manter a espada da justiça pendente sobre a cabeça de Lula.

Agindo como agiu, o STF suprimiu-se como instância e mutilou o instituto do trânsito em julgado. 

Esta decisão constituí o pivô de toda a suprema confusão federal em torno de prisões e impunidades. 

Ela ocorreu no Habeas Corpus n. 126.292/SP.  

Tratou-se, contudo, de um decisum disfuncional. 

O HC julgado em 2016 se insurgia contra uma decisão do tribunal  de justiça paulista e informava algo  totalmente diferente: o Tribunal bandeirante, ao determinar a prisão do acusado, fundamentara o ato de constrição no conteúdo de sua própria decisão de improvimento do recurso -  não elencara elementos que sustentassem uma prisão cautelar no bojo do processo. 

O Ministro Teori Zavascki, indicado relator, deferiu liminar e suspendeu a prisão preventiva. 

Teori agiu conforme decidira o próprio STF quase uma década antes - HC 84078, de relatoria do ministro Eros Grau ( já aposentado).      Nesta histórica decisão, o Supremo Tribunal entendeu que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar Ou seja,  seria “imperiosa a indicação concreta e objetiva de que os pressupostos descritos no artigo 312 do CPP incidem na espécie”. 

Repita-se, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre foi firme no sentido de ser possível a execução provisória da pena privativa de liberdade, quando os recursos pendentes de julgamento não têm efeito suspensivo e presentes os requisitos autorizadores da manutenção em sede cautelar. 

Em plenário, porém, o entendimento de Teori extrapolou e as coisas mudaram.  Teori decidiu inovar. 

Após tecer considerações exaustivas comparando o instituto da presunção de inocência com sua implementação em vários outros pontos do planeta, o ministro somou uma jurisprudência antiga (dos primeiros anos de vigência da constituição de 1988), e  fez uma proposição "inovadora", nos termos seguintes: 

"Essas são razões suficientes para justificar a proposta de orientação, que ora apresento, restaurando o tradicional entendimento desta Suprema Corte, no seguinte sentido: a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência." (*4) 

Retirou-se a cautela em relação ao risco para transformar a prisão em mero efeito burocrático da decisão condenatória em segunda instância.  

Teori morreu, mas sua herança incendiou o cenário jurisprudencial.  A decisão, data venia, foi um tapa no rosto do direito brasileiro. 

Paradoxo invencível 


A inconstitucionalidade é óbvia. Possível de ser constatada no histórico recente do próprio STF. 

Em 2011, o Presidente do Supremo Tribunal Federal Cesar Peluso, apresentou Proposta de Emenda Constitucional de iniciativa do  judiciário, alterando o art. 105 da Carta - para modular os efeitos dos recursos criminais no âmbito dos tribunais superiores, assim redigida: 

"Art. 105-A A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte.

Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento."


O Supremo Tribunal, portanto, estava plenamente ciente do obstáculo constitucional à execução provisória desmotivada da decisão condenatória. 

O próprio pretório excelso, assim,  já havia lançado a bola para o campo legislativo. 

O que, afinal, ocorreu? 

A resposta está na conjuntura provocada por dois fatores esquerdistas:  
 

a) no fator PSOL + populismo judicial e, também,  no b) O "fator Lula" - que contaram com a lamentável pusilanimidade do supremo colegiado.


O fator PSOL e o populismo judicial

As manifestações de junho de 2013, os escândalos da Lava-Jato, as manifestações pelo impeachment de Dilma e a crise de governo acuaram o  judiciário. O Supremo necessitava "dar uma resposta à opinião pública". 

As demandas sociais  não mais se coadunavam com a tentativa reiterada dos tribunais superiores livrarem-se da carga de trabalho, comprimindo direitos dos que a eles recorriam. 

Não havia como manter em liberdade notórios corruptos que ostentavam uma riqueza roubada à  população brasileira, que já sofria terrivelmente com uma recessão econômica - provocada por desastradas políticas econômicas governamentais.

Por outro lado, a violência sem controle no sistema prisional e a situação carcerária sub humana  também demandaram o Supremo Tribunal.  

Surgiram então duas correntes paradoxais: uma pela rejeição do sistema prisional, outra pelo incremento da punibilidade.

A demanda pela humanização do sistema carcerário, menos difusa e melhor articulada pelos seguimentos esquerdistas - ditos de "direitos humanos", veio em forma de uma Ação de  Descumprimento de Preceito Fundamental - a ADPF 347, proposta pelo PSOL em 2015. 

