A defesa do meio ambiente

Publicado em 12/03/2012 14:31
Por Ives Gandra da Silva Martins, professor emérito da Universidade Mackenzie e presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.
O artigo 225 da Constituição Federal esclarece que a preservação ambiental é dever do poder público e da coletividade e seu parágrafo 1º determina que a discriminação de reservas legais e recuperações ecológicas estejam a cargo apenas do poder público, estando ambos os dispositivos assim redigidos:

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade ele vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integralidade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem, especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submeta os animais a crueldade".

O artigo tem sido lido pelo poder público, como sendo da responsabilidade exclusiva - nem dele, nem da coletividade como um todo -, mas apenas de uns poucos proprietários a preservação ambiental, assim como a assunção das limitações impostas ao uso da terra pelo poder público.

 A MP impôs ônus a uma parcela da população
 
Em outras palavras, as imposições da MP nº 1956-50/2000 no que concerne à preservação das reservas legais, como do velho Código Florestal, não são nem de responsabilidade do poder público, nem da coletividade como um todo, mas exclusivamente daqueles proprietários que exploram áreas agrícolas, podendo conforme a região variar de 20% a 80% (floresta amazônica).

Já em outro artigo para o jornal Valor abordei um aspecto da referida medida provisória, tendo-a, por inconstitucional, na parte em que não impõe ao poder público a responsabilidade por manter a reserva legal, visto que o § 1º só dele cuida e não da coletividade (MP para Amazônia é inconstitucional, jornal Valor, 15/01/2004, página B2).

Neste artigo, quero abordar um outro aspecto que me parece relevante, ou seja, o conceito de coletividade.

Nitidamente, coletividade não é um pequeno número de proprietários. Coletividade representa no país, a comunidade geral, ou seja, 175 milhões de brasileiros e não umas poucas centenas de milhares de grandes, médios e pequenos proprietários.

Não fala, o constituinte, que apenas "pequena parte da coletividade" deverá ser responsável para a preservação do meio ambiente para a humanidade, para o poder público e para toda a coletividade, mas sim que toda a coletividade é por ela responsável. É o que está escrito e é o que se deve ler.

Ora, à luz do que está escrito na Constituição, o texto da MP nº 1956-50/2000 é inconstitucional, por violar expressamente, o texto do artigo 225 "caput" e § 1º do artigo 225 da Constituição Federal, visto que nem impôs ao poder público exclusivamente (§ 1º ) ou a toda a coletividade (caput) o ônus da preservação ambiental, mas apenas a parcela pequena da população, obrigando que para o bem da humanidade, do Brasil, do poder público e de toda a coletividade, alguns brasileiros ficassem responsáveis exclusivamente pela preservação ambiental, suportando o brutal ônus de sua preservação!

Em nenhum momento, o artigo 225 faculta a leitura acima. Em nenhum momento, introduz diminuta parcela da população para perder a utilização de seus bens em prol dos outros, sem que os outros dêem-lhe qualquer contrapartida. Em nenhum momento a Constituição autoriza que o direito à propriedade (cláusula pétrea) seja tão afetado, como na leitura que o poder público faz do texto supremo para afastar sua responsabilidade e da coletividade como um todo para transferí-la apenas para pouquíssima parcela da população a suportar tais ônus.

É de se lembrar que mesmo quando o constituinte fala em reforma agrária e na propriedade que não cumpre sua função social, a desapropriação é indenizada. Que se dizer daquelas propriedades que cumprem sua função social e têm o seu uso restringido para o bem da humanidade, do Brasil, do poder público e da coletividade, sem que seus proprietários recebam qualquer indenização?

Tenho, pois, por manifestamente inconstitucional o texto da Medida Provisória nº 1956-50/2000 que impôs o ônus da preservação ambiental, nem ao poder público, nem a coletividade como um todo, mas apenas a pequena parcela da população sem qualquer indenização para seus proprietários.

Relembro que o Supremo Tribunal Federal já em duas ocasiões admitiu que a lei pode definir áreas de reserva legal e preservação ambiental, mas com indenização aos que sofrem o ônus da restrição, sendo seus relatores os ínclitos constitucionalistas Francisco Rezek (Recurso Especial 100.717-6-SP, "Diário da Justiça" 10/02/84) e José Celso de Mello (Recurso Especial 134.297-8-SP, "Diário da Justiça" 22/09/95). Parece-me ser a inteligência dos eminentes magistrados, indiscutivelmente, a de maior bom senso.

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Fonte: Ives Gandra da Silva Martins

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