Notoriamente lento, o STF agiu rápido, pois a ação se enquadrava no perfil ativista e populista da côrte. 

Os julgadores - Ministro Barroso à frente, admitiram em parte a procedência da ADPF e, à guiza de melhor controlar o fluxo de prisões, instituíram uma "linha de produção de liberação de presos" - as famigeradas audiências de custódia, hoje implementadas nos judiciários dos estados e no âmbito federal. 

O Supremo também baixou entendimento jurisprudencial de consequências mais complexas. Fez constar em sua decisão que o Brasil vive um "estado de coisas inconstitucional" no sistema de repressão criminal. Informou, em sede de decisão, que nossas prisões se assemelham a "masmorras" - e o preso sempre arca com uma pena "maior que a decretada na sentença". 

Não informou, por óbvio,  que sua própria lentidão no decidir os recursos e Habeas Corpus também contribuía para esse estado de coisas.

Reconhecida a inconstitucionalidade do sistema prisional, criada a "fábrica de audiências de custódia" - na outra ponta, a pressão por efetividade punitiva continuava.

A diferença de timming entre primeira instância e instâncias recursais, na apreciação dos casos criminais - continuava sendo um grande fator de pressão por efetividade punitiva.

Com o advento da Operação Lava-Jato essa  defasagem em relação aos réus submetidos ao foro privilegiado do STF, tornou-se um escândalo. 

Enquanto a primeira instância condenava envolvidos na Operação Lava-Jato na casa das dezenas e centenas, o Pretório Excelso caminhava a passos de formiga no campo originário e no recursal. 

O Supremo Tribunal ficou na berlinda, exposto à crítica sistemática e ao descrédito da sociedade. 

Pusilâmine, a judicatura do STF cedeu às pressões e incorreu no paradoxo invencível. 

Se na ADPF de 2015  entendera ser o sistema prisional inconstitucional, devendo o judiciário priorizar a manutenção dos imputados em liberdade até que comprovada em definitivo a culpa (daí a audiência de custódia e as medidas flexibilizadas da liberdade provisória e constrições alternativas),  a Côrte decidiu, por outro lado, em sede de Habeas Corpus, admitir a possibilidade de prisão após decisão condenatória em segunda instância - antecipando o recolhimento do imputado à prisão, antes de transitada em julgado sua culpabilidade. 

Foi nesse sentido que o Supremo decidiu o HC 126.292 em 2016,  contra decisão anterior, admitindo possível o cumprimento burocrático de sentença condenatória após a prolação de acórdão condenatório de 2º grau.   

Não deu outra. A cornucópia jurisprudencial construída pela "decisão de Pollyanna" na ADPF 347, transformou-se, então,  numa caixa de pandora aberta pelo HC 126292, que liberou  maldades jurisprudenciais e  persecuções doutrinárias Brasil afora. 

Criou-se um novo e paradoxal estado de coisas inconstitucional. 

O mais irônico foi que a proliferação de mandados de prisão, decorrentes do novo posicionamento, não afetou poderosos pivôs dos escândalos nacionais.   Afetou, isto sim, os pé-rapados da esquina, a massa de desassistidos - os que se vergaram ao peso da autoridade insensível. 

O fator LULA e a gangorra jurisprudencial


Na decisão de fevereiro de 2016, o infeliz paulista paciente do Habeas Corpus foi o que menos importou. 

Visaram os supremos ministros lançar uma espécie de "aviso aos incautos da Lava Jato". Pretendeu o tribunal alertar a opinião pública que não daria guarida aos que fossem condenados nas instâncias inferiores - todos iriam cumprir pena a partir das condenações em segunda instância. 

Havia uma sombra sobre essa decisão. Se o alvo primário era a "impunidade", o alvo secundário sempre foi o ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva.

Lula provocou, assim, disfuncionalidades na jurisprudência do STF.  Essas disfunções prejudicaram a segurança jurídica das decisões do Tribunal e incrementaram o desrespeito à sua imagem institucional.   

Não há como não constatar o horizonte político da coisa toda. 

Os magistrados da côrte suprema foram indicados na perspectiva de tutelar juridicamente um processo bolivariano de consolidação socialista no poder. Competiria a eles tutelar a implementação das alterações "não consensuais" dos paradigmas no campo dos costumes, da relação ética de Estado, das garantias individuais, etc.

Com a derrocada do projeto lulopetista e a "sinucada" institucional de seu líder, passaram os nominados e cooptados jurisconsultos a sofrer profunda crise de identidade.  Os ativistas geradores de decisões "não consensuais" encastelados no STF, resolveram decidir ao sabor dos ventos, e também contra estes, sem rumo e sem ter um porto seguro onde aportar.

Como diz Sêneca, "Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir"...

O Supremo, então, transformou-se em uma gangorra jurisprudencial,  que desestabiliza o ambiente político do Brasil. 

É nesse sentido que se compreende o vespeiro que ousaram mexer os desnorteados ministros, ao politizar a presunção de inocência sem o devido respaldo constitucional. 


A ordem dos fatores altera o produto

O espectro dessa questão é  muito maior que a  questiúncula lulista visada pelos supremos julgadores, enxergada pela mídia, e debatida por por petistas e jato-lavagistas. 

O Partido Ecológico Nacional (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizaram no Supremo Tribunal Federal (STF) Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC), com pedido de liminar, visando o reconhecimento da legitimidade constitucional da nova redação do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), inserida pela Lei 12.403/2011 e acima já referida. 

As ações visam, obviamente, obrigar o STF a rever sua posição de 2016 e condicionar o início do cumprimento da pena de prisão ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Na ADC 43, o PEN sustenta que o dispositivo é uma interpretação possível e razoável do princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Já a OAB, na ADC 44, argumenta que a nova redação do dispositivo do CPP buscou harmonizar o direito processual penal ao ordenamento constitucional, espelhando e reforçando o princípio da presunção da inocência. 

Em ambos os casos, o pedido de declaração de constitucionalidade do artigo 283 do CPP surgiu da controvérsia instaurada em razão da decisão proferida pelo STF no Habeas Corpus (HC) 126292, quando, por maioria, o Plenário considerou válido o cumprimento da pena de prisão antes do trânsito em julgado da condenação.

Com os ânimos exaltados no ambiente institucional, o Supremo corre o risco de adotar um decisão "ad hoc" para Lula e se ver em papos de aranha quando examinar em plenário as ações declaratórias, envolvendo a mesma situação - com reflexo indireto sobre a mesma pessoa.

De uma forma ou outra, inevitavelmente, estará reagindo politicamente.  


Um Tribunal acuado, contra a República

O Supremo incorreu em um paradoxo invencível e está sendo tragado por ele.

Deixou-se levar pela onda autoritária do ativismo judicial, abriu precedentes perigosíssimos que fragilizaram as instituições e gerou conflitos, ao invés de decidi-los. 

Os  iluminados de toga, antes protagonistas, agora agem acuados. 

Logo, poderão ser devorados pela esfinge constitucional que resolveram, inadvertidamente, decifrar... 

Poderão consolidar no Brasil a "Justiça dos Ricos" - haja vista que pobre dificilmente consegue recorrer para tribunais superiores em Brasília... 


O fim da Constituição de 1988


A fragilização das colunas pétreas da Constituição -  por obra e graça do Supremo Paradoxal, revela algo ainda mais grave: a morte da própria Carta de 1988 e da chamada "nova república". 

A questão não mais se resolve no ambiente constitucional de 88, muito menos na estrutura sucateada do judiciário que aí está -  menos ainda no Supremo. 

Volto a repetir, esse impasse é revelador. Não se trata apenas de uma estreita somatória de deslizes político-doutrinários com fundo ideológico e interesses rasos. 

O paradoxo que envolveu, no ioiô jurisprudencial - a cláusula pétrea da presunção de inocência, é revelador. Revela  o quadro de falência múltipla de órgãos do Estado Brasileiro, a obsolescência do Poder Judiciário e o esgotamento do regime constitucional de 1988.

Essa novela pendular não terminará sem uma ruptura institucional

Lula é o de menos, ou pode ter sido demais...

Notas: 
*1 - CISNEROS, Germán Martínez:  "La presunción de inocencia. De la Declaración Universal de los Derechos Humanos al Sistema Mexicano de Justicia Penal", in "Revista del Instituto de La Judicatura Federal". p. 227-265, 2008. Disponível em: https://www.ijf.cjf.gob.mx/publicaciones/revista/26/RIJ2612DMartinez.pdf -  Acessado em 22/março/2018.
*2 - É preferível absolver um culpado que condenar um inocente
*3 - FERRAJOLI, Luigi: "Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal", 2ª ed.  rev. e ampl. , Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2006, pg. 506
*4 - Voto do Min. Teori Zavascki no HC 126292/SP - in https://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/2/art20160217-10.pdf - acessado em 22/março/2018.

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Por: Antônio Fernando Pinheiro Pedro

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